O Governo apresentou esta quinta-feira uma proposta de lei sobre metadados, com vista a refazer as normas relativas à conservação desses dados das comunicações que foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional (TC). Nesta proposta, referiu a ministra a Justiça, “não vamos manter uma base de dados separada, com dados conservados durante um ano, para a exclusiva finalidade da investigação criminal. Vamos aceder, sim, às bases de dados que no dia-a-dia da sua atividade corrente as operadoras já utilizam na sua atividade normal”.
Catarina Sarmento e Castro entende que o chumbo do TC teve como alvo as “normas que diziam respeito a uma base de dados específica, conservada durante um ano para fins de investigação criminal em relação a todas as pessoas indistintamente” e não a base de dados que as operadoras de comunicações conservam.
Para Eduardo Santos, presidente da Associação de Defesa dos Direitos Digitais (D3), a nova proposta de lei foi recebida em primeiro lugar com satisfação, ao ver prevalecer o "bom senso, após uma clara desorientação à volta de revisões constitucionais e outros artifícios para procurar manter, com uma determinação pouco vulgar, um estatuto que o TC já havia invalidado de forma clara".
"Lei que permite a conservação de dados para fins comerciais ainda não foi objeto de controlo constitucional"
Para os ativistas dos direitos digitais, o facto de o Governo optar por usar as bases de dados existentes não isenta o país de ter de aplicar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) à conservação dessas bases de dados, nomeadamente quanto à "necessidade e proporcionalidade dessa conservação". E é aqui que surgem as dúvidas da D3, uma vez que "a lei que permite a conservação de dados para fins comerciais ainda não foi objeto de controlo constitucional". Por isso, alerta Eduardo Santos, "talvez não seja um bom guia para ultrapassar o recente chumbo constitucional ao nível da utilização de metadados para fins de investigação criminal".
Outro dos aspetos que levantam preocupações na nova proposta de lei é o de ela continuar a prever "a conservação indiscriminada de alguns dados de tráfego e de comunicações entre diferentes utilizadores" e também "o acesso aos metadados em crimes punidos com pena de prisão igual ou superior a um ano quando cometidos por meio de sistema informático - o que alarga bastante o regime anterior, que apenas permitia o acesso para criminalidade grave", aponta Eduardo Santos.
Como tem feito desde o início desta saga político-judicial, a D3 afirma que "irá continuar a acompanhar o processo legislativo para garantir que a lei portuguesa cumpre com as deliberações do TJUE e com o respeito essencial pelo princípio da proporcionalidade no que toca à privacidade dos cidadãos".