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Índia: Neoliberalismo e sistema de castas

Narendra Modi é o novo primeiro-ministro da Índia. O seu partido, o direitista Bharatiya Janata (BJ), triunfou espetacularmente nas últimas eleições e conseguiu a maioria absoluta no parlamento. Esta vitória deve-se a um facto fundamental: nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu. Por Alejandro Nadal
Nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu

O capital apresenta-se como força de progresso no terreno material e político. E até no âmbito religioso, o capital ostenta-se como fator próximo de uma visão secular da sociedade. Mas quando acha conveniente apoia-se nas forças mais reacionárias e retrógradas, inclusive no fanatismo religioso. Em dado momento tudo lhe pode ser útil, desde o fascismo até ao sistema de castas. Mas cuidado, alguns aliados não gostam que tentem domesticá-los.

Narendra Modi é o novo primeiro-ministro da Índia. O seu partido, o direitista Bharatiya Janata (BJ), triunfou espetacularmente nas últimas eleições e conseguiu a maioria absoluta no parlamento. Esta vitória deve-se a um facto fundamental: nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu. A sua visão do Estado baseia-se numa reinterpretação da história e na ideia de uma hegemonia cultural indiana. A palavra-chave é Hindutva, que se traduz como as características essenciais do hindu.

O BJ teve várias experiências no poder: a nível nacional esteve no comando entre 1998-2004, convertendo-se no primeiro partido que derrotou o partido do Congresso, marcado pela dinastia Nehru. Durante a sua gestão, o BJP impôs a viragem irreversível para o neoliberalismo. A nível estatal (especialmente em Gujarat) o BJ também aplicou uma linha dura para promover o Hindutva.

O descalabro eleitoral a nível nacional em 2004 convenceu a direção do BJ sobre a necessidade de mudar de estratégia. A postura moderada em assuntos religiosos foi culpada por essa derrota. Tinha chegado o momento de adotar uma atitude mais militante e decidiram o regresso ao Hindutva

O descalabro eleitoral a nível nacional em 2004 convenceu a direção do BJ sobre a necessidade de mudar de estratégia. A postura moderada em assuntos religiosos foi culpada por essa derrota. Tinha chegado o momento de adotar uma atitude mais militante e decidiram o regresso ao Hindutva. O estado de Gujarat converteu-se em laboratório político do novo enfoque.

Em 2002 produziram-se choques entre muçulmanos e indianos em Gujarat com um saldo de 2 mil mortos e múltiplos atos de barbárie. O governador de Gujarat era Narendra Modi e esteve à cabeça da lista de suspeitos de ter tolerado e incitado à violência. Uma investigação especial ilibou-o de todas as acusações, em 2012, mas muitas pessoas pensam que esse inquérito suprimiu provas que o incriminavam: vários chefes da polícia distribuíram, em diversas comunidades, panfletos com nomes e moradas de muçulmanos, inflamando os ânimos para o linchamento. Muitos analistas estão convencidos de que Modi e os seus amigos foram co-responsáveis por uma tentativa de limpeza étnica.

O neoliberalismo é o mesmo, seja na versão do partido do Congresso (com Manmohan Singh à cabeça) ou na do BJ. Ambos os partidos creem nas virtudes do livre mercado, preferem as grandes empresas (nacionais ou estrangeiras), as privatizações, o corte na despesa pública e em especial da despesa social e as suas prioridades estão submetidas ao capital financeiro. Mas o BJ propõe um novo componente para a ideologia neoliberal. Na sua visão da economia política, a afirmação do Hindutva é a chave para o crescimento do PIB e para a prosperidade. O ressurgimento do fundamentalismo hindu seria agora a chave do progresso económico e a saída da pobreza para as massas do subcontinente.

O neoliberalismo é o mesmo, seja na versão do partido do Congresso ou na do BJ. Mas o BJ propõe um novo componente para a ideologia neoliberal. O ressurgimento do fundamentalismo hindu seria agora a chave do progresso económico

A vitória eleitoral deste fundamentalismo pode soar a estranho, mas é explicável pelo desencanto com o desempenho neoliberal dos últimos anos. O partido do Congresso carregou com a fatura da estagnação provocada pela crise e pelas contradições do modelo neoliberal. A desigualdade crónica (hoje em agravamento) acrescentou mais um ingrediente à mistura explosiva.

O fundamentalismo hindu apoia-se no sistema de castas, o que foi decisivo para manter a exploração social. Todas as grandes experiências de dominação reconduziram o sistema de castas para cimentar as novas formas de espoliação. Os média, o ressurgimento ideológico e o atraso político foram importantes para consegui-lo. Um erro trágico da esquerda institucional na Índia foi deslocar-se para a direita e abandonar a bandeira da erradicação do sistema de castas.

Um erro trágico da esquerda institucional na Índia foi deslocar-se para a direita e abandonar a bandeira da erradicação do sistema de castas

Desde a sua origem o sistema de castas na Índia serviu para manter a opressão e facilitar a exploração. A sua ordem hierárquica baseada no patriarcado e na manutenção das clientelas é particularmente útil para conservar uma ordem propícia aos espoliadores. A desigualdade é a sua essência e a sua base é a crença em forças universais com um esquema de organização em que cada pessoa nasce no seu lugar próprio. É um excelente disfarce da exploração de classes que hoje é reconduzido para acompanhar os dogmas neoliberais da prosperidade para alguns e permitir o triunfo das forças reacionárias do Bharatiya Janata.

Um último ponto. Durante o primeiro governo do BJ, em 1998, foram autorizadas duas séries de testes nucleares. Hoje a Índia possui entre 80 e 100 ogivas nucleares implantadas em mísseis balísticos e em aviões de combate. Tudo isso para encher de orgulho o peito nacionalista e a fé religiosa que, como dizia Gramsci, degenerou em superstição.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado em 21 de maio de 2014 no jornal “La Jornada”. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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