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EUA: Porque deveria a Esquerda apoiar Obama?

Gostaria que, por uma vez, o aval da esquerda a um candidato à presidência fosse acompanhado de um reflexão sobre algumas graves questões estruturais que estão em jogo. Por Doug Henwood
Espero que depois do dia 7 de Novembro, possamos afastar-nos outra vez das políticas eleitorais, que é onde as pessoas que querem mais do que transformações menores devem estar.

Enquanto folheava o número da revista The Nationno qual tornava público o seu apoio à campanha de Obama, procurei em vão por uma referência ao velho ponto de vista de que ambos os partidos são “as duas faces da mesma moeda”. Ainda que a muitos fãs de Obama entusiasme citar o espírito do movimento Occupy, não querem ter nada a ver com o ceticismo perante a política eleitoral que muitos ativistas expressam. Vote Verdes, vote Trabalhadores Socialistas, não vote – não há traços destas veneráveis posições nessas páginas.

Não tenho a certeza se apoio alguma destas posições. Mas gostaria que, por uma vez, o aval por parte da esquerda a um candidato à presidência fosse acompanhado de um reflexão sobre algumas graves questões estruturais que estão em jogo.

Há certas características eternamente recorrentes nestes editoriais de apoio que são deprimentes. As falhas dos democratas de este ano são reconhecidas, mas apenas para serem imediatamente ignoradas porque trata-se sempre da eleição mais importante desde 1932 ou talvez desde 1860. Se os democratas a perdem, as camisas castanhas sentar-se-ão na Sala Oval. Tudo será repressão e miséria dentro do país e guerras de agressão no estrangeiro.

Naturalmente haverá alguma coisa de repressão, miséria e guerra inclusive se o candidato democrata ganhar. No entanto, como se disse em cima, mais vale deixar de lado as falhas.

A persistência deste padrão não é um exagero. Basta citar um ensaio de Hal Draper, de 1967, sobre as iminente eleições de 1968: “Cada vez que esquerda operária e intelectual se queixou da sua insatisfação com o que Washington estava a tramar, tudo o que os democratas tinham de fazer era agitar o espantalho da direita republicana. Os liberais e a esquerda cediam à primeira e começavam a gritar: “vêm aí os fascistas! Votem pelo 'mal menor'.”

Qual é a consequência? A resposta de Draper: “Os democratas aprenderam que têm o voto dos liberais e da esquerda no bolso e, portanto, são as forças da direita que têm de ser apaziguadas”. Quase todos os editoriais que apelam ao voto nos democratas este ano lamentam-se da viragem à direita que a nossa vida política deu, sem contudo considerar o quanto contribuem os seus próprios apoios editoriais para o processo.

Em 2008, recordo-me de um grupo, autodenominado “Progressistas por Obama”, decidido a manter-se firme caso Obama virasse à direita uma vez chegado ao poder. Fiquei impressionado considerando que nenhum deles pensou sequer em considerar a retirada do seu voto e/ou incentivar os outros a fazer o mesmo. Numa eleição provável de ser decidida por um par de pontos percentuais, esta ameaça poderia ter uma força significativa. Mas é difícil imaginar que alguma vez fosse exercitada – por causa das camisas castanhas no horizonte.

Outra característica recorrente do género: os lamentos pela falta de coragem e coluna vertebral dos democratas que, de vez em quando, é tratada como uma doença curável. Mas, de facto, ser invertebrado é um sintoma da contradição fundamental do Partido Democrata: é um partido pró-empresários que tem de fingir, por razões eleitorais, que não o é.

Pela mesma razão, é cada vez mais difícil saber quais são as crenças básicas do partido. Os republicanos têm um filosofia coerente – cheia de curvas e muitas vezes aterradora, sim, mas coerente – a qual usam para entusiasmar uma base fervorosa. Os Democratas não podem arriscar a entusiasmar muito a sua base para que não assustem os seus financiadores.

O problema fundamental é agravado pela personalidade de Obama. Ao contrário e Frankin Roosevelt, que num discurso maravilhoso em 1936 declarou que compreendia quem odiava os ricos, Obama anseia pela sua complacência. Roosevelt vinha da aristocracia e tinha auto-confiança suficiente para pisar-lhes os calos de vez em quando. Obama, nascido em circunstâncias modestas, foi preparado para o poder por instituições de elite desde cedo e não gosta nada de lhes pisar os calos. Assim, em vez de uma renovação de fundo da arquitetura financeira ao estilo do New Deal, é-nos dado um chá fraco de Dodd-Frank.

Eu preferiria que Obama ganhasse as eleições, não tanto porque as suas políticas seriam muito melhores que as de Romney, mas sim porque vai dececionar muitos dos seus partidários, o que será bom para a esquerda radical. Em vez de as pessoas se queixarem sobre o quão mau era McCain, que deveria ter ganho em 2008, tivemos o movimento Occupy. Occupy desvaneceu-se em parte porque a atenção da esquerda virou-se para a campanha presidencial.

Espero que depois do dia 7 de Novembro, possamos afastar-nos outra vez das políticas eleitorais, que é onde as pessoas que querem mais do que transformações menores devem estar. Políticas eleitorais, dado o poder do dinheiro e das nossas estruturas constitucionais que promovem a ortodoxia, é o terreno natural dos jogadores crescidos. Seria muito mais frutífero organizarmo-nos à volta de temas específicos, como o serviço nacional de saúde e salário mínimo; o desenvolvimento de instituições melhores, como sindicatos mais dinâmicos e um terceiro ou quarto partidos; e se alguém tiver de trabalhar no reino das campanhas eleitorais, construir de baixo para cima onde pessoas como nós podem fazer diferença.

Publicado em The Nation 5 de novembro 2012

Doug Henwoodé um conhecido jornalista norte-americano, editor do boletim electrónico Left Business Observere colaborador frequente da revista The Nation.

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

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