Ken Loach filma a esperança para derrotar o fascismo

04 de junho 2023 - 14:04

O 28º filme do cineasta britânico conta a história de uma cidade desindustrializada do norte de Inglaterra e da integração de refugiados sírios. Diz que a esperança é “um assunto político” porque “dá forças e a capacidade de mudar as coisas”.

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Ken Loach com Paul Laverty, o argumentista de muitos dos seus filmes. Foto de MOHAMMED BADRA/EPA/Lusa.
Ken Loach com Paul Laverty, o argumentista de muitos dos seus filmes. Foto de MOHAMMED BADRA/EPA/Lusa.

Ken Loach estreou The old oak, o 28º filme da sua carreira, no festival de Cannes na passada sexta-feira. O realizador britânico, vencedor por duas vezes da Palma de Ouro, com “Brisa de Mudança” em 2006 e com “Eu, Daniel Blake” em 2016, e que faz na próxima quarta-feira 87 anos, chegou ao certame com grande parte da imprensa a anunciar o fim da sua carreira cinematográfica, depois de ter declarado há cerca de um mês ao The Hollywood Reporter que iria ser “difícil fazer novamente um filme”, por causa da falta de apoio ao cinema e às limitações da idade. Saiu de lá depois de ter trocado as voltas de quem queria pôr um ponto final nesta história, dizendo que “enquanto o meu nome não estiver no obituário, está tudo bem” e “não sei se vou parar. Vivo um dia de cada vez”.

Com The old oak, insiste no seu registo realista para contar a história, a partir de um velho pub em Easington, Durham, dos efeitos da chegada de refugiados sírios a uma pequena localidade do norte de Inglaterra que sofreu com o encerramento da mina e com o processo geral de desindustrialização. Num cenário que parecia ter tudo para colocar no centro da ação o racismo e o ressentimento, triunfa afinal o otimismo e a solidariedade operária. É o que explica o próprio numa conferência de imprensa limitada a alguns meios de comunicação social quando esteve em Cannes e que é reproduzida pelo El Diário.

Não se entenda que Ken Loach veio dizer que a esperança seja fácil ou que, muito menos, seja coisa meramente individual que basta tirar da cartola. Pelo contrário, começa por reconhecer que “é difícil ser otimista a curto prazo no meu país porque agora temos um partido conservador e um partido trabalhista que também é de direita”. Até porque “houve um golpe contra o líder da esquerda, Jeremy Corbyn, quando houve um momento de esperança”, o que para si significou que o país perdeu uma oportunidade.

Mas o cineasta apoia-se na ideia de que “os instintos das pessoas são generosos quando se sentem fortes”, “quando sentem que podem fazer mudanças” e que “a generosidade significa solidariedade e significa ajudar outras pessoas”. E isto encontra-o agora em “muitas campanhas, movimentos e alguns sindicatos que se estão tornar mais militantes”.

Ou seja, ao mesmo tempo que “há uma grande desilusão com os dois principais partidos, ambos de direita”, há igualmente “um ressurgimento na determinação em fazer uma mudança que não tem representação”. São “sinais que não captam os radares e que não estão nos meios de comunicação social”.

Para ele, as “grandes empresas, as que estão a destruir o planeta” e a “reduzir os salários” são detidas pelas “mesmas pessoas que são donas dos jornais e são as que dizem que o nosso principal problema são o imigrantes”, um discurso que serve para “preservar o status quo” mas de que as pessoas são estão a dar conta e “essa unidade de entendimento pode dar-nos esperança”.

De resto, reafirma que a esperança é “um assunto político” porque “dá forças e a capacidade de mudar as coisas”. Pelo contrário, se as pessoas “não tiverem esperança, se estiverem desesperados, votarão na extrema-direita, nos fascistas”. Ou tornam-se “cínicas e encolhem os ombros”.

Para tal não acontecer, defende que é preciso “encontrar um organização que consiga uma forma de organizar as pessoas e que as pessoas que lutem contra as alterações climáticas também apoiem quem exige condições laborais e salariais justas”.

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