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França: investigação revela uso indevido de armas contra manifestantes

O uso em manifestações de granadas consideradas “armas de guerra” abriu debate no país. O Mediapart mostra que a polícia muitas vezes não segue sequer os seus próprios regulamentos. A associação das vítimas exige que se acabe com elas.
Cartaz contra uso de armas de guerra contra manifestantes. Foto de doubichlou14/Flickr.
Cartaz contra uso de armas de guerra contra manifestantes. Foto de doubichlou14/Flickr.

LBD, GMD, GLI-F4. Siglas praticamente desconhecidas em Portugal mas que em França fazem parte do debate público há muito tempo. São algumas das armas utilizadas pelas forças de segurança contra manifestantes e que, ao longo dos últimos anos, têm feito muitos feridos e deixado pessoas permanentemente mutiladas. O seu uso tem sido, por isso, altamente contestado. Mas uma investigação publicada pelo Mediapart esta terça-feira coloca ainda uma outra questão: estas têm sido utilizadas impunemente de formas que violam os próprios regulamentos para o seu uso.

Este órgão de comunicação social analisou 145 horas de imagens gravadas pela agência Line Press em manifestações realizadas entre maio de 2016 e dezembro de 2020. Estas imagens, disponibilizadas publicamente no Youtube, vão desde manifestações de coletes amarelos, manifestações contra leis laborais, a nova lei de segurança, a reforma das pensões, entre várias outras. Tendo-se isolado apenas as sequências que diziam respeito ao uso de dois dos tipos de arma, as chamadas granadas stingball e os lança-granadas, chegou-se a uma percentagem significativa de uso fora dos regulamentos. Mais de metade das vezes que foram utilizadas granadas GMD, conhecidas em inglês como stingball, contra manifestantes e uma em cada cinco vezes que se utilizaram lança-granadas, as normas foram infringidas.

As GMD são “granadas de cerco” consideradas defensivas, mas “material de guerra” que deveriam apenas ser utilizadas “quando as forças da ordem se encontram em situação de cerco ou isoladas por grupos violentos e armados” segundo os documentos do Ministério do Interior francês. A gendarmerie considera o seu uso “um último recurso antes de serem empregues as armas de fogo individuais”.

Estas deveriam ser lançadas manualmente, junto ao solo, nunca podendo ultrapassar os 50 centímetros de altura na sua trajetória. Mesmo atribuindo uma margem de erro e contando apenas as granadas que atingiram mais do que um metro de altura, a página de investigação jornalística concluiu que em 51% das vezes estas regras não foram seguidas.

Já os lançadores de granadas, também considerados “material de guerra”, são utilizados para lançar granadas de gás lacrimogéneo a distâncias de 50 a 200 metros. Os tiros à queima-roupa são “estritamente interditos” devendo ser feitos disparos, em caso de legítima defesa, num ângulo de 45º graus. E, em circunstâncias excecionais de tiros a menor distância, devem ser feitos para o ar. Só que a investigação descobriu que 18% dos disparos não respeitam estas regras.

O Mediapart contactou a este propósito a polícia francesa, que se escudou nos regulamentos lembrando que cada uso de arma é indicado pelos funcionários num ficheiro onde consta a data, hora, motivos e consequências, informação que depois é validada por superiores hierárquicos. Polícia e gendermerie também dizem existir controlo no terreno e que as granadas só são lançadas sob ordem de um “supervisor”, com o uso não regulamentar a ser punido por “uma sanção imediata”.

Por sua vez, as vítimas dizem que não ficaram surpreendidas com estes resultados. Antoine Boudinet, cuja mão foi amputada depois de ter sido atingido por uma granada GLI-F4 numa manifestação dos coletes amarelos, e que faz parte do Collectif les mutilé.e.s pour l’exemple, um grupo organizado de pessoas que foram amputadas pela ação policial, diz que “isto é apenas a ponta do iceberge”. O problema, para ele, “não são apenas os tiros não regulamentares”, mas que “eles estejam autorizados a atirar granadas, explosivos, contra civis em manifestações”.

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