A maioria dos canais de denúncia foram criados na sequência da divulgação do relatório do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que dava conta de 50 queixas de assédio e discriminação recebidos no espaço de apenas um mês.
No entanto, estes mecanismos não estão, de acordo com a presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), Catarina Ruivo, a assegurar o devido acompanhamento e encaminhamento das vítimas.
"Na minha faculdade criaram um formulário no próprio 'site', mas pediram-nos para que não o divulgássemos, porque não estavam preparados para agir caso houvesse queixas", afirmou a dirigente associativa em declarações à agência Lusa.
A presidente da FAL apontou que esta situação se "repete noutras faculdades". Nas instituições onde se criaram canais de denúncia não existem “profissionais qualificados nem treinados para responder a quem pede ajuda".
Dois em cada dez estudantes universitários vítimas ou testemunhas de assédio
Em dezembro do ano passado, um inquérito a 2.120 pessoas promovido pela FAL evidenciou que 13% dos inquiridos já tinham sido vítimas de assédio e 7% tinham sido testemunhas deste tipo de práticas. Acresce que 12% tinham ouvido relatos de assédio.
O inquérito revelou ainda que a maioria das pessoas não denunciou o crime. A descrença face ao resultado da denúncia pesou na decisão de 31% dos inquiridos. Já 25% dos inquiridos afirmaram não ter avançado com uma queixa porque a vítima não queria denunciar a situação. Entre os inquiridos, 17% apontou a falta de conhecimento quanto aos meios de denúncia e 16% a vontade de manter o anonimato.
O receio de represálias também foi assinalado por alguns dos inquiridos que, na sua grande maioria 85%, afirmou não ter conhecimento da existência de um gabinete ou linha de denúncia. Perto de 92% reconheceram a importância deste tipo de mecanismos.
“Recebemos várias dezenas de queixas de assédio moral todos os anos"
Em declarações ao Diário de Notícias, José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), referiu que esta estrutura sindical recebeu “várias dezenas de queixas de assédio mora todos os anos”.
De acordo com o professor auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve, "esta é uma prática antiga". "Nas universidades sempre houve relações de poder muito fortes. E com estas situações, as relações de assédio podem muito facilmente acontecer", frisou.
O dirigente sindical considera que a precarização verificada nos últimos anos nas instituições de Ensino Superior agrava a situação: “as pessoas em situação precária são mais facilmente alvos de assédio moral", destacou.
José Moreira alertou que os casos reportados ao sindicato "muito dificilmente avançam a nível legal", uma vez que "são extremamente difíceis de provar". Acresce que "muitas vítimas têm receio das repercussões" que podem advir das denúncias.
O presidente do SNESup considera fundamental a criação de “mecanismos seguros para quem é vítima de assédio”. “Senão os assediadores continuarão a assediar e as vítimas continuarão a sofrer", rematou.
Ministério e Inspeção não receberam qualquer queixa de assédio sexual desde 2020
Questionado pelo Expresso, na sequência das acusações de assédio feitas por três antigas investigadoras do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra contra Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins, o gabinete da ministra Elvira Fortunato informou que, entre 2020 e 2023, o Ministério do Ensino Superior e a Inspeção-Geral da Educação e Ciência não receberem “nenhuma queixa de assédio sexual” relativa a atos praticados em escolas, universidades ou institutos politécnicos.
“Caso se verifique a receção de qualquer denúncia ou denúncias, as mesmas serão de imediato remetidas à Inspeção-Geral da Educação e Ciência para imediata averiguação”, adiantou a ministra.