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G-20: trabalhar para se tornar irrelevante

As tensões políticas e comerciais entre Washington, Moscovo e Pequim são já demasiado fortes para permitir que do conclave saia algo construtivo. Por Alejandro Nadal
"Nenhum dos problemas estruturais da economia mundial foi identificado e tratado nas reuniões do G20. Enquanto isso, o grupo trabalha arduamente para se converter numa enteléquia irrelevante"
"Nenhum dos problemas estruturais da economia mundial foi identificado e tratado nas reuniões do G20. Enquanto isso, o grupo trabalha arduamente para se converter numa enteléquia irrelevante"

O comunicado da reunião do G-20 no passado fim de semana, em Hangzhou, China, é algo anódino. Isso explica-se pela agenda superficial do grupo face aos desafios que a economia global enfrenta. E, claro, também, se deve à composição disfuncional do G20. As tensões políticas e comerciais entre Washington, Moscovo e Pequim são já demasiado fortes para permitir que do conclave saia algo construtivo.

O mais revelador foi o documento preparado para esta reunião pelo FMI, Perspetivas e Desafios Globais (imf.org). Embora o FMI escolha as palavras cuidadosamente, o relatório assinala que a economia mundial enfrenta um horizonte cheio de desafios. O crescimento para este ano será menor que o de 2015 e a previsão para 2017 não é boa.

O Fundo reconhece que as economias capitalistas desenvolvidas não conseguem sair do marasmo deflacionário. Decorreram mais de sete anos durante os quais se aplicou uma política monetária flexível, com taxas de juros no seu limite inferior sem se ter conseguido relançar a procura e o investimento. Continua a dominar um cenário de endividamento empresarial e frágeis balanços no setor financeiro. Também continua uma queda perniciosa na taxa de produtividade, o que poderá significar que se estão a atingir os limites da onda de inovações das últimas duas décadas. Finalmente, no comércio global também domina um traço declinante no volume de trocas. Finalmente, os débeis incentivos ao investimento são acompanhados de uma intensificação da desigualdade.

Mas para não apresentar uma imagem tão negativa, o FMI recorre à velha história dos mercados emergentes. Agora renasce aquela narrativa de que a China está a recuperar, a Índia mantém um vigoroso crescimento e no Brasil renasce a confiança no setor privado (é um aceno ao novo governo golpista de Temer e à sua agenda de reformas neoliberais). Essa parte do diagnóstico é infundada e ignora as análises mais sérias sobre a natureza e as limitações do crescimento nesses mercados emergentes.

Para equilibrar a sua pseudoanálise da economia mundial, o Fundo termina com as suas recomendações para sair da estagnação. Destacam três pontos. Em primeiro lugar, em matéria de política macroeconómica, o FMI recomenda que se mantenha uma política monetária numa abordagem flexível até que diminua a tendência deflacionária. Por exemplo, na Europa deve manter-se a taxa de juro no limite zero, assim como a injeção de liquidez porque a situação dos bancos continua a ser muito frágil. E, em matéria fiscal, insiste na necessidade de aplicar uma política de investimento público mais favorável ao crescimento. Quando existir margem de manobra (leia-se, desde que não se abandone a austeridade) a despesa deve ser direcionada para áreas como a educação e ir diminuindo a desigualdade. A propósito, o vínculo entre baixos salários e desigualdade continua inexistente para o FMI. Do lado da receita, insiste no recurso aos impostos indiretos (como o IVA), pois creem que são menos negativos para o crescimento. Em vez disso, o Fundo não quer ouvir falar de aumento da carga fiscal dos mais ricos e prefere impostos regressivos, ainda que no mesmo parágrafo minta, dizendo que esses impostos não afetam o crescimento.

Em segundo lugar, o FMI assinala que são necessárias mais reformas estruturais de traço neoliberal. Ou seja, deve continuar a desregulamentação e a privatização. No setor financeiro, o Fundo preocupa-se com o surgimento de tendências para a regulamentação sobre os fluxos de capital, como se o casino financeiro não tivesse tido nada a ver com a crise.

Em terceiro lugar, o Fundo recomenda que se continue a promover a agenda da liberalização comercial. O comércio mundial cresceu a uma taxa dececionante nos últimos cinco anos. Em particular, o comércio de bens de capital e de consumo intermédio caiu mais do que nos ramos de bens de consumo devido à baixa taxa de investimento nas principais economias. O que é necessário, de acordo com o FMI, é fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC), que vem definhando desde o fracasso da Ronda de Doha. Mas esquece que a desregulamentação comercial global já fez o seu caminho e que os acordos comerciais no Atlântico e no Pacífico só servem para reforçar coisas como as regras sobre investimento e patentes, marcas e direitos de autor. Isso significa que se procura endurecer as estruturas oligopólicas de mercado que apenas beneficiam as grandes empresas transnacionais. Naturalmente, nada disto permite enfrentar o grave problema do enorme excesso de capacidade instalada, que marca a estrutura dos principais ramos industriais da economia global.

Nenhum dos problemas estruturais da economia mundial foi identificado e tratado nas reuniões do G20. Enquanto isso, o grupo trabalha arduamente para se converter numa enteléquia irrelevante.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada a 7 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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