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Individualismo santificado

A resolução aprovada no Congresso dos EUA de denúncia dos "horrores do socialismo" é uma exemplar síntese da ideologia capitalista, no modo de ser do poder yanqui dos EUA. Por Vítor Ruivo.
Foto Dave Lawler/Flickr

No passado dia 25 de Janeiro, o Congresso norte-americano aprovou por larga maioria bipartidária uma Resolução titulada “Denunciando os horrores do socialismo”. Ao longo dos seus doze considerandos afirma que a ideologia socialista, para garantir o poder, desemboca sempre no totalitarismo e na ditadura comunista, na fome e em milhões e milhões de mortos.

Os maiores crimes da história foram cometidos pelas ideologias socialistas desde Lenine… a Maduro. Os máximos milhões de mortos foram provocados pelas revoluções socialistas, desde a soviética à norte-coreana, chegando à cubana que pôs o povo na miséria e na emigração, e à venezuelana que transformou o país num estado falido, condenado à mais elevada inflação.

A Resolução termina na tripla citação dos seus “pais fundadores”, realçando ao máximo o individualismo social e a suprema “santidade” (sic) do individual face ao colectivismo do sistema socialista. E conclui: “O Congresso denuncia o socialismo sob todas as suas formas e opõe-se à implementação das políticas socialistas nos Estados Unidos da América”.

Trata-se duma exemplar síntese da ideologia capitalista, no modo de ser do poder yanqui dos EUA, na sua partilha bipartidária, comum na visão e prática imperialista e da cultura do medo na sociedade americana. Mais agora que, parte dessa sociedade, sobretudo nos jovens, se torna menos adversa do termo “socialista”, ainda que apenas nas suas propostas sociais-democratas, face à exibição crescente das taras e desigualdades do dia-a-dia e ao desboroar do “modo de vida americano”.

A par com a divinização do individualismo e como seu sustento filosófico, cresce o niilismo social. Para além da negação da velha luta de classes, renovam-se no “Ocidente” as teses do irracionalismo abstracto e subjectivo. Nas variantes de direita, desembocam em linha recta no neofascismo.

Nas variantes pós, pós-modernistas, que na mistificação ou na revisão de Marx e do marxismo pretendem dar-se ares de esquerda, desembocam no fatalismo dum mundo a caminho do abismo… e sem saída, lembrando o velho Nietzsche. Ou Heidegger, a quem Slavoj Zizek, ainda hoje, pondo de lado a sua defesa até ao fim do nazismo, valoriza a “substância conceptual” das ideias do seu “Ser e a Verdade”.

Neste tempo de Paz só com Guerra, vale bem a pena acautelarmo-nos de comer gato por lebre.

Nota – Mais sobre o irracionalismo filosófico, entre outros, em “Destruição da Razão” de Gyorgy Lukacs e “O novo irracionalismo” de J. Bellamy Foster, no Monthly Review.

Vítor Ruivo
21/02/23

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