Nas eleições autárquicas espanholas de 26 de maio, nenhum dos partidos concorrentes tinha tido uma maioria suficiente para formar um executivo sozinho em Madrid. À esquerda, o Agora Madrid de Manuela Carmena foi o partido mais votado com 31% dos votos e 19 vereadores mas estes eram insuficientes para governar somados com os oito obtidos pelos socialistas espanhóis. E ninguém no bloco da direita estava disposto a viabilizar um novo executivo de Carmena.
Restava assim um entendimento à direita que somava 15 vereadores do PP, 11 do Ciudadanos (Cs) e quatro do Vox. Mas era preciso que se entendessem entre si. E foi preciso uma maratona negocial final de nove horas entre PP e Cs para que estes partidos se entendessem na divisão do poder na capital espanhola. O Cs começou por insistir em ter a presidência da Câmara, mais tarde propôs partir o mandato em dois e ficar cada partido com dois anos de presidência, acabou finalmente por ceder e ficar com a vice-Presidência.
Em seguida foi a vez de encaixar o Vox. A extrema-direita não aceitava ficar fora do executivo e dar um mero apoio. Acabou na madrugada de sábado por conseguir um acordo em que vai “funções” no executivo que só serão públicas na segunda-feira quando o elenco do novo executivo for conhecido.
Este acordo não acontece sem custos políticos para o Ciudadanos. O partido que fazia propaganda de trazer uma “mudança tranquila” ao sistema político espanhol e que já tinha sido acusado de ser um porto de abrigo para vastos setores do PP, acaba coligado com as suas forças mais tradicionalistas.
Externamente, esta coligação acontece na altura em Albert Rivera procura protagonismo no grupo liberal europeu. O partido laranja espanhol pertence ao mesmo grupo parlamentar europeu do que Emmanuel Macron, que era a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE) e passou a ser nomeado Renew Europe (Renovar a Europa). O presidente francês fez saber internacionalmente que não pactua com a aliança entre liberais e extrema-direita.
O cambio, a divisão, a especulação imobiliária e a restrições ao trânsito
Com a tomada de posse de José Luis Martínez-Almeida este sábado, Madrid soma-se à lista de localidades em que a direita tradicional espanhola se alia aos neo-franquistas do Vox. E termina com a experiência de governação de quatro anos do Agora Madrid coligado com o PSOE.
Com ela termina, segundo a própria, a carreira política da juíza Manuela Carmena que foi um interregno nos 24 anos seguidos do poder do PP na Câmara de Madrid. E terminará uma das medidas mais emblemáticas do governo do Agora Madrid, a zona de baixas emissões de gazes poluentes em Madrid Central com restrições à circulação automóvel. Apesar de se ter comprovado a diminuição da poluição e da medida não ter gerado o caos que a direita vaticinara, Martínez-Almeida considera que falhou e prometeu restaurar o trânsito nos trajetos anteriores.
Do momento de unidade em torno do “cambio” que juntava Podemos, Esquerda Unida, Ganemos e vários movimentos sociais, às divisões na esquerda, da primeira vitória em que gritava “sim, podemos” à segunda campanha em que as palavras de ordem eram “Manuela” ou “alcadesa”, a esquerda olha para trás e começa o balanço do que mudou efetivamente ou não na capital espanhola que teve o seu governo mais à esquerda do período recente da sua história.
Carmena enfrentou interesses instalados para implementar as restrições ao trânsito no centro da cidade, reduziu o número de assessores, acabou com contratações externas na Câmara, fez vários momentos de consultas participativas, andava nos transportes públicos da cidade, mudou os nomes franquistas de várias ruas e reduziu a dívida da cidade.
Mas nem tudo foi consensual. Do outro lado da balança, dividiu a esquerda a Operação Chamartín, uma operação de renovação urbana considerada especulativa que beneficiará o BBVA, a construtora San José e é gerida pela DUCH que detém direitos sobre 60% dos terrenos envolvidos e que avançou com o apoio do executivo do Agora Madrid. Para além disso, foi alvo de fortes críticas a falta de resposta aos problemas de habitação. Ao contrário do que foi bandeira eleitoral, não se conseguiram parar os desalojamentos nem a escalada dos preços das rendas e apenas se construiram quatro mil habitações sociais.