Incêndios: Responsabilidade objectiva e de indemnizar por parte do Estado

08 de agosto 2017 - 11:14
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No caso concreto dos incêndios e do dano principal, a vida humana, foi violado objectivamente pelo Estado o princípio da confiança e exigibilidade de segurança mínima pelos cidadãos. Por José Sintra.

Foto de Paulo Novais, Lusa.

Este é o quarto de sete artigos, da autoria do jurista José Sintra, que serão publicados no Esquerda.net. O próximo texto, sobre Incêndios: Responsabilidade objectiva e de indemnizar por parte do Estado, será publicado na quinta-feira, dia 10 de agosto.

Leia os restantes artigos aqui:

Incêndios, Pedrogão Grande, e as diferentes responsabilidades que cabem ao Estado e SIRESP

Incêndios: As erradas políticas florestais e a inaptidão e falhas do SIRESP

O contrato entre o Estado e a sociedade gestora do SIRESP


A responsabilidade extra-contratual do Estado e a responsabilidade penal das pessoas colectivas provêm de uma matriz comum de sinal social e jurídico contemporâneos. A dualidade das responsabilidades vem admitir que a sociedade humana é hoje tributária de inerentes riscos e com grandezas crescentes, com expressão em várias áreas do conhecimento e que o direito reconhece serem devidas, considerando a protecção geral legislativa e as sentenças a ela favoráveis nos casos concretos.

Impende sobre o Estado a responsabilidade extra-contratual na medida em que é Poder.

O art. 22o da Constituição da República Portuguesa consagra a responsabilidade civil do Estado.

Enquanto detentor das atribuições dos serviços públicos, são-lhe directamente imputáveis os danos causados aos particulares, quer pela sua acção, quer pela omissão, nos termos gerais do art. 483 do Código Civil e, pelo regime especial aplicável, o no 1 do art. 1º da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.

Seja o Estado, sejam outras pessoas colectivas de direito público, independentemente de não se ter apurado, ou não se ter produzido prova de os danos terem sido resultado de acção ou omissão de titular de órgão ou de algum funcionário em concreto. A condição é a de que tenha havido mau funcionamento dos serviços e os respectivos danos, conforme determina o no 3 do art. 7o da Lei 2007 de 31 de Dezembro..

No caso concreto dos incêndios e do dano principal, a vida humana, foi violado objectivamente pelo Estado o princípio da confiança e exigibilidade de segurança mínima pelos cidadãos, em violação do dever de cuidado para evitação de danos, numa avaliação segundo padrões médios, pelo que foram constituídos direitos indemnizatórios nas esferas das pessoas das vítimas e seus familiares nos termos da previsão feita pelo no 4 do art 7o da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.

A ilicitude do Estado face aos incêndios é o facto concreto dos prejuízos, é o prejuízo social objectivo pela acção insuficiente, errada ou não atempada por parte do Estado e não satisfazendo as justas expectativas e interesses concretos das populações em estarem defendidas face a perigos com a natureza de incêndios. O haver prejuízos é um pressuposto da responsabilidade extra-contratual do Estado, sendo esta uma “responsabilidade pelo resultado”, condição de existência da mesma. No caso concreto, estão observados os seus requisitos e os direitos emergentes para os particulares.

O artigo 22o da Constituição é um artigo configurador da responsabilidade pública do Estado, é um princípio de densificação da responsabilidade do Estado e, na sua outra valência, é o reconhecimento com aplicabilidade imediata do direito subjectivo, por quem sofra danos, ao seu ressarcimento por parte do património do Estado.

Não é, no âmbito da responsabilidade extra-contratual do Estado, afastável o dever de indemnização por ausência de culpa de funcionário ou órgão. Ela aperfeiçoa-se pela causação de danos, é objectiva.

É inescapável e justa num sentido substantivo, para além de operar directos efeitos de direito sobre o património do Estado.

Sem mais, a jurisprudência consolidada da União Europeia vai no mesmo sentido da completude da responsabilidade objectiva para irrupção de direitos indemnizatórios. .

Diferentemente da responsabilidade criminal imputável à pessoa colectiva privada, gestão do SIRESP, mesmo nos casos de reduzida censurabilidade, é imputável ao Estado a responsabilidade civil pela violação do “dever de cuidado”.O princípio jurídico sobre a eficácia do direito, princípio da efectividade, para que não fique letra morta e defraude as vítimas, tem que ter aplicação.

Uma ideia elementar de justiça para além da normatividade do Estado social de direito impedem, pela sua natureza e valor reforçado dos princípios, de ser precludida a responsabilidade civil do Estado português no incêndio de Pedrógão.