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Fim de rendas antigas por falta de resposta do inquilino é inconstitucional

Em causa está a norma da Lei Cristas que permite que o senhorio termine um contrato de arrendamento antigo, caso o inquilino não responda em 30 dias. Acórdão do Tribunal Constitucioal abre um precedente para futuras decisões dos tribunais.
Estima-se que existam cerca de 100 mil contratos antigos que transitaram para a nova lei das rendas.
Estima-se que existam cerca de 100 mil contratos antigos que transitaram para a nova lei das rendas. Fotografia de Paulete Matos.

A nova lei das rendas, aprovada em 2012 por iniciativa da então líder do CDS, Assunção Cristas, permite que os senhorios que queiram atualizar um contrato antigo (ou seja, anterior a 1990) o possam fazer enviando uma comunicação escrita ao inquilino, com uma proposta de novo contrato que refira a duração do mesmo e o valor da renda proposta. Se o inquilino não responder no prazo de 30 dias, considera-se que aceitou a proposta e o contrato transita para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), passando a ter termo e o valor proposto pelo senhorio. 

Agora, o Tribunal Constitucional (TC) veio pronunciar-se sobre a matéria e diz que há normas nesta lei que violam o direito à habitação, sendo por isso inconstitucionais. A notícia é da edição de hoje do jornal Público e explica que o acórdão do TC veio na sequência de um litígio entre uma arrendatária que residia na mesma casa há mais de seis décadas e a sua senhoria, mas que poderá servir de precedente para casos futuros.

Em 2013, a proprietária endereçou uma comunicação à inquilina, onde propunha um novo valor para a renda e que o arrendamento deixasse de ser de prazo indeterminado para passar a ser de cinco anos, renovável por três. Como a inquilina não respondeu passados 30 dias, o contrato transitou para o NRAU. Quase cinco anos depois, a senhoria exerceu o seu direito a recusar a renovação do contrato, tendo a inquilina de sair da casa onde vivia há mais de 60 anos no final de junho de 2018. 

De acordo com o jornal, os juízes do TC consideraram “julgar inconstitucional”, por violação do artigo 65.°, que consagra o Direito à Habitação, a “norma [....] segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30.° determina a transição do contrato para o NRAU e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU”, sem que ao inquilino tenham sido “comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio”. 

Na análise, dizem que “o único interesse que uma reação desinformada e (por isso) omissiva do arrendatário é de modo a realizar o eventual interesse do senhorio em fazer valer integralmente e com a maior brevidade possível os termos e condições constantes da sua proposta, designadamente quanto à duração do contrato e ao valor da renda”.

Os juízes do Palácio Ratton lembram ainda que nestes casos de contratos antigos se trata “o mais das vezes” de arrendatário “numa fase já avançada da vida, em que (...), dificilmente encontrará soluções habitacionais equivalentes”, com “consequente agravamento da sua situação, já de si frequentemente precária”.

O Bloco de Esquerda considera que, ainda que se trate de um caso particular, esta decisão do TC tem “força política muito importante”. Em declarações ao Público, a deputada Maria Manuel Rola afirma que este caso “mostra-nos que temos uma lei que tem artigos que são inconstitucionais. Apesar de não os fazer alterar automaticamente, abre-nos uma porta para discutir se não faz sentido retirarem-se estas normas da lei do arrendamento, já que são extremamente penalizadoras do direito à habitação e de direitos que foram constituídos ao longo de várias décadas”.

A deputada bloquista lembra que, segundo a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, há cerca de 100 mil contratos antigos, anteriores a 1990, que transitaram para o NRAU, ficando assim desprotegidos, caso não respondessem à missiva enviada pelo senhorio e sem conhecimento dos efeitos que tal teria nas suas vidas.

“O inquilino acaba por ter uma penalização desproporcional relativamente ao seu silêncio, que é perder o contrato de arrendamento e o valor de renda que tinha anteriormente, sendo que existe a possibilidade de levantar questões que impedem essa transição”, disse.

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