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"Mulher à Beira de uma Largada de Pombos"

Um belo livro, de Maria Jorgete Teixeira, de onze contos inspirados em poemas de José Afonso, sendo o último o epílogo a que deu o título “Mulheres”, que sintetiza a diversidade das mulheres, o coração desta colectânea. Por Almerinda Bento.

Maria Jorgete Teixeira, de quem já conhecia a sensibilidade para a escrita, chamou a este livro de contos, “um livrinho”. Um belo livro de onze contos inspirados em poemas de José Afonso, sendo o último o epílogo a que deu o título “Mulheres”, que sintetiza a diversidade das mulheres, o coração desta colectânea.

É um livro para ser lido devagar, para ser saboreado.

Em “Era um redondo vocábulo, uma soma agreste” a força e a reciprocidade do amor, mesmo que fugaz de Laura e que Manuel recordava na prisão. Entre os muitos homens que acolhia, ele era o único que abraçava e beijava como se fosse o único.

Em “Avenida de Angola” temos a realidade da escravatura sexual protagonizada por Djamila, a menina do campo levada para a cidade para ser usada por homens de gravata e gente da alta.

A “Velha da Terra Morena” é uma mulher sem nome, uma mulher que não teve sonhos, porque isso é para gente fina. O monólogo de uma mulher cuja vida foi só trabalho e canseiras, que vende a erva que apanha nos campos e que quer morrer a seu jeito, não num lar como tantos outros velhos.

“Quanto é doce” trata da intermitência do amor, do drama da institucionalização, da precariedade dos afectos. Porque a adopção é coisa séria, aquele menino que conheceu nomes de várias mães perguntou quando chegou a casa de Dália: “É para sempre?”

Lembrando o “O Menino de sua Mãe” de Fernando Pessoa “O soldadinho não volta do outro lado do mar” conta-nos a história do soldado José, nome que a mãe escrevera a canela no prato de aletria ainda fumegante no dia em que, como se lia no aerograma, ele deveria chegar da guerra.

“Teresa Torga” foi uma mulher vencida por fantasmas que a prenderam a um fim infeliz. Famosa como cantora de fado e pela sua beleza, o seu destino foi marcado pela tristeza e solidão. Esquecida de todos, ignorada na morte, o seu nome permanece graças à canção de José Afonso.

“No lago do Breu” é uma história da voragem, da atracção pelo submundo feio, sujo, triste e marginal do sexo sem amor e da droga onde só mora a solidão.

“Que amor não me engana” é protagonizado por Ausenda que encarna as mulheres mal-amadas, desprezadas e desesperadas por não conseguirem aguentar a traição do amor. Mas nem sempre as histórias tristes de mulheres desesperadas acabam mal…

Um dos contos mais fortes conta a história verdadeira de uma chefe de brigada da PIDE Filomena/Mena e de uma presa política identificada como a Mulher. O conto é “Na Rua António Maria” onde “vive a maior confraria/dessa válida nação.” Afinal, a sanha da PIDE através da brutalidade de Filomena não resiste à resistência e argúcia da Mulher massacrada que confronta a chefe de brigada com a fraqueza que esconde atrás duns óculos escuros! Quem sai derrotada: a mulher massacrada ou a agressora?

O belo “Chamava-se Catarina, o Alentejo a viu nascer” é um diálogo entre duas Catarinas, o confronto entre duas gerações e duas épocas separadas por sessenta e quatro anos que retratam mundos e vivências tão diversos, mas onde o peso do nome Catarina continua como traço forte e marcante.


Conto: “Chamava-se Catarina, o Alentejo a viu nascer”.

Por fim “Mulheres”, pura poesia. “Elas eram assim, perpetuando a sombra refrescante das casas. Através dos séculos existindo na felicidade dos outros, presas à construção dos sonhos das crianças e dos homens que nunca lhes pertenciam, inteiramente.”

Um agradecimento à Maria Jorgete por este convite à releitura dos poemas do Zeca.

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