"Ninguém pode razoavelmente negar a necessidade de repensar o Estado. Mas não assim: de modo inconsistente, irracional, contraditório e iníquo", afirma José Gil na sua crónica publicada esta quinta feira na revista Visão. O filósofo junta-se ao coro de críticos dos anunciados cortes com que o Governo PSD-CDS pretende atingir o Estado Social, defendendo que "o empobrecimento da sociedade, as falências, os cortes brutais nos salários e pensões, os despedimentos despóticos ou manhosos, não são reformas estruturais, se bem que sejam apresentados como tais".
"As reformas ditas 'estruturais' facilitam o empobrecimento e a extorsão fiscal", prossegue José Gil, dando o exemplo da mudança de escalões do IRS que "vai simplesmente permitir ao Estado arrecadar mais dinheiro" . "Esta mistura entre uma racionalidade mínima e uma irracionalidade máxima (apresentada ao contrário) é uma pura aberração", conclui o autor de "Portugal, Hoje. O Medo de Existir".
José Gil aponta ainda a contradição do Governo ao querer reduzir o Estado ao mínimo, enquanto vai "recrutando 'especialistas' com salários escandalosos", ou o silêncio do relatório do FMI sobre as Parcerias Público-Privadas, a política bancária do Estado, ou planos para combater a corrupção. "Não seriam estas reformas altamente estruturantes?", pergunta.
Outro alvo da crónica em que José Gil explica as razões pelas quais, na sua opinião, "a política do Governo é uma aberração", é o discurso dos governantes, marcado por contradições e incoerências, na forma como se "dizem e desdizem, chocam caoticamente uns com os outros, fraturam a coligação, contradizem o Presidente da República, negam as realidades mais evidentes, não cumprem as regras básicas da legitimidade tácita da governação face à opinião pública."
Questionando-se sobre as razões da apatia na sociedade portuguesa após a contestação que encheu as ruas em setembro de 2012, que atribui a fatores como "a confusão, a desorientação, o efeito de névoa que em nós se instalaram, impedindo-nos de nos situar relativamente ao passado e ao futuro (mesmo imediato)", o filósofo assinala que "tudo parece normal e tudo vai mal. Mas ignoramos aonde está a verdade, se na normalidade aparente (se a recusamos é o abismo) ou na anormalidade vivida".