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A influência saudita na ONU está a branquear a violação dos direitos humanos

A crise instalada entre a Arábia Saudita e o Canadá expôs novamente a verdadeira natureza do regime saudita. Por José Carlos Lopes.
O príncipe e ministro da Defesa Mohammed bin Salman com o homólogo norte-americano James Mattis. Foto Kathryn E. Holm/Sec.Defesa EUA/Flickr

As noticias a que temos acesso têm ritmos sempre em função da manipulação da opinião pública, por parte de poderes que estão para além da nobre missão de informar e fazer jornalismo. No caso das liberdades, da democracia e sobretudo, dos Direitos Humanos, refletem claramente o estado de roda-livre em que se encontram, nestes tempos, com visível pressão para se agravar o insucesso na garantia de direitos fundamentais, perante tanto apodrecimento das velhas democracias ocidentais, do neoliberalismo económico que condena os povos aos garrotes das dividas, ou à derrota de democracias populares e experiências socialistas com pés de barro, que caíram às mãos e aos pés de povos oprimidos.

Sistemas em ruinas, que deixaram campo fértil para populismos e novas disputas entre potências reconfiguradas, que arrastam os povos e o planeta para a tragédia das guerras pelo domínio geoestratégico e lapidação dos recursos naturais. Fomentando novas contradições e retrocesso civilizacional, a que cada vez mais se parece indiferente, tal é a banalidade em lidar com regimes, ideologias e políticas totalitárias, xenófobas ou de fanatismos e fundamentalismos das diferentes correntes, que não deixam lugar à defesa das liberdades, da democracia ou de direitos, como os direitos das mulheres, cujo exemplo da influência saudita na ONU (Organização das Nações Unidas), que logo após a entrada no Conselho para os Direitos Humanos obteve lugar também na Comissão dos Direitos das Mulheres, está objetivamente a branquear a violação de tais direitos humanos.

No caso concreto da dupla ironia que representa a Arábia Saudita ter sido também eleita para a Comissão dos Direitos das Mulheres, um organismo das Nações Unidas que tem por objetivo o combate à discriminação, promover a igualdade de género e os direitos das mulheres. Só mesmo o poder do petróleo e das armas pode ter sido determinante para um tal absurdo, ao eleger um regime que permite que as mulheres sejam mortas por apedrejamento, que chicoteia ativistas pacíficos e continua em nome da justiça, a executar condenações através das decapitações. Ao mesmo tempo que, perante a vergonhosa complacência da comunidade internacional, desde logo da ONU, participa com seus aliados em mais um repetido bombardeamento no Iémen, de que resultou no mais recente, uma intolerável chacina de crianças num autocarro escolar, atrocidades bárbaras que rapidamente foram e são silenciadas mesmo nas redes sociais.

Um tal mandato da Comissão dos Direitos das Mulheres da ONU (2018/22) não deixará de ser marcado com continuado terror, sangue e humilhações impostas por idênticos regimes obscuros, que no caso saudita aposta na rutura com a democracia para que o desrespeito às leis internacionais dos direitos humanos seja a norma.

A crise instalada entre a Arábia Saudita e o Canadá, país que ousou pedir a libertação de ativistas mulheres presas, ativistas dos direitos humanos que defendem entre outros direitos, o direito de condução por parte das mulheres e a abolição da “tutela” masculina, que nesta monarquia permite aos homens tomar um conjunto de decisões na vida das suas parceiras e familiares do sexo feminino. Colocou mais uma vez a nu a verdadeira natureza do regime saudita com a sua arrogante resposta a quem se atreve a apelar ao respeito dos direitos humanos. Ou seja, sanções intimidatórias sobre o Canadá que implicam a expulsão do embaixador do Canadá em Riade e congelar todas as relações comerciais em Otava.

Perante tal afronta do reino islâmico saudita, a que o ocidente se verga de forma submissa em nome de múltiplos interesses, incluindo as disputas geoestratégicas da região, nem mesmo na ONU vê a sua influência beliscada, a que também não deixa de ser alheia a “profunda gratidão pelos 930 milhões de dólares fornecidos pela Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos para o Fundo Humanitário do Iêmen”, assim apresentados como exemplos pela ONU aos demais doadores do Plano de Resposta Humanitária para o Iêmen em 2018. Um plano para ajudar a aliviar o sofrimento de milhões de pessoas vulneráveis à própria barbaridade da coligação saudita, que se vem repetindo nos últimos anos na violação dos direitos humanos e na destruição e desestabilização de um povo vizinho, que resiste às pretensões do regime prosseguido pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamad bin Salman.

Com uma campanha hostil às ativistas mulheres por parte da comunicação social saudita, considerada mesmo “inédita” e “chocante”, a recente medida que autoriza as mulheres sauditas a conduzir ou a abertura de três estádios para permitirem que as mulheres possam assistir a eventos desportivos, são reformas que no essencial não desarmam organizações como a Amnistia Internacional para o Médio Oriente, que continua a denunciar a forma cruel como são tratados os ativistas pelos direitos das mulheres, cuja repressão implacável e prisões não abrandam.

Perante a cada vez mais acentuada violação dos direitos humanos, a exemplo das práticas repugnantes da Arábia Saudita, como vão continuar a coabitar no seio da ONU, no Conselho de Direitos Humanos ou na Comissão pelos Direitos das Mulheres, a ainda maioria de países democráticos que respeitam os direitos humanos, com tais realidades de que estão a ser cúmplices. Caso contrário, as democracias acabarão por sofrer a sua própria sentença, ficando à mercê da intolerância de poderes que negam a democracia, as liberdades e os direitos fundamentais, que só, assumida e empenhada consciência politica e cívica, com retemperadas formas de resistência e fraternidade entre os povos podem voltar a resgatar valores de progresso, justiça e paz para a humanidade.

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