Lisboa: crise na habitação expulsa associações da cidade

24 de outubro 2023 - 11:11

Há mais quatro associações culturais da capital com ordem de saída das instalações por os edifícios terem sido vendidos. Com preços de arrendamento impossíveis em Lisboa, a alternativa será entre sair da cidade ou fechar portas.

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Arroz Estúdios. Foto de José Sena Goulão/Lusa.
Arroz Estúdios. Foto de José Sena Goulão/Lusa.

Sociedade Musical Ordem e Progresso, Sirigaita, Casa Independente e Arroz Estúdios são quatro associações culturais que correm risco de fechar devido à crise na habitação na cidade de Lisboa. Todas receberam notificações dos senhorios para saírem das instalações que ocupam porque os edifícios serão vendidos ou transformados em hostels.

Antes delas, nos últimos anos, Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho, Sport Club do Intendente e Crew Hassan também tiveram de se mudar ou de fechar. A lista foi elaborada pela Lusa que explica cada uma destas situações numa reportagem publicada este fim de semana.

A agência noticiosa nacional falou com Patrícia Craveiro Lopes, uma das sócias da Casa Independente, que organiza atividades culturais várias há onze anos no Largo do Intendente. A dirigente associativa explica que dentro de dois anos terão de sair do local porque o contrato de arrendamento não será renovado e o edifício será posto à venda. Começaram já a procurar novo espaço mas “está muito, muito complicado: a arrendar é impossível e comprar é tudo aos milhões”. A associação está em conversações com a Câmara Municipal para tentar encontrar outros espaços, mas em cima da mesa está também a hipótese de sair da capital.

O mesmo diz Cátia Ciriaco, gestora dos estúdios e residências artísticas do Arroz Estúdios: “teríamos preferência de ficar em Lisboa, obviamente, mas se calhar também descentralizar o projeto e levá-lo até outras áreas”. Este espaço tem funcionado desde 2019 na Avenida Infante Dom Henrique, sendo “casa” de vários artistas e lugar de eventos culturais, e já tem o destino selado: foi vendido e o prazo de saída é de seis meses.

A Sirigaita, aberta desde 2018 na Rua dos Anjos, também já foi notificada por carta. No seu caso, o prazo é até o próximo mês de fevereiro. Marco Allegra, um dos responsáveis da associação, vinca que “muitos espaços estão em risco agora, por causa da dinâmica da mudança urbana, da mudança do bairro que toda a gente conhece” e que “com o turismo e toda a economia que vem daí, os preços das casas subiram imensamente. O turismo traz muito dinheiro, mas ninguém cuidou muito das consequências que tudo isso iria trazer para a população e para as coisas de que a população gosta. E acho que isso é um problema muito grande em Lisboa hoje”. A sua colega Maria João Costa explica que têm a intenção de “resistir a este despejo” e que o farão, “não só por nós”, mas por “muitos espaços coletivos” que “têm vindo a fechar e muitos continuam com as paredes emparedadas, muitos anos depois de estarem vazios”. A atual dinâmica tem vindo a “esvaziar a cidade daquilo que é sinónimo de vida”, acrescenta.

Bem mais antiga mas a sofrer do mesmo problema está a Sociedade Musical Ordem e Progresso. A sua casa histórica é na Rua do Conde desde 1892/3 e Carlos Melo, o seu atual presidente, conta que o espaço “foi comprado há coisa de um ano e tal por um grupo. Querem despejar toda a gente para fazer um hostel”.

O dirigente associativo da associação cultural e desportiva, cujo setor desportivo parou porque “o salão precisa de um chão novo”, nota que na zona onde a SMOP funciona “havia uma série de coletividades, mas hoje em dia só há duas ou três, fecharam quase todas devido a esta política de arrendamento”.

Os novos proprietários pretendem pagar 200 mil euros pelo salão mas a associação não aceita. O seu objetivo “é não fechar a coletividade, mantê-la com as atividades que tem e incrementar as que não estamos a fazer porque não temos condições para isso”. Neste caso, não faria sentido sair da zona “porque os sócios são desta comunidade. Alguns foram morar para longe, mas continuam a ser sócios, mas a maior parte deles reside aqui em redor da coletividade”, sublinha.