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Há vida dentro de Plutão?

O nascimento quente deste planeta anão pode ter criado um oceano interno. Haverá vida nele? Por David Rothery.
Plutão. Imagem construída a partir dos dados recolhidos pela New Horizon. Foto de sparxastronomy/Flickr.
Plutão. Imagem construída a partir dos dados recolhidos pela New Horizon. Foto de sparxastronomy/Flickr.

Muitas vezes olha-se para Plutão, como muitos outros planetas anões no sistema solar exterior, como sendo escuro, gelado e árido – com uma temperatura superficial de apenas -230°C. Mas agora um novo estudo, publicado na Nature Geoscience, sugere que este corpo tem tido um interior quente desde a sua formação, e pode ainda ter um oceano interno líquido sob a sua crosta gelada.

Isto pode significar que outros planetas anões gélidos de tamanho considerável também podem ter tido oceanos internos primitivos, com alguns a persistirem possivelmente hoje em dia. Isto é emocionante, pois onde há água quente, pode haver vida.

Assim que a sonda da NASA New Horizon começou a enviar imagens e outros dados do voo que atravessou Plutão em 2016, tornou-se claro que este é um dos mundos mais interessantes alguma vez vistos. Por baixo da sua atmosfera nebulosa encontra-se uma superfície gelada, com crateras de gelo de água impura e uma grande bacia de impacto (Sputnik Planitia) que foi inundada por nitrogénio congelado.

A crosta de gelo é cortada por numerosas fraturas, que parecem ser todas resultado do alongamento da superfície. Estas fissuras no gelo deram as primeiras pistas de que poderia haver água líquida a fluir por baixo, sob a forma de um oceano interno entre a capa gelada e o núcleo rochoso. Em breve surgiram mais provas a favor disto, tais como indícios de que a capa gelada tem sido capaz de se reorientar, deslizando sobre um interior essencialmente sem fricção (logo líquido).

Se tiver mesmo um oceano interno, Plutão estará longe de ser caso único. As provas de que há atualmente oceanos dentro de luas geladas como a Europa de Júpiter, a Titã e Encélado de Saturno são tão fortes que poucos cientistas duvidam da probabilidade de um oceano dentro de Plutão durante pelo menos parte da sua história.

Tempo de fissura

A visão oferecida pelo novo estudo provém do estudo de mapas da forma e características de Plutão. Os investigadores descobriram que as fissuras na sua superfície são de todas as idades – desde os tempos mais remotos que podemos ver, logo após a superfície formada, possivelmente há 4,5 mil milhões de anos.

Os cientistas têm presumido que Plutão cresceu através da acumulação lenta de material gelado que condensou quando o sistema solar exterior se estava a formar. Em tal cenário, nenhum oceano interno se poderia ter formado até que o calor retido gerado pela radioatividade no núcleo rochoso se tivesse acumulado o suficiente para derreter a cobertura de gelo.

Nessa situação, as falhas geológicas mais antigas na superfície teriam certas características específicas (chamadas características de compressão). Isto porque a transformação da parte inferior do gelo em água líquida, que é mais densa e ocupa menos volume, teria causado compressão na capa de gelo.

Outros tipos de fraturas interpretadas como "fissuras de extensão" só poderiam começar a formar-se quando o topo deste oceano começasse a congelar à medida que o seu calor se fosse libertando para o espaço. A pressão do gelo forçou o interior a expandir-se ligeiramente, esticando e rachando um pouco a superfície. No entanto, a superfície de Plutão é cortada pelo que parecem ser só fissuras de extensão, até aos tempos mais remotos.

Os autores argumentam, portanto, que o jovem Plutão cresceu até ao seu tamanho atual, acumulando pequenos pedaços de material num processo chamado "acreção de aerolitos" que era enérgico e rápido o suficiente para causar o derretimento na base da camada de gelo. Isto é denominado um "começo quente", apesar de significar meramente "apenas quente o suficiente para que o gelo derreta".

A crosta, desde o primeiro momento em que se tornou estável, nunca sofreu compressão. Em vez disso, a sua superfície sofreu uma extensão, pois a água líquida no topo do oceano congelou na base da concha de gelo durante os primeiros 500 mil milhões de anos de Plutão.

O congelamento oceânico pode então ter parado durante cerca de mil milhões de anos porque a acumulação de calor radioativo foi temporariamente capaz de equilibrar a taxa de libertação de calor para o espaço. Mas desde então, à medida que a produção de calor radioativo de Plutão diminuiu com o tempo, a camada superficial do oceano continuou a congelar. A espessura da capa de gelo talvez tenha duplicado para cerca de 180 km. O oceano sobrevivente é provavelmente uma camada de 200 km de espessura entre o gelo e a rocha.

Oceanos e vida

Os oceanos internos são fascinantes, não só devido à forma como as mudanças de volume podem esticar ou comprimir a superfície mas também porque são habitats potenciais para a vida. É irrelevante que a temperatura de superfície de Plutão seja extremamente baixa, porque qualquer oceano interno seria suficientemente quente para a vida.

Esta não poderia ser vida que depende da luz solar para a sua energia, como a maioria da vida na Terra, e teria de sobreviver com a energia química provavelmente muito escassa disponível dentro de Plutão. Assim, embora não possamos excluir que possa haver vida dentro de Plutão, é provável que Europa e Encélado sejam melhores candidatos, uma vez que têm mais energia química disponível.


David Rothery é professor de Geociências Planetárias na Open University e co-dirigente do Grupo de Trabalho sobre a Superfície e Composição de Mercúrio da Agência Espacial Europeia. É autor de Planet Mercury – from Pale Pink Dot to Dynamic World; Moons: A Very Short Introduction e Planets: A Very Short Introduction.

Texto publicado no The Conversation. Tradução de Raquel Azevedo para o Esquerda.net.

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