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Human Rights Watch: “Política do medo" ameaça Direitos Humanos em todo o mundo

Resposta ao terrorismo e à crise dos refugiados traduziu-se em medidas que atentam contra os Direitos Humanos, conclui a Human Rights Watch no seu Relatório Mundial 2016, divulgado esta quarta-feira, que também denuncia os governos autoritários que reprimiram dissidentes pacíficos.
Campo de refugiados no sul da Hungria, 12 de setembro de 2015. Foto de Martin Leveneur/Flickr.

No Relatório Mundial 2016, divulgado esta quarta-feira, que conta com 659 páginas em sua 26.º edição, a Human Rights Watch (HRW) avalia a situação de 90 países, no que toca ao respeito e promoção dos Direitos Humanos no último ano.

No capítulo introdutório, o seu Diretor Executivo, Kenneth Roth, descreve como a resposta à disseminação dos ataques terroristas para além dos limites do Médio Oriente e aos enormes fluxos de refugiados causados pela guerra, repressão e pobreza se traduziu numa estratégia mundial de “política do medo”, com muitos governos a reduzir a proteção dos Direitos Humanos, justificando-se com medidas securitárias. Ao mesmo tempo, governos autoritários de todo o mundo, “receosos da dissidência pacífica muitas vezes amplificada pelas redes sociais,” conduziram a mais intensa repressão a grupos independentes, alerta também a HRW.

Kenneth Roth explica que a chamada "política do medo" legitimou os governos “ocidentais” a aprovarem restrições que, por exemplo, colocaram em causa o Direito à Privacidade dos cidadãos. Na sua análise, Roth salienta que os EUA usaram a ameaça do terrorismo para reverter restrições impostas aos serviços secretos que se envolvem em ações de vigilância em massa. "O Reino Unido e a França também têm procurado expandir as suas competências de controlo. Isso prejudica significativamente o direito à privacidade, sem qualquer aumento demonstrado na capacidade de conter o terrorismo", diz o especialista, citado pela Lusa.

Referindo-se aos ataques do Daesh na Europa, Roth argumenta que os agressores eram conhecidos pelas autoridades locais, mas a polícia estava sobrecarregada para dar seguimento a uma investigação. Por isso, considera que não seria necessário aprovar leis que permitem o acesso aos dados particulares dos cidadãos para limitar este tipo de ataque.

Segundo o relatório, a "política do medo" é também a estratégia de governos que a HRW considera autoritários, entre eles o da Rússia, China e Angola, que em 2015 reprimiram duramente, e continuam a reprimir, elementos de movimentos sociais, dissidentes pacíficos, jornalistas e advogados ativistas.

Segundo o relatório, a "política do medo" é também a estratégia de governos que a HRW considera autoritários, entre eles o da Rússia, China e Angola.

“Os precedentes estabelecidos pelos levantes árabes, pela "Revolução dos Guarda-Chuvas" em Hong Kong e pelo movimento Maidan na Ucrânia solidificaram em muitos autocratas a determinação de impedir que pessoas se reúnam para fazer com que suas vozes sejam ouvidas”, alega a HRW.

Aumento da islamofobia e manipulação do medo

A política da União Europeia de resposta, ou melhor, não-resposta, ao gigante fluxo de refugiados que continuam a chegar à Europa e a consequente crise humanitária, é também alvo de muitas críticas no relatório da HRW.

O expressivo fluxo de refugiados em direção à Europa, impulsionado em grande parte pelo conflito sírio e pelo dos ataques contra civis realizados em nome do Daesh, “levaram a um aumento da islamofobia e da manipulação do medo”, denuncia a HRW. Além disso, continua a organização não-governamental, “à medida que os governos europeus fecham fronteiras, também reavivam o velho hábito de se esquivarem da responsabilidade para com os refugiados, passando o problema para as mãos de países localizados na periferia do continente e que estão menos preparados para abrigá-los ou protegê-los”. E “a ênfase dada à potencial ameaça trazida pelos refugiados também serve para distrair os governos europeus do tratamento das suas ameaças domésticas implicadas pelo terrorismo, e da adoção das medidas necessárias para evitar a marginalização social de populações descontentes”, critica ainda HWR.

“A estigmatização de comunidades inteiras de imigrantes ou minorias, que já é intrinsecamente condenável, também é perigosa” declarou Kenneth Roth. “A demonização de comunidades inteiras em virtude das ações de poucos indivíduos gera precisamente o tipo de divisão e hostilidade que os terroristas almejam explorar”, concluiu.

Apesar do retrocesso registado no ano passado, a HRW também identificou decisões favoráveis aos Direitos Humanos, como a aprovação de leis que garantiram os direitos da comunidade LGBT. Entre os exemplos referidos estão a descriminalização da homossexualidade em Moçambique e a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Irlanda, México e EUA.

A versão integral do Relatório Mundial 2016 da HRW está disponível gratuitamente em inglês. No site é possível pesquisar por país e aceder a línguas diferentes, entre elas o português ou o espanhol.

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