Levantamento de patentes: O direito humanitário tem de estar acima do direito ao lucro

22 de maio 2021 - 0:08

No comício internacionalista que antecede a XII Convenção do Bloco de Esquerda, Marisa Matias criticou o papel da presidência portuguesa que “não só não impediu como favoreceu a transformação da pandemia numa máquina de gerar lucros”. Em 2020, as farmacêuticas distribuíram mais de 26 mil milhões de dólares em lucros.

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“O governo português defende interesses da Alemanha e das farmacêuticas. Desperdiçou uma oportunidade única de defender a cidadania, e falhou”.
“O governo português defende interesses da Alemanha e das farmacêuticas. Desperdiçou uma oportunidade única de defender a cidadania, e falhou”, diz Marisa. Foto esquerda.net.

Num comício que contou com as intervenções da investigadora da Universidade do Porto, Teresa Summavielle, bem como de Xosé Luís Ribera Jácome, da Confederación Intersindical Galega, e os dirigentes bloquistas Moisés Ferreira e José Gusmão, as críticas à União Europeia e à presidência portuguesa no impedimento do levantamento de patentes exigido mundialmente para combater a pandemia da Covid-19 foram o tema dominante.

Marisa Matias sintetizou o problema: o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes “é uma questão de saúde pública global. É assim que o assumimos”. E relembrou que “não foram criados mecanismos para atender à pandemia tal qual é: uma pandemia global”.

O COVAX, mecanismo criado através da ONU com o objetivo de distribuir 2 mil milhões de vacinas até ao final de 2021, distribuiu até ao momento apenas 5 milhões de vacinas, critica Xosé Luís Ribera. Para Marisa, “este não é um mecanismo de redistribuição, mas sim instrumento de caridade que alberga as sobras dos países ricos”.

E detalhou os diferentes “equívocos” que dominam os argumentos contra o levantamento de patentes. “Justificam que não se pode libertar as patentes porque não existe capacidade produtiva. Há menos de um ano não havia na UE laboratórios com capacidade de produção de vacinas. E em menos de um ano a UE tornou-se no maior produtor mundial de vacinas. Alguns laboratórios passaram de zero para milhões de vacinas produzidas em algumas semanas apenas. Liberte-se a patente, e teremos condições de produção garantidas em todo o mundo”, argumenta.

Marisa critica ainda a ideia de que “cientistas só trabalham se tiverem como objetivo o lucro de uma patente: só diz isto quem nunca soube como se faz o trabalho científico”, critica.

Para a eurodeputada, “o direito humanitário tem de estar acima do direito ao lucro. O que temos visto é que a ação da União Europeia serve para manter as margens de lucro intocáveis. Apenas em 2020, as farmacêuticas distribuíram 26 mil milhões de dólares em dividendos”, relembrou.

“Em todo o mundo há laboratórios com capacidade de produção, impedidos pelos grupos farmacêuticos de avançarem com produção própria. Lucros privados, custos públicos. Vantagens privadas, riscos públicos. Isto é um profundo erro político”, sintetizou.

Neste momento “os líderes europeus debatem-se entre escolhas relativamente simples: privilegiar os lucros a curto prazo ou a saúde pública mundial. E é nestas escolhas relativamente simples que se revelam as prioridades do projeto europeu. A UE não só não impediu como favoreceu a transformação da pandemia numa máquina de gerar lucros”, prosseguiu Marisa.

E criticou o governo de António Costa por estar a defender os "interesses da Alemanha e das farmacêuticas. Desperdiçou uma oportunidade única de defender a cidadania, e falhou”, concluiu a eurodeputada do Bloco.

Por seu lado, a investigadora Teresa Summavielle relembra que "temos em Portugal toda a capacidade instalada científica para poder desenvolver com sucesso estas vacinas. Não precismaos de mais do que financiamento. O que não temos é uma infra-estrutura que nos permita produzir as vacinas", explica. Para podermos produzir, "não necessitaríamos de um investimento superior a 150 milhões de euros, 100 milhões dos quais na infraestrutura. Teria capacidade de produzir 150 milhões de doses por ano, produzindo vacinas para uso próprio e para o vírus da gripe". 

"Quanto teríamos conseguido poupar se desde o início tivéssemos sido capazes de abordar o problema de outra forma?", questionou. 

Xosé Luís Rivera apelou à mobilização pela iniciativa cidadão Right to Cure, que necessita de 1 milhão de assinaturas dos cidadãos dos estados-membros para exigir à Comissão Europeia "quatro coisas: saúde para todas e todos; fundos públicos - controlo público; transparência (queremos conhecer os termos dos contratos estabelecidos com as farmacêuticas); e que ninguém lucre com a pandemia.