França: Valls associado ao grupo “macronista”

02 de julho 2017 - 16:32

A primeira sessão da nova legislatura Assembleia Nacional francesa, eleita no passado dia 18, ficou marcada pela definição dos diferentes grupos políticos e pela eleição do novo presidente da instituição. Por Jorge Martins

porJorge Martins

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A posição face a Valls revela inteligência e habilidade política por parte de Macron e seus próximos: suficiente perto para o que interessa e suficientemente longe como convém – Manuel Valls na Assembleia Nacional de França, 17 de junho de 2017 – Foto de Ian Langsdon/Epa/Lusa
A posição face a Valls revela inteligência e habilidade política por parte de Macron e seus próximos: suficiente perto para o que interessa e suficientemente longe como convém – Manuel Valls na Assembleia Nacional de França, 17 de junho de 2017 – Foto de Ian Langsdon/Epa/Lusa

Como referimos aqui, em França, os grupos parlamentares não dependem diretamente dos resultados eleitorais, sendo, teoricamente, definidos a posteriori por livre associação dos deputados eleitos, em função das suas afinidades ideológicas, um pouco a exemplo do que sucede no Parlamento Europeu. Embora a maioria respeite as diretivas partidárias, há sempre alguns que se “tresmalham” e acabam por integrar outras bancadas que não aquelas onde milita a maioria dos seus colegas de eleição.

Para constituir um grupo são necessários 15 parlamentares. Este tem de designar um presidente e entregar uma declaração escrita, na qual refira os princípios que presidem à sua criação. Aí, poderá definir-se, se o desejar, como apoiante da maioria presidencial ou da oposição. Aqueles que optem por não se definir, são considerados como grupos menores, à exceção do mais numeroso. Por isso, a definição de oposicionistas pode ter vantagem para determinados agrupamentos, mesmo que, efetivamente, não o sejam. Os deputados que não integrem nenhum grupo serão considerados como “não inscritos”.

Na definição dos grupos políticos, confirmou-se muito do que já se sabia, mas registaram-se algumas pequenas surpresas

Entre as prerrogativas dos grupos políticos está a participação dos respetivos presidentes na conferência de líderes, que define a agenda, os tempos de intervenção e a distribuição dos deputados pelas comissões. Estes dois últimos são proporcionais à dimensão de cada um dos agrupamentos políticos. Apesar de terem alguns direitos assegurados, os membros não inscritos têm maiores dificuldades no exercício da sua atividade que os restantes. Daí que alguns deputados que se sintam próximos de um dado grupo, mas que com ele não se identifiquem totalmente ou que este não aceite como membros efetivos, podem juntar-se-lhe com o estatuto de associados (apparentés).

Na definição dos grupos políticos, confirmou-se muito do que já se sabia, mas registaram-se algumas pequenas surpresas.

 

o La République en Marche é o mais numeroso, nele se integrando 313 membros (309 efetivos e 4 associados)

Como é natural, o La République en Marche é o mais numeroso, nele se integrando 313 membros (309 efetivos e 4 associados). Nos primeiros, temos 302 deputados do REM, mais o da EELV (que, recorde-se, foi eleito, no seu círculo, sem oposição “macronista”), a deputada do PS de Mayotte (no Índico), o líder da AC (Alliance Centriste), partido que abandonou a UDI para apoiar a candidatura de Macron a PR, e um independente, eleito pelos franceses residentes no Magreb e África Ocidental. Como associados, temos dois deputados do departamento de Ille-et-Vilaine (na Normandia) – um do PS e uma do MoDem – uma independente (também eleita naquela região, no departamento da Mancha) e o ex-primeiro-ministro de Hollande, Manuel Valls.

A presença deste último é o facto mais relevante da sessão, já que havia dúvidas se ele seria aceite neste grupo ou se ficaria como não inscrito. O seu estatuto como membro associado confirma aquilo que referi aqui e que passo a transcrever: “Mais complicada é a situação do ex-primeiro-ministro, Manuel Valls. Apesar das suas “juras de amor” a Macron e ao seu movimento, este não aceitou a sua investidura como candidato, embora não lhe tenha oposto uma candidatura própria na sua circunscrição. No fundo, para o presidente e seus apoiantes, Valls é útil para minar o PS, mas constitui também um “ativo tóxico”, quer do ponto de vista eleitoral (era um dos rostos do “hollandismo”), quer político (tem um ego e uma ambição desmedidos). Como agora se confirma, a sua posição revela inteligência e habilidade política por parte do PR e seus próximos: suficiente perto para o que interessa e suficientemente longe como convém.

Na sua declaração, o grupo afirma-se como suporte do governo e reafirma as ideias-base dos programas eleitorais de Macron e da REM.

 

O outro grupo da maioria presidencial é o do Mouvement démocrate et apparentés, que integra 47 membros (43 efetivos e 4 associados)

O outro grupo da maioria presidencial é o do Mouvement démocrate et apparentés, que integra 47 membros (43 efetivos e 4 associados). Conta com 38 deputados do MoDem (centro) e mais cinco da REM. Como associados, há dois de Guadalupe, etiquetados na amálgama DVG (Divers gauche), um independente eleito por Morbihan, na Bretanha, e outro elemento da REM.

Tal como o anterior, afirma a sua pertença à maioria presidencial e o seu apoio ao executivo, embora ressalve a sua independência e capacidade de proposta autónoma.

 

o grupo Les Républicains, (direita) é o maior da oposição. Dele fazem parte 100 deputados (95 efetivos e 5 associados), todos pertencentes aos LR

Por sua vez, o grupo Les Républicains, (direita) é o maior da oposição. Dele fazem parte 100 deputados (95 efetivos e 5 associados), todos pertencentes aos LR. Podemos, então, afirmar que a cisão no seio dos eleitos republicanos acabou por não atingir as proporções que se esperavam, já que só lhe “fugiram” 12 eleitos.

Na sua declaração, o partido declara-se de oposição ao novo governo e à maioria que o suporta. Porém, depois de tecer fortes críticas ao quinquenato de Hollande, manifesta o apoio à aprovação de medidas antiterroristas e às reformas regressivas da legislação do trabalho do executivo. Simultaneamente, critica o aumento de impostos preconizado pelo novo executivo.

 

há um agrupamento relativamente heterogéneo, designado por Les Constructifs: républicains, UDI et independentes. Constituem-no 35 eleitos (34 efetivos e um associado)

Entretanto, há um agrupamento relativamente heterogéneo, designado por Les Constructifs: républicains, UDI et independentes. Constituem-no 35 eleitos (34 efetivos e um associado): os 18 deputados da UDI (centro-direita), a que se juntam 12 do LR, um da Calédonie Ensemble e outro do Tapira Huiraatira, partidos anti independentistas da Nova Caledónia e da Polinésia francesa, respetivamente, um centrista independente da Alsácia e um próximo do LR nos Vosges, eleito sob a etiqueta DVD (Divers droite). O associado é o deputado que representa o pequeno arquipélago de Wallis e Futuna, no Pacífico, apesar de se ter apresentado na amálgama DVG.

O nome do grupo resulta da presença de um grupo de deputados do LR que se autodesigna como “republicanos construtivos”. Estes consideram não fazer sentido opor-se, de forma veemente, a um executivo onde o primeiro-ministro e vários ministros saíram das fileiras do seu partido. Pensava-se que atingiria uma vintena de elementos, mas ficou-se pela dúzia.

Apesar de afirmar, na sua declaração, a vontade de trabalhar com o governo de forma construtiva, livre e responsável, afirma-se como grupo de oposição, pelas razões de conveniência acima descritas.

 

Já o mirrado grupo socialista, designado por Nouvelle Gauche, fica-se pelos 31 elementos (28 efetivos e 3 associados)

Já o mirrado grupo socialista, designado por Nouvelle Gauche, fica-se pelos 31 elementos (28 efetivos e 3 associados). Os primeiros são todos do PS, enquanto que, entre os segundos, contam-se o líder do MRC (Mouvement Républicain et Citoyen), pequeno partido da esquerda soberanista, e dois eleitos na Martinica: um do PPM (Partido Progressista da Martinica) e uma deputada eleita sob a etiqueta DVG.

A declaração de constituição do agrupamento é um documento pleno de ambiguidades. Trata-se de um texto programático, muito longo, em que o PS reafirma cinco dos seus alegados princípios (socialista, ecologista, democrático, republicano e europeísta). Simultaneamente, afirma que a luta política, nos dias de hoje, não pode ficar refém da luta direita-esquerda. Esta afirmação, juntamente com a própria designação do grupo (na qual, pela primeira vez, não entra a palavra “socialista”) é uma cedência clara à ala direita do partido. Por outro lado, apesar da extensão da declaração, a NG não consegue afirmar-se nem apoiante da maioria nem de oposição: por um lado, deseja que o quinquenato de Macron lhe corra bem; por outro, afirma querer, no futuro, voltar a ser alternativa de poder. Algo que demostra as profundas divisões existentes no seio do PS, onde coexistem a ala direita (liderada por Stéphane Le Foll, ex-ministro da Agricultura de Valls, e que terá o apoio do presidente do grupo, Olivier Faure), que defendem a abstenção na moção de confiança que o executivo apresentará à Assembleia Nacional, e a ala esquerda, onde pontifica o deputado Luc Carvounas, que entende ser o voto contra a única posição coerente de um partido que queira “continuar a ser socialista”.

 

o grupo de La France insoumise (esquerda radical), que conta, como já era público, com 17 deputados, todos efetivos

Segue-se o grupo de La France insoumise (esquerda radical), que conta, como já era público, com 17 deputados, todos efetivos: 16 eleitos da FI e um do movimento Rézistans, Égalité 974, da ilha de Reunião, no Índico. Ao contrário dos restantes agrupamentos parlamentares, é o único que será presidido pelo líder do partido, Jean-Luc Mélenchon.

Na sua declaração, manifesta a sua frontal oposição, não só ao governo e à maioria presidencial, mas também à oligarquia que domina as instituições, a economia e os media. Reafirma a sua fidelidade ao programa L’ avenir en commun (O futuro em comum), que serviu de base à candidatura presidencial do líder da FI, colocando especial ênfase na criação de uma 6ª República de base cidadã. Elenca, de seguida, alguns princípios e medidas que defende: fim da austeridade, aposta nos serviços públicos, taxação dos mais ricos e combate à evasão fiscal, redução do tempo de trabalho e da idade da reforma, aumento das pensões mais baixas e de todas as prestações sociais, fim do nuclear e apoio à transição ecológica, defesa dos animais, promoção do desporto, da cultura e da igualdade de género, combate ao racismo e a todas as discriminações, saída do Tratado Orçamental, entre outras. Termina proclamando-se como alternativa humanista, ecológica e social ao poder da finança e dos produtivistas.

 

À esquerda, existe ainda outro grupo, o GDR (Gauche démocrate et républicaine), criado pelos comunistas. É constituído por 16 elementos, todos efetivos

À esquerda, existe ainda outro grupo, o GDR (Gauche démocrate et républicaine), criado pelos comunistas. É constituído por 16 elementos, todos efetivos: os 10 deputados do PCF e mais um militante do partido, eleito nas listas da FI em Seine-Saint-Denis, a que se somam mais cinco provenientes do chamado ultramar: dois da Martinica (um dos independentistas do MIM e um eleito sob a designação DVG), um do PSG (Partido Socialista da Guiana), a deputada do movimento Pour La Réunion (PLR) e o eleito do Tavini Huiraatira, partido que defende a independência da Polinésia francesa.

Este agrupamento afirma-se, igualmente, como de oposição. Na sua curta declaração, reafirma os princípios programáticos que o regem e que pouco diferem dos da FI. Porém, ao contrário desta, proclama a liberdade de voto de todos os membros do grupo.

 

Sobram, então, 18 deputados não inscritos. Destes, há nove que pertencem à extrema-direita (oito da Frente Nacional e o eleito da Ligue du Sud, Jacques Bompard)

Sobram, então, 18 deputados não inscritos. Destes, há nove que pertencem à extrema-direita (oito da Frente Nacional e o eleito da Ligue du Sud, Jacques Bompard), um à direita nacionalista (o ex-candidato presidencial Dupont-Aignan, do DLF (Debout la France)), um ao centro-direita (Jean Lassalle, outro concorrente às presidenciais, do movimento Résistons!) e três ao centro-esquerda (os eleitos do PRG (Parti Radical de Gauche), pequeno partido social-liberal, tradicional aliado do PS, e o ex-socialista Olivier Falorni, que, em 2012, foi eleito defrontando e batendo Ségolene Royal, como independente). Por fim, há, ainda, os três nacionalistas do Pè à Corsica.

Para já, Marine Le Pen não conseguiu formar um grupo político. Só o conseguirá se conseguir captar, para além dos deputados da LdS e do DLF, mais cinco parlamentares, algo que poderá ser possível se se agudizarem as divisões no seio do LR e houver uma recomposição na direita francesa. Por esse motivo, a ação parlamentar da líder da FN terá alguns escolhos adicionais. Por seu turno, Lassalle tentou fazer um agrupamento com os nacionalistas corsos e alguns independentes, mas fracassou. Mas a grande surpresa é a posição do PRG, que optou por não integrar nem o grupo do PS (com quem concorreu em aliança eleitoral, como habitualmente) nem o do MoDem, seu parceiro na última legislatura, mantendo-se os seus eleitos, para já, como não inscritos.

Entretanto, foi também eleito o novo presidente da Assembleia Nacional. Como era previsível, o candidato apresentado pela REM e apoiado pelo Modem, o ex-ecologista e ex-membro do grupo socialista, François de Rugy, ganhou logo à 1ª volta, com 353 votos. Seguiram-se Jean-Charles Taugourdeau (LR), com 94; Laure de la Raudière (Les Constructifs), com 34; Laurence Dumont (NG), com 32 e, por fim, Caroline Fiat (FI, apoiada pela GDR), com 30.

Artigo de Jorge Martins para esquerda.net

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra