A extrema-direita no Ministério dos Negócios Estrangeiros

11 de julho 2024 - 20:35

Vitório Cardoso é desconhecido do grande público mas conhecido como “facilitador” de negócios entre Portugal e a China. Admirador de Salazar e de Franco, dirigente e autarca do PSD mas presente em manifestações do Chega, foi nomeado secretário pessoal do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, passando a ter acesso a informação sensível.

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Vitório Cardoso com André Ventura e Pacheco de Amorim
Vitório Cardoso com André Ventura e Pacheco de Amorim. Foto das suas redes sociais.

Vitório Cardoso foi nomeado a 4 de julho secretário pessoal do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário. Nome desconhecido do grande público, ocupa agora um cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros com acesso a informação sensível. A revista Sábado dá conta, esta quinta-feira, que é alguém que se tem “destacado pelas posições de extrema-direita” apesar de ser militante do PSD.

A este nível, a Sábado destaca algumas publicações de admiração a Salazar e a Franco. Por exemplo, a 28 de abril de 2019 assinala o nascimento de Salazar com a sua foto e uma citação deste, a 18 de julho desse mesmo ano celebrava com uma imagem do ditador o sanguinário golpe de Estado de Franco juntando-lhe as palavras deste. Também tinha publicado um pedido de fundos para o Vale dos Caídos, o monumento por excelência ao franquismo.

Para além disso, escreve sobre restaurar o império, é monárquico, pró-touradas, elogia o colonialismo. A revista diz ainda que teve um blogue com “opiniões ainda mais radicais” até 2009.

O macaense vem das escolas da JSD, interveio no congresso do PSD em 2019, é presidente da mesa da secção do partido de Macau e Hong Kong e deputado municipal em Proença-a-Nova. Mas também esteve na manifestação que o Chega organizou em 2020 para defender que não há racismo em Portugal.

O retrato de Cardoso feito pela Sábado fica completo com um currículo académico do qual consta a frequência de um curso de Turismo na Universidade de Macau e de um curso avançado de Estudos Marítimos na Universidade Católica Portuguesa, nenhum deles acabado. E de uma informação sobre cargos exercidos como “chief executive” da “Companhia Oriental Portugueza” que se descreve como sendo de “assessoria de comunicação” e relações públicas, dedicando-se ao “comércio internacional” e “atração de investimento direto estrangeiro”, vice-presidente da PORCHAM Greater China, “plataforma para empresas luso-chinesas” e secretário da direção da “Associação de Amizade Portugal, Guandong, Hong Kong e Macau”, atividades descritas como de lóbi e de “facilitação de negócios”.

Pelo meio, ainda é apresentado na página do Centro Internacional de Negócios da Madeira como "correspondente", uma função descrita pela gestão do offshore como tendo como objetivo "proporcionar apoio local aos investidores interessados em estabelecerem-se e investirem no CINM."

Há dez anos, outra nomeação polémica foi abortada

Não se pode dizer que as suas simpatias fossem desconhecidas. Há dez anos, a revista Visão dedicava-lhe um extenso artigo, onde o identificava como “o macaense do Conselho Nacional do PSD e assessor da CPLP, que elogia a ditadura de Salazar e a PIDE, e acompanha uma boa parte dos negócios e investimentos entre Portugal e a China”.

A revista então falava acerca do PSD de Passos Coelho no “namoro luso-chinês, dos negócios à diplomacia, inclui a atribuição, pelo Governo, dos “vistos gold”, sob investigação da PGR por suspeitas de corrupção em organismos do Estado”.

O retrato de Vitório estava aí detalhadamente descrito. Tinha sido jornalista da Teledifusão de Macau nos anos 90, onde “revelou uma profunda antipatia pelos chineses e deliciava-se a ver sites de campos de extermínio japoneses na Manchúria” e “fazia vários comentários xenófobos e foi advertido por isso”, segundo fonte de empresa. Trabalhara também na Tribuna de Macau, onde “não fazia nada de jeito”, diz o diretor. Depois foi estagiário e assessor no ICEP, em Macau e Hong Kong, e no secretariado do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, por onde “passam hoje muitas das burocracias relativas aos milhões de dólares de apoio chinês a Portugal, no âmbito de trocas comerciais e investimento”. Assessor de comunicação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, era então uma figura que aparecia ao lado de muitos governantes daquele partido, nomeadamente quando se tratava de relações com a China.

Descrevem-se para além disso as “relações políticas e empresariais significativas” misturando patrões, deputados, autarcas e meios diplomáticos portugueses e chineses.

A reportagem da Visão em 2014 foi feita a propósito da notícia da Agência Lusa de que Vitório Cardoso iria ser nomeado representante do Governo português, tal como hoje do PSD e CDS, no “Fórum Macau”, o que na altura gerou “um clima de indignação” na região, com os jornais a publicar “artigos pouco abonatórios para Vitório, recordando as suas ligações e opiniões de extrema-direita e falta de qualificações para o cargo”.

É que, para além da teia laranja de relações políticas e de negócios, “frequenta os meios ultraconservadores de Macau, admira os protagonistas, todos ex-colaboradores de Spínola na Guiné e em Portugal, que o acolhem”.

Aqui também se recordam as publicações no blogue Portas do Cerco. Aí escrevia que o 25 de Abril foi “em Macau, um dia de luto, pois significou a derrota de Civilização pelo Comunismo”, indigna-se com a detenção de neonazis em 2007, critica o cônsul Aristides Sousa Mendes que “alegadamente ajudou a salvar vidas judias durante a II Guerra Mundial, pôs em risco a vida de todos os portugueses”.

A sua retórica era aí a dos lemas fascistas “Deus, Pátria e Família” e “a bem da Nação”, com a crítica aos “valores libertinos e perversos da revolução francesa e de laivos marxistas”, o “terrorismo Anarco-Piolhoso e Extrema-Esquerdista com cobertura Socialista” e os “capitães abrilinos”. Dizia estar no PSD por acreditar que as novas gerações iriam “limpar o Partido e por Deus, por Portugal e pelo Povo e Famílias Portuguesas”.

O blogue acabou encerrado e o autor tentou justificar alguns dos escritos como sendo de um “clone”. “Poucos acreditaram”, comenta o autor da peça jornalística, que acrescenta que o seu livro Crónicas Portuguesas, de 2009, continua o mesmo percurso, por exemplo elogiando o franquismo, dizendo que a ditadura militar trouxe a Portugal “estabilidade e sobretudo paz em tempo de guerras generalizadas” e que a PIDE “teve um papel fundamental para combater os atos subversivos da oposição política”, em defesa da “unidade, liberdade e soberania nacionais”.

Algumas das suas publicações mais recentes na rede social Facebook também mostram claramente as suas simpatias.

 

Bloco questiona governo

O Bloco questionou o governo sobre esta situação. O partido considera que há “matérias de grande sensibilidade e responsabilidade” e que “o secretário pessoal agora nomeado não tem idoneidade nem deve merecer confiança para lidar com matérias e com informações tão sensíveis”.

Destaca-se por um lado que “exalta as ditaduras franquista e salazarista”, sendo “mais do que evidente que alguém que não acredita na liberdade, na democracia ou no humanismo e que, pelo contrário, defende ditaduras e polícias políticas não pode, em nome do Governo ou da República portuguesa, desempenhar funções de tamanha responsabilidade”.

Para além disso, questiona-se a sua atividade lóbi económico na qual “representa interesses económicos particulares, em clara situação de conflito de interesses” com as funções públicas para as quais foi agora indigitado.

Assim, o Bloco quer saber se o ministro “considera que alguém que defende ditaduras e polícias políticas pode ser nomeado para um cargo de tamanha confiança política e onde lidará com informação e assuntos sensíveis” e se “considera que alguém que tem ficado conhecido pela sua atividade de lobbying e de facilitador económico pode ser nomeado para um cargo onde estará em claro conflito de interesse”.