Saúde pública

Investigadores ameaçados pela indústria do tabaco, álcool e comida de plástico

16 de fevereiro 2025 - 14:42

Um estudo revela a intimidação de que são alvo os cientistas que trabalham sobre os perigos do tabaco, do álcool e dos alimentos ultra-processados. Desacreditação, ameaças e vigilância são apenas alguns dos métodos utilizados por estas indústrias.

por

Sophie Chapelle

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 Capa do relatório Lóbis contra  cidadãos publicado pelo Observatoire des multinationales. Por Rodho
Capa do relatório Lóbis contra cidadãos publicado pelo Observatoire des multinationales. Por Rodho

Proibido discutir publicamente os riscos do açúcar para a saúde, sob pena de uma multa de 250.000 dólares. Foi o que aconteceu a uma investigadora colombiana depois de ter apresentado um documento que mostrava a quantidade de açúcar contida numa lata de refrigerante.

“A escala da intimidação a que assistimos é provavelmente apenas a ponta do icebergue”, explicam Karen Evans-Reeves e Britta Matthes na edição britânica do The Conversation. Estas duas investigadoras da Universidade de Bath (Reino Unido), especializadas na luta contra o tabagismo mapearam as táticas de intimidação utilizadas contra os cientistas pelos fabricantes de tabaco, de álcool e de alimentos ultra-processados durante um período de vinte anos – entre 2000 e 2021.

Descredibilização em público, ameaças jurídicas, queixas, utilização maliciosa da legislação sobre liberdade de informação, vigilância, ciberataques e subornos são apenas alguns dos métodos utilizados por estes sectores industriais, de acordo com o seu artigo publicado na revista científica Health Promotion International.

Como é que explicam elas esta ofensiva? “O cancro, as doenças cardíacas, as doenças respiratórias crónicas, a diabetes e os acidentes vasculares cerebrais são atualmente responsáveis por quase três quartos das mortes no mundo. A investigação sobre as causas destas doenças nunca foi tão crucial para a saúde pública. Mas esta investigação representa uma ameaça direta ao poder e aos lucros das empresas”, salientam as investigadoras.

Descrédito e ameaças jurídicas

“Extremistas”, ‘fascistas da alimentação’, ‘gestapo gastronómica’, ‘demónios do excesso de zelo e da retidão moral’… De acordo com as suas investigações, o descrédito público é a forma mais comum de intimidação. Uma longa lista de termos depreciativos é regularmente utilizada para descrever os investigadores com o objetivo de minar a sua credibilidade. Estes termos são depois utilizados em vários meios de comunicação social para retratar os cientistas como “não dignos de confiança”, “incompetentes” ou “ávidos de dinheiro”.

“O debate crítico sobre a investigação é bem-vindo e necessário. Mas os incidentes documentados no nosso estudo vão muito para além disso, equivalendo a difamação e intimidação”, observam Karen Evans-Reeves e Britta Matthes.

As contestações jurídicas e as queixas contra os cientistas, as suas entidades patronais e os organismos governamentais são comuns. O objetivo da indústria é atrasar o trabalho dos cientistas, que têm de perder tempo a responder aos ataques em vez de continuarem a sua investigação. Na Nova Zelândia, um consultor que trabalha para empresas de tabaco, álcool e alimentos ultra-processados exerceu este tipo de pressão.

Três investigadores processaram-no com êxito por difamação. O consultor admitiu sob juramento que o seu objetivo era minar a credibilidade dos investigadores, a pedido das indústrias que lhe pagavam.

Um efeito paralisante

“Encontrámos relatos de vigilância, em que os investigadores e as suas famílias eram seguidos, e de ciberataques em que os computadores e os telemóveis eram pirateados. Alguns relataram ofertas de suborno para interromperem o seu trabalho e ameaças de violência”, acrescentam Karen Evans-Reeves e Britta Matthes.

A Universidade de Bath, onde estas duas investigadoras trabalham, foi palco da instalação de um sistema de vídeo-vigilância depois de os investigadores sobre tabagismo terem recebido telefonemas e e-mails ameaçadores na sequência da publicação de um artigo.

“Todas as atividades de intimidação que identificámos tiveram um efeito dissuasor em trabalho importantes sobre saúde pública. Os investigadores e os seus advogados de defesa perderam tempo a responder às queixas ou aos pedidos de informação, ou tiveram de interromper ou modificar o seu trabalho, pelo menos temporariamente, enquanto as ações judiciais seguiam o seu curso”, escrevem as investigadoras. As consequências são também financeiras. Por vezes, é necessário gastar milhares de euros para se defenderem em tribunal.

Apesar dos elevados custos de trabalhar num ambiente em que a sua credibilidade é constantemente posta em causa, os cientistas “perseveram”, sublinham. A maioria riposta “denunciando as táticas, corrigindo a desinformação e intentando as suas próprias ações judiciais contra os autores destes atos”. Na maioria dos casos, mesmo que tenham sido atrasados, os investigadores declararam que continuaram o seu trabalho de saúde pública”.


Sophie Chapelle é jornalista do Basta!, especializada em ecologia, questões agrícolas e alimentares.

Texto publicado originalmente na Basta.