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João Camargo: "é preciso mudar radicalmente a produção de energia"

Em entrevista ao esquerda.net, João Camargo fala sobre a urgência de uma mobilização social em torno das alterações climáticas e sobre a publicação do seu novo livro.

João Camargo é autor do livro Manual de Combate às Alterações Climáticas, publicado pela editora Parsifal. Em entrevista ao esquerda.net, falou sobre a urgência de uma mobilização social em torno das alterações climáticas.
O lançamento do livro terá lugar no dia 10 de abril, às 18:30 na biblioteca da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, e será apresentado por Viriato Soromenho-Marques.

Num contexto onde a administração de uma das maiores potências mundiais rejeita a ideia de aquecimento global, e tratando-se este de um tema complexo que ainda escapa a muitas pessoas, a publicação deste livro surge como necessidade de simplificar um tema na ordem do dia? Como transmitir às pessoas a urgência do problema do aquecimento global?

O objetivo do livro é tornar o mais claro possível que hoje vivemos num mundo fundamentalmente diferente daquele em que alguma vez existiu na sociedade humana. O capitalismo já modificou fundamentalmente as condições nas quais se desenvolveu e ameaça inviabilizar não apenas a si mesmo mas à civilização humana. A dimensão disto assustou-me até à impotência durante muitos anos, desde que comecei a estudar o assunto. Precisei ganhar bagagem política e mental para o que me estava a ser apresentado. A publicação deste livro tem como objetivo explicar com a maior clareza possível o que está a acontecer, como está a acontecer e porque é que está a acontecer. E porque é que temos de fazer muita, muita coisa para "resolver" o assunto. Não simplifiquei muito o assunto, mas usei a ilustração para deixar as coisas mais evidentes, desde a exibição de dados como os recordes de temperatura sucessivos, a evolução da temperatura nos últimos 300 mil anos ou os cenários do futuro para as diferentes regiões do país. Acho que a urgência do assunto requer que as pessoas se assustem. O que está a acontecer é assustador. Depois, que se mobilizem. Não há outras pessoas, não há outra geração para resolver este assunto. Aqui e agora. Parece um pouco tremendista, mas é o que tem de acontecer.

 

Quando falamos em alterações climáticas, naquilo que está na sua origem e naquilo que podemos fazer, a resposta passa muitas vezes por soluções a nível individual. No teu livro, afirmas que, embora sejam importantes, as decisões individuais não têm grande impacto e que é necessária uma resposta coletiva. O que é preciso fazer?

Acho que a enorme pressão que é feita sobre as opções individuais tem como objetivo expurgar os verdadeiros responsáveis da sua responsabilidade, impedir a organização social e política e criar impotência. Não é um acaso, é uma escolha concertada e tem produzido os resultados desejados. É preciso modificar radicalmente a produção de energia e, consequentemente transportes, indústrias, agro-pecuária, floresta, a partir de combustíveis fósseis - petróleo, gás e carvão. É complicado? Seguramente. É a maior revolução alguma vez proposta à Humanidade. Significa pensar produção, distribuição, consumo, riqueza. E pensá-la tendo como objectivo a manutenção da viabilidade das bases materiais para a existência das sociedades humanas. Porque é isso mesmo que está em causa. Isso só será possível enquanto projeto político de massas, impulsionado pelas populações, percebido pelas populações como a sua única hipótese de sair com uma sociedade democrática. A alternativa a isto, o futuro por omissão e sem mobilização, já está a ser montado: fascismo, escassez, fome, guerra, migrações forçadas em massa.

 

Vimos recentemente a campanha para fechar a central nuclear de Almaraz, em Espanha, a oposição à exploração de petróleo, têm também surgido críticas à construção de mais barragens e o cenário energético em Portugal é dominado pela REN e EDP. Que alternativas existem em termos de energia?

Primeiro a privatização e depois a entrega da EDP e da REN foram o maior desarme que existiu às escolhas democráticas acerca de energia no nosso país. A nacionalização destas empresas é central para poder haver as escolhas políticas corretas em termos de emissões. Mas esta nacionalização não chega. Sempre que o objetivo do sistema energético for produzir dinheiro e não energia, não serve. O objetivo da economia capitalista atualmente não é produzir bens ou serviços, mas sim lucros. Em termos tecnológicos não existe qualquer impedimento atual (à escala global) para a transição para as energias renováveis, acabando com as fósseis. Mas a subida da capacidade produtiva de energias renováveis não tem servido para substituir as fósseis, mas sim para aumentar a capacidade energética. Não precisamos disso, precisamos de substituir as fósseis, que é a única coisa que pode resolver a questão das emissões. Em Portugal, concretamente, temos uma total ausência de capacidade de produção elétrica (e energética em geral) a partir de energia solar. Esse é um tema central. Mas a criação de uma nova classe de rentistas produtores de energia solar (como ocorreu com as eólicas, principalmente dominadas pela EDP) é um risco. Depois da nacionalização da EDP e REN, e da expansão radical da energia solar, a produção descentralizada de energia e o autoconsumo são áreas-chave numa transição energética democrática.
 

Recentemente foi possível impedir a prospeção petrolífera ao largo de Aljezur. Consideras que a prospecção de petróleo é ainda uma ameaça ou trata-se de um cenário improvável? E o que destacarias como próxima prioridade do movimento ambientalista em Portugal?

Pelo contrário, não foi ainda possível impedir a prospeção petrolífera ao largo de Aljezur, já que o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, autorizou pela 3ª vez a ENI/GALP a furar. É uma decisão política errada, que deve pesar sobre este governo, que é culpa e decisão do governo PS. O governo também autorizou a Australis Oil&Gas a furar em terra, em Aljubarrota, à procurar de petróleo e gás. Acho que não só o movimento ambientalista, como qualquer pessoa que está preocupada com alterações climáticas, tem de ter como prioridade parar a prospeção e exploração em Portugal. Isso é o nível zero, não estamos sequer a falar de cortar emissões, mas de aumentá-las! É estarrecedor, especialmente quando existe uma oposição frontal de movimentos, autarcas e populações ao petróleo e ao gás. O governo e a sua decisão errada de manter estas concessões e de autorizar a prospeção e exploração de petróleo e gás têm de ser obrigados a recuar, custe o que custar.

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