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França "ingovernável": Mélenchon quer esquerda unida no Parlamento
O abalo político provocado pelas legislativas em França, em que pela primeira vez desde o início dos quinquenatos presidenciais um presidente não obtém maioria absoluta na eleição seguinte, promete animar a instalação do novo Parlamento. E também a incerteza em torno do Governo, que cancelou mesmo a reunião agendada para esta terça-feira e tem a saída anunciada de vários ministros derrotados nas eleições.
Na segunda-feira, a porta-voz do Governo, Olivia Grégoire, não afastou a hipótese da saída da atual primeira-ministra Elisabeth Borne, reclamada por políticos à esquerda e à direita, mas diz que um cenário de dissolução do parlamento está fora de hipótese. Segundo o Le Monde, Macron terá recusado a demissão apresentada por Borne após o resultado eleitoral e anunciará decisões após a ronda de audição aos partidos que termina na quarta-feira.
No PArlamento, uma das primeiras questões é a de saber a quem pertencerá a liderança da oposição. Se a esquerda que foi a votos integrada na Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES) conseguiu eleger 131 deputados - bem acima dos 89 eleitos pela União Nacional de Marine Le Pen - o seu desdobramento pelos vários partidos que a compoem dariam à extrema-direita mais lugares do que à França Insumbissa, o partido da NUPES com mais eleitos.
Macronistas apoiam extrema-direita na liderança da oposição
Em destaque na agenda das batalhas pelo poder no Parlamento está a disputa pela presidência da poderosa Comissão de Finanças, que a Constituição atribui à oposição e que já é reclamada pela União Nacional, com a bancada macronista a não pôr entraves a essa hipótese. "Quando se lê a Constituição, não há certeza" sobre a matéria, diz a porta-voz do Governo, que atribui à União Nacional o lugar de verdadeiro primeiro partido da oposição.
Antes da primeira volta das eleições, o Governo pretendia contabilizar os votos na NUPES separadamente, atribuindo-os ao partido de cada candidato. Uma intenção que foi travada pelo Conselho de Estado - que em França é uma instância jurídica - mas que provocou nova discussão na noite eleitoral, com o Ministério do Interior a atribuir a vitória por 20 mil votos de diferença ao partido de Macron e a NUPES a acusá-lo de não estar a contabilizar para si alguns candidatos que se apresentaram sob a sua bandeira, o que lhe daria a vitória em número de votos.
Para Jean-Luc Mélenchon, estas "palavras doces dos macronistas em relação aos seus novos amigos lepenistas" têm uma explicação: "Macron é o homem do caos permanente. Um caos duradouro. E como não pode governar sem os Republicanos, para não depender da boa vontade deste partido, a 'macronia' tem de procurar na União Nacional algumas ligações úteis". O líder da França Insumbissa não esquece que a NUPES perdeu mais de metade dos duelos da segunda volta com a União Nacional "porque 76% dos eleitores macronistas deixaram", ao enterrarem de vez a consigna da frente republicana para barrar a entrada da extrema-direita no parlamento francês.
"Tal como na Polónia e na Hungria, os líderes liberais de ontem tornaram-se nessa variedade de 'iliberais' transformados em autoritários e reacionários indiferentes à liberdade individual e aos direitos fundamentais", acrescenta Mélenchon, apontando o dedo aos candidatos de Macron derrotados na primeira volta e que apelaram ao voto branco nos duelos do passado domingo entre a esquerda e a extrema-direita.
Mélenchon propõe grupo parlamentar único da esquerda
Para acabar de vez com a discussão sobre quem lidera a oposição e potenciar a reação a uma provável dissolução do Parlamento nos próximos meses por o país ter ficado "ingovernável", o ex-candidato presidencial propôs esta segunda-feira a constituição de um grupo parlamentar único da NUPES. No acordo da coligação estava apenas prevista a constituição de um intergrupo, com cada partido a formar o seu grupo parlamentar.
Para já, a reação dos restantes partidos da NUPES - socialistas, ecologistas e comunistas - foi de bastante frieza, temendo não só pela sua autonomia face à França Insubmissa, como pelo prejuízo financeiro que essa escolha iria acarretar face aos recursos disponíveis para um grupo parlamentar próprio. Mas para Mélenchon, o prejuízo financeiro é apenas um pequeno inconveniente face ao desafio político que está em jogo: "a direitização extrema de um regime em dificuldades terríveis".
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