Deram-me quatro questões a abordar no âmbito deste seminário:
1 - que de maneira evoluíram os partidos de esquerda radicais
2 - qual a sua relação com os movimentos
3 - em que se estão a transformar na atual crise, e
4 - como poderiam cooperar a nível europeu.
Pegarei em cada uma delas brevemente, mas primeiro gostaria de fazer dois esclarecimentos. Em primeiro lugar, não referirei partidos de esquerda em geral. As minhas referências - por razões de economia de tempo – são as do sul da Europa, França, Alemanha, Dinamarca e Holanda. Em segundo lugar devem ter notado que estou a usar o termo “esquerda radical”. Em alguns sistemas políticos, “radical” tem uma conotação negativa. Na história das ideias políticas, o radicalismo surgiu no século XIX para contrabalançar a viragem autoritária tomada pelo liberalismo, tendo como objetivo explícito a expansão da democracia de massas e a fundação do sufrágio universal. É nesse sentido democrático que uso o termo para me referir a um aprofundamento da democracia em todos os níveis (económico-social-político e cultural).
Deixem-me agora ligar os pontos entre as quatro perguntas.
1. Vou começar com um paradoxo. Quando estamos a falar de partidos de esquerda radicais, nos casos que assinalei, não nos referimos a partidos em si, mas a coligações de partidos num processo de integração organizacional. Porque será esse padrão organizacional tão característico do cenário político da Esquerda Radical? Existem dois conjuntos de razões para o explicar, sendo que o primeiro é próximo e refere-se a fatores institucionais e o segundo é profundo e diz respeito às mutações político-ideológicas dentro do panorama político da esquerda.
Em primeiro lugar as razões institucionais: as coligações surgem em sistemas políticos que, ou têm um limiar eleitoral que garante a representação parlamentar (Alemanha 5%, Grécia 3%, Dinamarca 2%), ou têm sistemas eleitorais que operam segundo as linhas do método de representação proporcional de Hondt, o qual beneficia a criação de coligações entre partidos mais pequenos (Portugal, Espanha, Dinamarca).
Em segundo lugar, as razões mais profundas referem as mutações ideológicas dentro do campo da esquerda que afetaram os destinos dos partidos no seu seio. Essas mutações têm três vagas:
Primeira vaga: as divisões que ocorrem no movimento comunista e o desaparecimento final dos regimes do chamado “socialismo existente”.
Segunda vaga: a emergência de novos movimentos sociais.
Terceira vaga: a viragem neoliberal na social-democracia
2. Algures entre a primeira e a segunda vaga – e passo agora à segunda questão - há uma mudança de paradigma na relação entre o partido e os movimentos. Na primeira vaga o Movimento - com maiúscula - criou o seu próprio partido e então divisões ideológicas dentro do movimento provocaram uma proliferação de partidos. Na segunda vaga os movimentos – com minúscula e no plural desta vez - reconciliaram as divisões para diluir diferenças estratégicas geradas pelo movimento. Fizeram-no introduzindo questões políticas da agenda política da esquerda as quais levaram à convergência programáticaque promoveu mais ainda a integração organizacional em coligações de partidos (numa pesquisa com resultados muito interessantes que teve lugar no último Congresso da Esquerda Europeia, 82% dos delegados opinaram que os movimentos tiveram um impacto ideológico significativo nos seus partidos nacionais).
No contexto da atual crise, partidos da esquerda radical são presenteados ainda com outro desafio. Movimentos não regulados e em grande parte espontâneos – como os das praças - estão em ascenso, contudo os nossos partidos não beneficiaram da maior parte deles. É de primordial importância entender o universo simbólico paralelo desenvolvido por este movimento e tentar apreendê-lo sem fazer cedências nos traços organizacionais do partido. A este respeito, devemos abordar estes movimentos com meios não convencionais. Nenhuma grande análise é necessária (cada pessoa que participa nesses movimentos conhece firmemente os motivos que geraram esta crise). Precisamos sim é de ganhar o seu apoio em cinco ou seis pontos claros sobre como encaramos um sistema político diferente e mais democrático.
3. Deixem-me agora passar à terceira pergunta. Aqui receio ter enviesamento, mas referir-me-ei primordialmente ao sul da Europa. Como sabem, uma crise económica transformou-se em crise política. O tempo desempenhou aqui um papel crucial. Na Grécia, Espanha e Portugal os primeiros partidos a instigar as medidas de austeridade foram os 'socialistas'. Os laços com os seus eleitores específicos foram quebrados (principalmente com os das classes assalariadas) e o recuo eleitoral acabou por deixar uma lacuna a preencher. Os partidos de esquerda radicais são chamados a preencher esta lacuna o que desencadeia uma transformação importante dentro deles. De forças marginais nos sistemas de partidos eles estão a transformar-se em jogadores cruciais. É neste momento quando a arte da política se torna tácita. Para usar uma linguagem gramsciana, que se tem de encontrar um equilíbrio entre o intelectual e o príncipei. Muito de príncipe, e a vara inclina-se para a procura dum gabinete ministerial (veja-se o que aconteceu com o Partido Socialista holandês). Muito de intelectual, e a oportunidade voa - não há tempo para desconstruir estereótipos somente com valores (esta é a lição amarga que tivemos com a Inglaterra doente – agora ao nível biológico só – da senhora Thatcher).
4. Com tudo isto em mente, abordo a última pergunta, no topo da agenda política devido às próximas eleições europeias.
No relatório Schuman sobre o estado da União publicado em 2011 (ler ou descarregar aqui) o populismo foi identificado como o perigo número um para a Europa. Entre os fatores criadores deste fenómeno estava, e cito “a decrescente força relativa dos partidos estabelecidos, especialmente dos partidos populares e muito especialmente dos socialistas e social-democratas. A volatilidade a crescer e a lealdade ao partido a enfraquecer, observáveis em todas as democracias, são outro desenvolvimento que favorece eleitoralmente os partidos populistas”.
Entre os vários remédios propostos estava - e passo a citar: “tratar os medos económicos e sociais, durante a crise e tendo em conta a competitividade emergente das economias emergentes, não se deve tornar um privilégio da esquerda. Pelo contrário, os partidos de centro-direita têm que reiterar a sua fórmula sobre a economia de mercado social – que, claro, tem de ser constantemente adaptada e renovada, e que nunca pode ser pretexto para um simples intervencionismo de estado”.
Nesta passagem, a ligação entre a crise económica e a democracia torna-se clara como o cristal. Um famoso lema da esquerda sustinha que o que socialismo não é possível num só país. O que tem de ser complementado por um novo lema. A democracia não é possível dentro dum país. É sobre esta premissa que a estratégia da Esquerda Europeia deve ser construída. Os povos da Europa devem entender que para preservar a democracia nas suas nações devem seguir o caminho da democracia ao nível das instituições da UE. Para este efeito, todas as partes envolvidas na Esquerda Europeia devem adotar princípios simples e elementares comuns sobre como as instituições da UE se devem tornar democráticas.
Loudovikos Kotsonopoulos do Syriza e do Instituto Nikos Poulantzas (comunicação feita na Universidade de Verão da Esquerda Europeia, GUE/NGL, no Porto em julho de 2013). Tradução de Paula Sequeiros para esquerda.net
i Nota da tradutora: a este propósito ler por exº Gramsci e o papel dos intelectuais nos movimentos sociais de Jordana Souza Santos