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A Misoginia como fonte de Direito

Temos assistido recentemente a várias decisões que são a ponta do iceberg de vários problemas do nosso sistema Jurídico-Penal. Por Luís Martinho.
Sucedem-se acordãos onde a magistratura acaba por proferir decisões nocivas para a sociedade
Sucedem-se acordãos onde a magistratura acaba por proferir decisões nocivas para a sociedade

Sucedem-se acordãos que causam alarme social, onde a magistratura por vezes com incompetência outras com a sua visão do mundo acaba por proferir decisões nocivas para a sociedade, algumas delas que acabam por causar danos e mesmo a morte a algumas vítimas.

O problema não é novo, Historicamente os crimes sexuais tutelavam bens jurídicos não-personalistas, o crime de violação no passado era um crime contra a "ordem pública" e não a "liberdade sexual da vítima" , essa alteração foi uma vitória de uma guerra que ainda não está vencida. Tal visão jurídica passadista evidenciava uma visão utilitarista do ser Humano, apanágio das Ditaduras Conservadoras que assolaram a Europa no Século XX.

Não podemos esquecer que o Direito é sempre a visão da classe dominante sobre o mundo, se a sociedade é Patriarcal e Conservadora isto vai enfomar o Julgador e todo o ordenamento Jurídico, criando na vítima até um sentimento de culpa "mulher honrada não é violada" é o príncipio implícito que ainda hoje parece aplicar-se de forma mediata nos nossos tribunais.

Vários acórdãos de vários Juízes têm esta linha de racicíonio a tese do que o adultério "não justifica, não desculpa, nem menoriza o comportamento violento do agressor, mas tem de ser levado em conta na graduação da culpa" isto em processos datados de 2015, onde também foi reduzida a pena de uma mulher que matou o marido por cíumes, revelando que além de uma questão de género, existe uma visão de moral social/sexual, que é usada como "fonte de Direito implícita” que é usada para decidir em casos de dúvida.

Existem problemas Jurídicos como a questão da suspensão na execução das penas que levam a problemas concretos , bem como as medidas de coacção que não acautelam quem tem a coragem de denunciar crimes sexuais/violência doméstica, levando a que a prevenção geral destes crimes esteja comprometida e fique dependente da bondade do agressor, o que é inaceitável.

O problema mais díficil surge no julgador, que naturalmente tem liberdade de apreciação, mas até onde? e se errar grosseiramente? Em abstrato tal é acautelado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, vulgarmente designada de Estatuto dos Magistrados Judiciais os probelmas começam no Artigo 11.º que dispõe:

(Proibição de actividade política)

1 - É vedada aos magistrados judiciais em exercício a prática de actividades político-partidárias de carácter público.

2 - Os magistrados judiciais na efectividade não podem ocupar cargos políticos, excepto o de Presidente da República e de membro do Governo ou do Conselho de Estado.

Ou seja é uma proibição formal, nada impede que por exemplo um Juíz perfilhe ideais Contrários ao Estado de Direito , desde que o faça em segredo.

Naturalmente que não se pretende uma República de Juízes, nem Juízes condicionados politicamente, o que pretendo evidenciar é que é uma proibição que na prática de nada serve.

Vamos então "á Última Ratio" o Artigo 95.º

(Penas de aposentação compulsiva a de demissão)

1 - As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado:

a) Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função;

b) Revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa;

c) Revele inaptidão profissional;

d) Tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.

2 - Ao abandono de lugar corresponde sempre a pena de demissão.

Naturalmente que são conceitos subjetivos, mas que vão ser densificados pelos pares do arguido, que inconscientemente podem ter simpatia por ele, criando praticamente impossível uma demissão. Porque não conceitos objetivos para casos gritantes, se o Estado tem Responsabilidade Civil e Penal efetiva em termos objetivos. Porque não o tem alguém que representa o mesmo em Juízo? Dirão alguns que ela existe, está neste Estatuto, e que avançar coloca em causa a independência de um órgão de Soberania? Será mesmo? Será que alguém que com a sua visão do mundo permite que alguém seja morto, porque um julgador entendeu que uma agressão e ameaça de morte nunca seriam efetivadas, pode continuar a julgar com o argumento da "livre apreciação", "independência" e "separação de poderes" quem nos guarda dos guardas que erram grosseiramente e que acham que o marido é a cruz que a mulher tem de carregar?

Artigo de Luís Martinho, jurista, mestre em Ciências Jurídico-Financeiras

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