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“Estatuto social do professor foi desvalorizado, manchado e desprezado”

José Gil e Ana Godinho explicam por que lutam os professores: “precisamente, por aquela liberdade sem a qual não há aprendizagem, nem ensino e formação, e que certos responsáveis e executantes, inconscientes do laço que une a escola pública e a educação à democracia, teimam em querer controlar e suprimir”.
Foto de Ana Mendes.

Em artigo de opinião publicado no jornal Público, José Gil e Ana Godinho defendem que “na destruição do sistema de ensino inaugurada por Maria de Lurdes Rodrigues um elemento essencial foi abalado”: “O estatuto social do professor foi desvalorizado, manchado e desprezado”. O filósofo, professor reformado da UNL e a professora do Ensino Secundário consideram que foi construída “a imagem do gozador de privilégios imerecidos e injustos, que não cumpria o seu tempo de trabalho metendo baixas e mais baixas, dispondo até de férias excessivas”.

"O professor era considerado o ‘baldas’, uma versão de chico-esperto que procurava escapar à lei aproveitando-se dela. A aura que o acompanhara (‘garante espiritual do futuro dos nossos filhos’) extinguiu-se, a sociedade começou a desconfiar dessa figura tutelar a quem entregava os seus rebentos”, escrevem.

E acrescentam que, “o discurso dos governantes habilmente ia traçando o quadro de um usufruidor abusivo da riqueza do Estado, um tanto anárquico e selvagem, cuja liberdade profissional se confundia obscuramente com a intolerável impunidade de que gozava, o que não se podia permitir que continuasse. Uma espécie de arrogância social inadmissível parecia agora acompanhar a imagem do professor”.

José Gil e Ana Godinho dão conta do dispositivo complexo que foi criado para pôr o professor “na ordem”, ou seja, para o “disciplinar, domar e, de certo modo, castigar, controlando o mais apertadamente possível a sua prática profissional”.

Para este efeito foram mobilizadas “duas componentes essenciais desse dispositivo são: as estratégias de avaliação dos professores e dos alunos, e as metodologias utilizadas para as concretizar, que implicavam um extraordinário desenvolvimento da burocracia, poderoso instrumento de captura e esmagamento da actividade dos docentes”. Ao mesmo tempo, assinalam, “transformavam-se o ensino, as aprendizagens e a própria Escola”.

Neste contexto, os professores foram capturados “numa máquina infernal de imposições, directivas, ordens, e obrigações caídas do céu (do Ministério da Educação) que lhes foi roubando, progressiva mas rapidamente, o tempo de vida, e a liberdade e o prazer de ensinar”. Ao mesmo tempo que se assistiu à deterioração das “condições laborais, salariais e de progressão nas carreiras”.

“Instalou-se um minucioso sistema de controle da vida profissional e privada dos docentes”, frisam José Gil e Ana Godinho.

E detalham: “Hoje, encurralados entre uma burocracia monstruosa e os restos de brio profissional que ainda sentem, sem tempo para prepararem as aulas ou para se dedicarem à família, perseguidos pelo olhar panóptico do Ministério-patrão que lhes envia, a toda a hora do dia e da noite, mais formulários, grelhas, esquemas a preencher sempre com urgência, os professores parecem sobreviver como ratos de laboratório, exaustos, desmotivados, humilhados, ameaçados de depressão, burnout e patologias afins”.

Com este bem montado sistema de controle, “estava ganha a aposta dos governantes: vergaram-se os professores, perderam a arrogância e os privilégios, desapareceu aquela liberdade intolerável que parecia situá-los acima de todos, tornaram-se previsíveis e bem controlados”.

Mas, com a manifestação de sábado, dia 14 de janeiro, “eis que de novo surgiu, não se sabe como nem de onde, a antiga figura do professor imprevisível, ainda livre, a exigir respeito (ao mesmo tempo que renasciam velhos fantasmas do poder: a GNR revistava autocarros de manifestantes…)”.

Os docentes clarificam o “Respeito” que se exige nas ruas: “Respeito por quem ou por quê? Precisamente, por aquela liberdade sem a qual não há aprendizagem, nem ensino e formação, e que certos responsáveis e executantes, inconscientes do laço que une a escola pública e a educação à democracia, teimam em querer controlar e suprimir”.

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