Na Eslováquia, a extrema-direita tornou os ursos num alvo a abater

14 de setembro 2024 - 11:03

A partir de um incidente, o Partido Nacional Eslovaco tem alimentado um pânico nacional que agrada aos lóbis da caça e é criticado pelos ambientalistas.

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Urso castanho nas montanhas Tatra, Eslováquia.
Urso castanho nas montanhas Tatra, Eslováquia.

O ataque aos ursos tornou-se uma das prioridades do Partido Nacional Eslovaco que está no governo ao lado do populista Smer de Robert Fico. Aquele partido detém a pasta do Ambiente cujo ministro, Tomas Taraba, pensa que “os grupos ecologistas extremistas transformaram a Eslováquia num museu a céu aberto em que ninguém já ousa deslocar-se normalmente”.

As declarações, obviamente exageradas face a uma população estimada de cerca de 1.200 espécimes, constam de uma reportagem do jornal francês Libération na qual se dá conta da intensificação a caça a estes animais. A extrema-direita tratou para isso de colocar os seus homens à frente dos parques nacionais. Desde que ascendeu ao cargo, Taraba trocou a chefia de sete dos nove diretores. Um dos novos dirigentes é Pavol Majko, um caçador condenado no passado por praticar caça ilegal aos lobos. A vários níveis das estruturas que este ministro dirige ocorreu uma autêntica purga de peritos que foram substituídos por homens do seu partido, grande parte inexperientes nas funções para que foram designados, ou ligados ao lóbi da caça. Entre outubro e março tinham sido postos fora 52 dirigentes. Na sua agenda política está também o aumento do turismo e da exploração de madeira nas áreas protegidas.

Também o Euronews se debruça sobre a questão noticiando que os caçadores passaram a poder matar mais ursos no país desde que sejam considerados como “perigosos” ou “problemáticos”. Para além disso, o ministério do Ambiente também pode emitir licenças de abate se considerar que um urso se aproximou 500 metros de uma população mesmo sem ter tido comportamentos agressivos.

O urso castanho está supostamente protegido pela Diretiva Habitats da União Europeia e pela Convenção de Berna. De acordo com os regulamentos europeus, só animais que sejam uma ameaça aos humanos ou à propriedade podem ser abatidos e apenas o podem ser depois de todas as medidas preventivas possíveis serem tomadas.

Mas nem por isso estão a deixar de ser um alvo naquele país. Ecologistas e oposição criticam estes ataques. O deputado europeu Michal Wiezik, por exemplo, citado por aquele órgão de comunicação social, diz que o que está em causa não é a segurança das populações, como é invocado pela extrema-direita, mas agradar ao poderoso lóbi dos caçadores. Daí que não estejam a ser implementadas quaisquer medidas preventivas.

Há 70.000 mil caçadores registados no país. E estes fazem pressão para que se aumente a caça ao urso. O eurodeputado acusa-os de atirar comida na zonas de miradouros para terem um pretexto de atirar e ter o que é considerado um troféu.

O jornal eslovaco SME descobriu vários casos de ursos mortos por terem sido considerados “problemáticos” sem qualquer razão válida para isso e sem representarem qualquer ameaça. Na sua contabilidade, tinham sido mortos até meados de julho 47 ursos no país, comparados com os 16 abatidos em 2022 e 2023, o que é confirmado pelo Sopsr, organismo de defesa da natureza estatal. O pior, acredita-se, estará ainda por vir já que é no outono que procuram comida para o inverno e a qualidade da sua pele melhora, tornando-os ao mesmo tempo alvos mais fáceis e mais lucrativos.

O Politico, em finais de junho, numa longa peça, enquadrava a questão de como a extrema-direita tratou de capitalizar politicamente um ataque de urso ocorrido no início da primavera. Então, um casal bielorrusso afastou-se das trilhas, entrou na floresta mais densa e deparou-se com um urso, tendo fugido em direções separadas. A mulher foi encontrada mais tarde no fundo de um precipício. As causas da morte não foram divulgadas nem os resultados da autópsia conhecidos.

Taraba usou imediatamente com sucesso o drama numa publicação no Facebook com cerca de um milhão de visualizações para atacar os “burocratas” de Bruxelas que não estariam “absolutamente nada interessados nas vidas do nosso povo e nas vidas das nossas crianças”, preferindo defender os ursos. Desde aí não parou de a explorar. Pouco tempo depois, um urso em pânico no meio da cidade de Liptovsky Mikulas causou cinco feridos, as redes sociais explodiram com as imagens do sucedido e a extrema-direita continuou a sua campanha.

Para aquele meio de comunicação social, “a história de Taraba e dos ursos é uma ilustração de como os políticos da extrema-direita têm usado o ressentimento contra as regras verdes para ajudá-los a chegar ao poder”.

Dá-se ainda conta de como Taraba está a assinar contratos com grupos de caçadores para lhes atribuir mais competências e a possibilidade de atirar a matar contra ursos que detetem e de como pretende estabelecer caçadas anuais para diminuir os espécimes.

O Politico falou com o ambientalista e cineasta Erik Balaz que sublinha que não havia na área do ataque quaisquer sinais de aviso de perigo, que estes animais geralmente não são perigosos e que não têm sido tomadas medidas de prevenção como por exemplo caixotes do lixo que não permitam o acesso destes animais, impedindo-os assim de se aproximarem de aglomerados populacionais.

Já o Libération contactou outro especialista, Roman Trizna, que destaca que “no seu ambiente, os ursos não são ameaçadores. Se nos ouvem chegar, fugirão e não tentarão nunca atacar enquanto não se aproximarem deles”. São animais que não são caçadores e comem sobretudo bagas e frutos silvestres.

Um dos problemas detetados é o aumento da pressão turística nos habitats habituais dos ursos.

Outro são precisamente as aproximações a aglomerados populacionais. No jornal francês, Michal Haring, que trabalhou durante anos na brigada de intervenção dos ursos, explica que “se os ursos começam a comer comida de origem humana isto transforma muito rapidamente o seu comportamento”, deixando de ter medo dos humanos. Acusa o governo atual de apenas ter “a espingarda” como “solução” e explica como desenvolveu no tempo do anterior executivo um projeto de construção de contentores do lixo securizados para impedir o acesso dos ursos, o que os desencorajava da aproximação e que funcionou.

Na Roménia e Suécia também se aumenta a caça ao urso

A questão da caça ao urso não se limita à Eslováquia. Na Roménia e na Suécia também tem estado na ordem do dia.

O Guardian informa que no final do mês passado já mais de 150 ursos castanhos tinham sido mortos no início da caçada anual ao urso e que o total de licenças emitidas era de 486. O número equivale a 20% da população total de ursos no país e segue-se a outro ano recorde: em 2023 foram mortos 722 ursos.

Os conservacionistas dizem que isto se trata de um “puro massacre”. Magnus Orrebrant, dirigente de uma associação de defesa da vida selvagem indica que isto acontece porque “os métodos de caça modernos tornam extremamente fácil matar um urso”. Para além do número de licenças, em causa está também a permissão de utilizar outros métodos anteriormente proibidos neste tipo de caça: iscos, câmaras e cães.A continuar a este ritmo, afirmam, a matança do próximo ano vai deixar o número ursos dramaticamente perto do mínimo considerado necessário para manter uma população viável pelo governo sueco, 1.400.

As caçadas na Suécia atingem também recordes de mortes noutras espécies como lobos e linces. O ano passado foi a maior caçada dos tempos modernos com o número de alvos fixado nos 75, numa população em perigo de apenas 460 lobos.

Já na Roménia, o número de licenças de caça para lobos atingiu os 500 este ano.