Em outubro do ano passado, o Governo anunciou um Acordo de Rendimentos assinado na concertação social com as confederações patronais e com a central sindical UGT. Este acordo fixava uma meta para os aumentos salariais no setor privado e definia benefícios fiscais em sede de IRC para as empresas que levassem a cabo aumentos salariais pelo menos nesse valor – que, para 2023, ficou fixado nos 5,1%. O benefício permite majorar em 50% em IRC os encargos com aumentos salariais acima deste valor.
O acordo foi criticado à esquerda por vários motivos: por um lado, o valor dos aumentos definidos para 2023 nem sequer chega para compensar a inflação do ano passado (que superou os 7%), pelo que não evita a quebra do poder de compra da maioria dos trabalhadores; por outro lado, as metas fixadas a médio prazo são manifestamente insuficientes; por fim, o maior benefício atribuído – a possibilidade de deduzirem os prejuízos no IRC durante um período ilimitado – não estava dependente dos aumentos salariais aprovados.
Rapidamente se percebeu que o acordo teria pouca expressão do ponto de vista da evolução salarial no país, sendo que nenhuma grande empresa se comprometeu a cumpri-lo. Apesar dos benefícios alcançados, as confederações patronais manifestaram o seu desagrado face à “indefinição” de alguns dos critérios definidos para que as empresas pudessem ter direito aos benefícios.
Após novas discussões, o Governo acabou por decidir aligeirar estes critérios e a Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, anunciou esta semana que se chegou a uma “solução equilibrada”. No essencial dos detalhes já conhecidos, há duas principais novidades e ambas facilitam a vida às empresas.
A primeira diz respeito à negociação coletiva. O acordo previa inicialmente que as empresas só poderiam receber os benefícios fiscais se promovessem a “negociação coletiva dinâmica” para aprovar aumentos salariais. Na nova versão, os benefícios passam a abranger também as empresas onde os aumentos acontecerem por via de portarias de extensão. As portarias de extensão são uma decisão administrativa do Governo e levam a que empresas que não participaram nas negociações tenham de aplicar os aumentos definidos. Ou seja, as empresas que não promoverem a negociação coletiva mas forem legalmente obrigadas a aplicar um aumento de 5,1% também beneficiam da redução do IRC em 2023 e em 2024.
A segunda prende-se com os leques salariais. Inicialmente, as empresas que quisessem receber os benefícios fiscais não poderiam promover aumentos que aumentassem as desigualdades salariais dentro da empresa (através de aumentos mais expressivos para os gestores de topo, à semelhança do que tem acontecido nos últimos anos). No entanto, o critério foi aligeirado e impede apenas que a disparidade aumente no que toca às remunerações fixas.
Ou seja, as empresas que aumentarem os seus gestores de topo ou os trabalhadores com salários mais altos através de bónus, participações nos resultados das empresas, prémios de desempenho, entre outros, podem receber os benefícios fiscais mesmo que estejam a aumentar as disparidades salariais dentro da empresa.