Há trinta anos: o dia em que a classe média morreu, por Michael Moore

08 de agosto 2011 - 0:22
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Luta dos controladores de voo, Agosto de 1981 - Foto do site de Michael Moore

De tempos em tempos, alguém com menos de 30 anos vem-me perguntar: “Quando tudo isso começou, a queda da América ladeira abaixo?”. Eles dizem que ouviram falar de um tempo em que o povo trabalhador podia criar uma família e enviar as crianças à faculdade com o rendimento de um só dos pais (e que as faculdades em estados como Califórnia e Nova York eram quase gratuitas). Um tempo em que quem quisesse ter um trabalho remunerado decente o teria; em que as pessoas só trabalhavam cinco dias por semana e oito horas por dia, tinham todo o fim de semana de folga e as férias pagas no Verão. Que muitos empregos eram sindicalizados, de empacotadores em supermercados ao homem cara que pintava a sua casa, e isso significava que não importava qual o seu trabalho, pois, por menos qualificado que fosse, dar-lhe-ia as garantias de uma reforma, aumentos ocasionais, seguro de saúde e alguém para defendê-lo se fosse tratado injustamente.

As pessoas jovens têm ouvido a respeito desse tempo mítico – só que não é mito, foi real. E quando eles perguntam, “quando tudo isso acabou?”, eu digo: terminou neste dia: 5 de Agosto de 1981.

A partir desta data, há 30 anos atrás, o Grande Negócio e a Direita decidiram “dar o golpe” – para ver se poderiam de facto destruir a classe média, e assim tornarem-se mais ricos. E eles se deram bem.

Em 5 de Agosto de 1981, o presidente Ronald Reagan atacou todos os membros do sindicato dos controladores de vôo [PATCO – sigla em inglês], que tinha desafiado a sua ordem de voltarem ao trabalho e declarou o seu sindicato ilegal. Eles estavam em greve há apenas dois dias.

Foi um movimento forte e audacioso. Ninguém jamais tinha tentado isso. O que o tornou ainda mais forte foi o facto do PATCO ter sido um dos dois únicos sindicatos que tinha apoiado Reagan para presidente! Isso gerou uma onda de pânico nos trabalhadores ao longo do país. Se ele fez isso com as pessoas que votaram nele, o que fará connosco?

Reagan foi apoiado por Wall Street na sua corrida para a Casa Branca e eles, juntamente com a direita cristã, queriam reestruturar a América e mudar a direção da tendência inaugurada pelo presidente Franklin D. Roosevelt – uma tendência concebida para tornar a vida melhor para o trabalhador comum. Os ricos odiavam pagar salários melhores e arcarem com os custos dos benefícios sociais. E eles odiavam ainda mais pagar impostos. E desprezavam os sindicatos. A direita cristã odiava qualquer coisa que soasse como socialismo ou que defendesse o reconhecimento de minorias ou mulheres.

Reagan prometeu acabar com tudo. Assim, quando os controladores de tráfego aéreo entraram em greve, ele aproveitou o momento. Ao se livrar de todos eles e pôr o seu sindicato na ilegalidade, ele enviou uma clara e forte mensagem: os dias de todos com uma vida confortável de classe média acabaram. A América, a partir de agora, será comandada da seguinte maneira:

* Os super-ricos vão fazer muito, mas muito mais dinheiro e o resto de vocês vai-se digladiar pelas migalhas deixadas pelo caminho.

* Todos devem trabalhar! Mãe, Pai, os adolescentes, na casa! Pai, você trabalha num segundo emprego! Crianças, aqui estão as vossas chaves para vocês voltarem para casa sozinhas! Os vossos pais devem estar em casa na hora de pôr-vos a dormir.

* 50 milhões de vocês devem ficar sem seguro de saúde! E as seguradoras podem decidir a quem ajudar ou não.

* Os sindicatos são maus! Vocês não devem ser sindicalizados! Não precisam de advogados! Calem a boca e ponham-se a trabalhar! Não, não podem ir embora agora, ainda não terminámos. As vossas crianças podem fazer o seu próprio jantar.

* Você quer ir para a faculdade? Sem problemas – assine aqui e fique empenhado num banco pelos próximos 20 anos!

*O que é “aumento”? Volte ao trabalho e cale a boca!

E por aí vai. Mas Reagan não poderia ter levado tudo isso a cabo sozinho, em 1981. Ele teve uma grande ajuda: a AFL-CIO.

A maior central sindical dos EUA disse aos seus membros para furarem a greve dos controladores de tráfego aéreo e irem trabalhar. E foi só o que esses membros do sindicato fizeram. Pilotos sindicalizados, comissários de bordo, motoristas de camião, operadores de bagagens – todos eles furaram a greve e ajudaram a quebrá-la. E os membros do sindicato de todas as categorias furaram os piquetes ao voltarem a voar.

Reagan e Wall Street não podiam crer nos seus olhos! Centenas de milhares de trabalhadores e membros dos sindicatos a apoir a demissão de companheiros sindicalizados. Foi um presente de Natal em Agosto para as corporações da América.

E isso foi só o começo. Reagan e os Republicanos sabiam que poderiam fazer o que quisessem, e fizeram-no. Eles cortaram os impostos para os ricos. Tornaram a sua vida mais dura, caso quisesse abrir um sindicato no seu local de trabalho. Eliminaram normas de segurança do trabalho. Ignoraram as leis contra o monopólio e permitiram que milhares de empresas se fundissem ou fossem compradas e fechassem as portas. As corporações congelaram os salários e ameaçaram mudar de país se os trabalhadores não aceitassem receber menos e com menos benefícios. E quando os trabalhadores concordaram em trabalhar por menos, eles exportaram os empregos mesmo assim.

E a cada passo dado nesse caminho, a maioria dos americanos estavam juntos, apoiando-os. Houve pouca oposição ou contra-ataque. As “massas” não se levantaram para protegerem os seus empregos, as suas casas e escolas (as quais costumavam ser as melhores do mundo). Simplesmente aceitaram o seu destino e curvaram-se.

Eu pergunto-me sempre o que teria ocorrido se eles tivessem parado de voar em 1981. E se todos os sindicatos tivessem dito a Reagan “Dê aos controladores de voo os seus empregos de volta ou paralisaremos o país”? Vocês sabem o que teria acontecido. A elite das corporações e o seu boy, Reagan, ter-se-iam dobrado.

Mas nós não fizemos isso. E assim, passo a passo, peça por peça, nos 30 anos seguintes aqueles que estiveram no poder destruíram a classe média no nosso país e, em troca, arruinaram o futuro da nossa juventude. Os salários permaneceram estagnados durante 30 anos. Dê uma olhadela nas estatísticas e poderá ver que todo o declínio que estamos a sofrer agora teve o seu início em 1981 (eis aqui uma pequena cena para ilustrar essa história, do meu filme1 mais recente).

Tudo isso começou neste dia, há 30 anos. Um dos dias mais obscuros na história dos EUA. E nós deixámos que isso nos ocorresse. Sim, eles tinham o dinheiro e os média e as corporações. Mas nós tínhamos 200 milhões de nós. Você já perguntou o que seria se 200 milhões tivessem-se enfurecido e quisessem o seu país, a sua vida, o seu emprego, o seu fim de semana, o seu tempo com as suas crianças de volta?

Nós todos simplesmente desistimos? O que estamos à espera? Esqueçam os 20% que apoiam o Tea Party – nós somos os outros 80%! Esse declínio só vai terminar quando exigirmos isso. E não por meio de uma petição online ou de uma twittada. Teremos de desligar as tevês e os computadores e os videogames e tomar as ruas (como o fizeram no Wisconsin). Alguns de vocês precisam de se lançar como candidatos nos locais onde vivem nas eleições do próximo ano. Precisamos exigir que os democratas tenham coragem e parem de receber dinheiro das corporações – ou saiam do caminho.

Quando será suficiente, o suficiente? O sonho da classe média não reaparecerá magicamente. O plano da Wall Street é claro: a América deve ser uma nação dos que têm e dos que nada têm. Isso está bem para vocês?

Por que não aproveitar hoje (05/08) para parar e pensar a respeito dos pequenos passos que vocês podem dar pela vossa vizinhança e no vosso local de trabalho, na vossa escola? Há algum outro dia melhor para começar a fazer isso, que não seja hoje?

Artigo de Michael Moore, publicado em michaelmoore.com, traduzido por Katarina Peixoto para Carta Maior.


1 Capitalism: A Love Story.