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Grécia: Absolvido jornalista que denunciou contas na Suíça

Costas Vaxevanis publicou uma lista com os nomes de 2000 gregos titulares de contas no banco HSBC na Suíça. A "Lista Lagarde" escandalizou a sociedade mas até agora o jornalista foi o único a sentar-se no banco dos réus. Publicamos uma entrevista com ele, antes de saber da sentença desta quinta-feira.
Costas Vaxevanis absolvido em tribunal após publicar a "lista Lagarde".

Vaxevanis foi detido no domingo e acusado de invasão de privacidade por deter a lista que foi entregue à Grécia por Christine Lagarde quando era ministra das Finanças francesa. A atual diretora do FMI vê agora o seu nome a batizar a lista, cujo original todos parecem desconhecer o paradeiro, a começar pelo seu recetor, o ex-ministro das Finanças em 2010 Georges Papaconstantinou.

O que os gregos sabem agora é que nenhum dos governos gregos desde então agiu para penalizar a fuga de capitais do país, através do sistema tributário. Os nomes incluem advogados, armadores, empresários e o de um antigo ministro. Publicamos a entrevista de Costas Vaxevanis ao Mediapart, feita após a detenção na passada segunda-feira.

Porque decidiu publicar esta lista ?

Fiz apenas o meu dever de jornalista. Como dizia Orson Welles, tudo o que contribui para revelar a verdade que os outros pretendem esconder é jornalismo ; o resto é apenas comunicação. Dois ministros tiveram a « lista Lagarde » nas mãos. Em vez de a transmitirem às autoridades de modo a que estas pudessem fazer um inquérito para apurar a sua veracidade, isto é se contém verdadeiramente autores de fraudes fiscais ou simplesmente pessoas que fizeram depósitos legais no estrangeiro, começaram a fazer um jogo muito perigoso, completamente hipócrita. Até declararem a uma comissão parlamentar que a tinham perdido! Como se fosse um vulgar CD comprado na rua. Mas tudo isto é mentira, uma vez que conseguimos deitar a mão a essa lista.

Contrariamente ao que a opinião pública esperava, existem poucos políticos nesta lista...

É um facto, mas se olhar com atenção encontrará os seus amigos, as pessoas que os apoiam, as pessoas com quem saiem para jantar, as pessoas que ajudam a montar as empresas. Encontramos por exemplo os nomes da família Bobolas, proprietária da televisão Mega, do jornal Ethnos, do jornal Imerissia e várias estações de rádio. É uma das principais investidoras em obras públicas do país, conquistou o contrato da autoestrada Ethniki, as portagens...

Encontramos também o nome de Margellos, um amigo do irmão de Georges Papandreu e amigo de Georges Papakonstantino. Há também os armadores, as empresas como Lamaras, por exemplo, que faliu na Grécia e que se verifica agora ter dinheiro no estrangeiro! Encontramos ainda numerosas empresas que obtiveram empréstimos bancários na Grécia e depois colocaram o dinheiro no estrangeiro... Empresas que por vezes não pagam aos trabalhadores durante meses e meses.

Esta imagem é como se fosse uma lista de políticos, foram os próprios políticos que a criaram de propósito: começaram a deixar cair nomes de políticos de modo a criar a imagem de que "estão todos podres". Um método populista: o público ouviu o que tinha desejo de ouvir. O objectivo de tudo isto era proteger os verdadeiros culpados. E poder exercer pressão sobre os verdadeiros nomes da lista. O interesse público não preocupa os políticos que têm a lista nas mãos; o que lhes interessa é a sua própria sobrevivência política.

Como obteve a lista?

Recebemos uma encomenda de correio com uma pen USB no interior de uma carta explicando que contém a "lista Lagarde" actualmente à disposição de políticos que a usam como chantagem. Não sabemos quem nos enviou a encomenda. Em primeiro lugar era previso verificar a autenticidade do documento. Com a minha equipa fizemos, por isso, confirmações junto de várias pessoas citadas na lista. Estive igualmente em contacto com alguém que tem a lista nas mãos e cruzámos dados. Trata-se, de facto, da mesma lista.

O processo é retomado em 1 de Novembro. Como tenciona defender-se?

Em primeiro lugar vou alegar que não se trata de uma questão de sgilo bancário. Quem quebrou o sigilo bancário foi a França, não fui eu. Depois, não se trata de dados pessoais uma vez que não publicámos os montantes dos depósitos bancários. O facto de alguém ter uma conta bancária não é, em si mesmo, um dado pessoal. Por exemplo, quando alguém se dirige a um balcão bancário para fazer uma operação isso passa-se em público.

Além disso não dizemos que as pessoas em causa são ladrões. Não dizemos nada sobre elas. A publicação da lista foi acompanhada por um artigo em que explicámos que estas pessoas depositaram dinheiro no HSBC, sublinhando que isso não significa que se trate de atos ilegais, nem que sejam ladrões ou inocentes. Em numerosos casos isso significa, seguramente, que se trata de autores de fraudes. Quando alguém , por exemplo, vende tomates e tem cinco milhões de euros na conta...

O nosso trabalho não foi pesquisar quem possui o quê, não temos meios para o fazer. O nosso trabalho, pelo contrário, foi libertar a Grécia do que a mina, este clima doentio, as chantagens, o facto de os deputados gregos, no seu conjunto, surgirem como ladrões. Isso apenas poderá conduzir-nos à desagregação do sistema político. Com esta publicação recolocamos o debate público nas suas verdadeiras bases: já que os ministros, uns atrás de outros, dizem que não sabem onde está a lista, pois bem, ei-la ! E apuremos quem está inocente e quem é culpado.

Enfim, como disse na minha primeira declaração no tribunal, na segunda-feira, não sou o único nem o primeiro a publicar nomes. As autoridades gregas publicaram há alguns meses uma lista de nomes de prostitutas atingidas pelo vírus da Sida. Não será isso um atentado à vida privada? Outros meios de comunicação já publicaram dados bem mais pessoais do que a "lista Lagarde" sem nunca serem incomodados.

Não será perigoso publicar assim uma lista de nomes?

O verdadeiro perigo é o seguinte: se hoje não existe justiça na Grécia, se não se aplicam impostos sobre os que têm dinheiro e o retiraram ilegalmente do país, então os que têm fome mas que até agora têm respeitado as leis vão começar a cometer assassínios! Esse é o perigo. Não é publicar uma lista que alguns responsáveis escondem e dizer: façam um inquérito e dentro de cinco meses saberemos quem cometeu atos ilegais. É uma catarse.

O HSBC é um banco entre muitos. Não existem outras listas, outras contas gregas no estrangeiro?

Calcula-se que um total de 13 mil milhões de euros tenham sido transferidos para contas estrangeiras nos últimos dez anos. A "lista Lagarde" contém contas que totalizam, no momento em que foi elaborada, dois mil milhões de euros. Há seguramente outras listas noutros bancos. Segundo as minhas informações, o banco HSBC é usado para fazer transitar fundos. Não é uma caixa de poupança, os fundos de poupança estão provavelmente noutros lados. A "lista Lagarde" é apenas uma ponta do iceberg.

A sua detenção é um sinal de que o jornalismo está em perigo na Grécia?

Acho que sim. O jornalismo teve sempre muitos problemas na Grécia. Por um lado, desde há anos os jornalistas tomam-se como uma parte do poder e cultivam relações pública com determinado ministro, determinado deputado para ficarem bem colocados nos círculos do poder. Por outro lado, os media estão todos endividados à banca. Por isso são condicionados por tudo o que diga respeito à informação financeira. Tenta silenciar-se as vozes independentes. Há pessoas, por exemplo, que me aconselharam a não publicar a lista dizendo-me que fulano e cicrano são amigos. Somos governados por um sistema onde se interligam políticos, empresas, bancos e jornalistas: uns cometem ilegalidades, outros produzem leis para as cobrir e não existe nenhum meio de comunicação para revelar tudo isto porque são pagos e alimentados pelos outros.


Entrevista publicada no portal do Bloco no Parlamento Europeu.

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