HSBC: Um banco com um passado esmagador e um presente sulfuroso

22 de maio 2014 - 1:04

O HSBC está envolvido em inúmeros crimes financeiros, desde o branqueamento de capitais, à manipulação do mercado de taxas de câmbio e de juros interbancários, venda abusiva e fraudulenta de derivados sobre as taxas de juros e de créditos hipotecários nos EUA, manipulação das cotações do ouro e prata e organização a grande escala da evasão fiscal de importantes fortunas.

porEric Toussaint

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Foto de Elliot Brown, flickr.

As siglas HSBC significam “Hong Kong and Shanghai Banking Corporation” . Lembremos que o grupo mundial HSBC empregava 260.000 pessoas em 2014, está presente em 75 países e declara 54 milhões de clientesi. Desde as suas origens, o banco tem estado envolvido com o comércio internacional de drogas duras. Efetivamente, foi fundado na esteira da vitória britânica contra a China nas duas guerras do ópio (1839-1842 e 1856-1860). Essas duas guerras tiveram um papel decisivo no reforço do império britânico e na marginalização da China que durou cerca de século e médio. No decurso dessas duas contendas bélicas, o Reino Unido conseguiu impor à China a aceitação das exportações britânicas de ópio provenientes da Índia (que fazia parte do império britânico). A China tentou opor-se ao comércio de ópio mas as armas britânicas, com o apoio de Washington, impuseram-se. Londres criou uma colónia em Hong Kong e, em 1865, foi fundado o Hong Kong and Shanghai Banking Corporation por um comerciante escocês especializado na importação de ópio (nessa altura, 70% do frete marítimo que passava por Hong Kong dizia respeito ao ópio vindo da Índia). Desde esse momento, a história do banco seguiu sempre estreitamente a política exterior do Reino Unido e os interesses da grande patronal britânica na Ásia. Após 1949 e a vitória da China de Mao, o banco retirou-se para Hong Kong, que permaneceu como território britânico. Depois, entre 1980 e 1997, desenvolveu as suas atividades nos Estados Unidos e na Europa. Só deslocou a sua sede social de Hong Kong para Londres em 1993, antes da transferência do território para a República Popular da China, anunciada para 1997. O HSBC continua a ser parte inseparável de Hong Kong: emite 70% da sua moeda (o dólar de Hong Kong). Hong Kong constitui um elemento chave no corrente do branqueamento de capitais acumulados pela nova classe dirigente chinesa.

HSBC implicado noutros crimes financeiros

Além do branqueamento de capitais da droga e do terrorismoii, o HSBC está implicado noutros assuntos: a manipulação do mercado de taxas de câmbio (o escândalo estalou em 2013 e diz respeito a um mercado quotidiano de 5.300 mil milhões de dólares)iii, a manipulação das taxas de juros interbancários (entre elas o Libor)iv, a venda abusiva e fraudulenta de derivados sobre as taxas de juros, a venda abusiva e fraudulenta de produtos de seguros aos particulares e às PYME no Reino Unidov, a venda abusiva de créditos hipotecários nos Estados Unidos, a manipulação das cotações do ouro e da prata (o escândalo estalou em janeiro-fevereiro de 2014vi) e a organização a grande escala da evasão fiscal de importantes fortunas (ver mais adiante).

Hervé Falciani, “o Edward Snowden do HSBC”

Hervé Falciani, um cidadão franco-italiano, trabalhou nos serviços informáticos do HSBC Suíça em Genebra de 2006 a 2008. Antes de abandonar o banco, copiou 127.000 arquivos que associam o HSBC a operações em massa de fraude e de evasão fiscal nas quais representa, com frequência, um papel ativo. Depois passou a residir em França. A Suíça decide detê-lo e lança uma ordem de prisão internacional via Interpol por “subtração de dados”, “violação de segredo bancário e do segredo comercial” e “presunção de venda de informações económicas”. Há que sublinhar que a Suíça não atacou o HSBC.

No início de 2009, o domicílio de Falciani em Niza é objeto de uma rusga efetuada pela polícia local. As informações que possui são explosivas: entre os 127.000 arquivos encontram-se fiscais franceses exilados (8.231 segundo Falciani), belgas (mais de 800), espanhóis (mais de 600 nomes), gregos (a famosa lista Lagarde, entregue pela ministra francesa às autoridades gregas em 2010, contém cerca de 2.000 nomes), alemães, italianos, mexicanos, norte americanos... Hervé Falciani entrega toda ou uma parte da informação que possui às autoridades francesas e às de outros países.

Depois, segundo as suas declarações, colabora com as autoridades de Washington, às quais entrega informações que fazem avançar a investigação sobre o branqueamento pelo HSBC de dinheiro dos cartéis de droga do México e Colômbia. Entretanto, Falciani vai a Espanha em 2012 a fim de colaborar com as autoridades espanholas. É detido no âmbito do mandato de prisão lançado pela Suíça. A Suíça faz questão de que Espanha lhe entregue Hervé Falciani, contudo, Espanha acaba por recusar este pedido em maio de 2013, já que a justiça espanhola considera que Falciani é uma testemunha privilegiada em assuntos de fraude e de evasão fiscalvii. Efetivamente, a comunicação às autoridades espanholas dos dados conseguidos por H. Falciani tinha permitido descobrir, desde 2011, uma grande quantidade de dinheiro (perto de 2 mil milhões de euros) depositada na Suíça por membros da família de Emilio Botim, o presidente do Banco Santander. Este, encurralado, entregou às autoridades espanholas 200 milhões de euros de multa. Os dados entregues por H. Falciani desembocaram também no escândalo do financiamento fraudulento do Partido Popular, o partido do presidente do governo espanhol, Mariano Rajoyviii. A justiça espanhola proporciona uma proteção policial permanente a Hervé Falciani. As autoridades belgas e francesas reúnem-se com ele e utilizam os dados que lhes proporciona e instruem expedientes. Não é absolutamente certo que isto resulte em condenações por fraude, pois é mais que provável que os defraudadores cheguem a acordos financeiros (na Bélgica chamam-se regularizações fiscais) que lhes permitam evitar ser condenados.

Há que sublinhar que neste assunto não só a Suíça tenta deter quem deu a voz de alarme. Ocorre o mesmo na Grécia, onde a justiça deteve o editor da revista “Hot Doc”, Kostas Vaxevanis, porque este se tinha atrevido a publicar em outubro de 2012 a lista Lagarde-HSBC-Falciani que as autoridades gregas tinham perdido três anosix. Como consequência das reações cidadãs na Grécia e a nível internacional, o jornalista ficou em liberdade. Não é fácil denunciar um banco e os ricos defraudadores que protege ou, o que vem a ser mais ou menos o mesmo: denunciar aos ricos defraudadores que protegem os bancos e o seu sacrossanto segredo bancário. Há claramente uma verdadeira simbiose entre os grandes bancos e a classe dominante,da mesma forma que existem intercâmbios permanentes entre os governantes e as grandes empresas, em particular as das finanças.

HSBC decidiu evitar uma diretiva da União Europeia

Em 2013, a União Europeia anunciou que fixava um limite aos bónus que podiam receber os dirigentes e traders de um banco. O bónus não pode ser superior ao dobro da remuneração salarial fixa. Se um dirigente tem uma remuneração fixa de 1,5 milhões de euros por ano, os bónus não poderão superar os 3 milhões de euros (portanto, uma remuneração total de 4,5 milhões). Feita a lei, feita a armadilha: a direção de HSBC anunciava em fevereiro de 2014 que ia aumentar consideravelmente a remuneração fixa desses dirigentes por forma a que o seu bónus não fosse reduzidox.

Conclusão

O grupo mundial HSBC deveria ser fechado, a sua direção despedida sem indemnização e levada aos tribunais (assim como os grandes acionistas). O mastodonte HSBC deveria ser dividido sob o controlo dos cidadãos numa série de bancos públicos de tamanho médio cujas operações deveriam estar estritamente definidas e exercidas no marco de um estatuto de serviço público.


Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
Restantes artigos da série "Os bancos e a doutrina «demasiado grandes para serem condenados»:
1ª Parte: Os bancos e a nova doutrina «Too Big to Jail»
2ª Parte: Estados Unidos: Os abusos dos bancos no setor imobiliário e as ações de despejo ilegais
3ª Parte:
Os barões da banca e da droga

iVer sua página oficial http://www.hsbc.com/about-hsbc

ii Ver Eric Toussaint, “Os barones da banca e da droga”, publicado o 28 de abril, 2014, http://cadtm.org/Os-barones-de-a-banca-e-de-a

iii Eric Toussaint, Os bancos especulam com as divisas, manipulam o mercado cambial e a taxa Tobin está no limbo, 21 de fevereiro 2014, http://cadtm.org/Os-bancos-especulam-com-as. Ver tambien em francês: “Como os grandes bancos manipulam o mercado de divisas”, publicado por Le Monde.fr a 13 de março, 2014 http://cadtm.org/Comment-lhes-grandes-banques

iv Ver a parte 5 desta série que aparecerá na segunda-feira 12 de maio 2014

v Le Monde, “Cerné e par les scandales, HSBC ternit um peu plus la réputation de la City”, 1 de agosto, 2012.

vi Financial Times, “Fears over gold price rigging put investors on alert. German and UK regulators investigate” (24/02/2014).

vii Le Soir, “Vol de fichiers bancaires chez HSBC: lhe r é capitulatif”, 8 de maio, 2013, http://www.lesoir.bê/239380/article/economie/2013-05-08/vol-fichiers-ba…

viii Le Monde, "Evasion fiscale : le parquet espagnol s'oppose à l'extradition de Falciani, ex-employé de HSBC", 16 de abril, 2013 http://www.lemonde.fr/europe/article/2013/04/16/evasion-fiscale-lhe-parquet-espagnol-s-oppose-a-l-extradition-de-falciani-ex-employe-de-hsbc_3160636_3214.html The New York Times, "A Banker's Secret Wealth", 20 de setembro, 2011. http://www.nytimes.com/2011/09/21/business/global/spain-examines-emilio-botins-hidden-swiss-account.html?pagewanted=all "The French government passed on to Spain data that it had obtained from Hervé Falciani, a former employee in HSBC's Swiss subsidiary, naming almost 600 Spanish holders of secret bank accounts. Among those was one belonging to the estate of Mr. Botim's father." http://www.nytimes.com/2011/09/21/business/global/spain-examines-emilio-botins-hidden-swiss-account.html?pagewanted=all

ix Kostas Vaxevanis, "Pourquoi j'ai publié la liste Lagarde", The Guardian, 31 de outubro, 2012
"http://www.presseurop.eu/fr/content/article/2977791-pourquoi-j-ai-publie-liste-a-lagarde

x Financial Times, “HSBC plans to sidestep EU Bonus cap revealed”, 25 de fevereiro, 2014

Eric Toussaint
Sobre o/a autor(a)

Eric Toussaint

Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo