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Estados Unidos: A Fed em socorro de Wall Street

Como revelou em julho de 2011 um relatório do GAO, equivalente ao Tribunal de Contas nos Estados Unidos, a Fed emprestou 16 biliões de dólares a uma taxa de juro inferior à taxa oficial de 0,25%. Por Eric Toussaint
A Fed concede, desde 2008, crédito ilimitado aos bancos, a uma taxa oficial de 0,25%.

A Fed (ver caixa sobre a Fed) concede, desde 2008, crédito ilimitado aos bancos, a uma taxa oficial de 0,25 %. Na realidade, como revelou em julho de 2011 um relatório do GAO, equivalente ao Tribunal de Contas nos Estados Unidos, a Fed emprestou 16 biliões de dólares a uma taxa de juro inferior à taxa oficial de 0,25%1. O relatório mostra que a Fed não respeitou as suas próprias regras prudenciais e não advertiu o Congresso. De acordo com o trabalho de uma comissão de investigação do Congresso dos Estados Unidos, a cumplicidade entre a Fed e os grandes bancos privados era óbvia: “O presidente do conselho de administração do JP Morgan Chase era membro da Reserva Federal de Nova Iorque na altura em que o 'seu' banco recebia assistência financeira da Fed no valor de 390 mil milhões de dólares. Além disso, o JP Morgan Chase serviu também como intermediário para empréstimos de urgência concedidos pela Fed”2. De acordo com um estudo independente realizado pelo Instituto Levy, com o qual colaboram economistas como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e James K. Galbraith, os empréstimos da Fed atingiram montantes superiores aos revelados pelo GAO, não sendo de 16 biliões de dólares, mas de 29 biliões3.

Os grandes bancos europeus tiveram acesso a empréstimos da Fed até ao início de 2011 (o Dexia recebeu um empréstimo de 159 mil milhões de dólares4, o Barclays 868 mil milhões, o Royal Bank of Scotland 541 mil milhões, o Deutsche Bank 354 mil milhões, o UBS 287 mil milhões, o Crédit Suisse 260 mil milhões, o BNP-Paribas 175 mil milhões, o Dresdner Bank 135 mil milhões, a Société Générale 124 mil milhões). A interrupção desse financiamento (nomeadamente sob pressão do Congresso dos Estados Unidos) foi uma das razões que levou os money market funds norte-americanos a fecharem a torneira dos empréstimos que concediam aos bancos europeus, desde maio-junho de 2011, por considerarem que, sem o apoio da Fed, emprestar aos bancos europeus representava um grande risco.

O Banco da Reserva Federal dos Estados Unidos

O Banco da Reserva Federal (Fed em inglês) é o banco central dos Estados Unidos. A Fed é responsável pela política monetária do país e, por essa razão, desempenha um papel central no funcionamento dos mercados financeiros mundiais. É uma entidade independente no seio do governo dos Estados Unidos, contando com uma participação ativa do setor privado. Segundo a lei, os seus principais objetivos são assegurar a estabilidade dos preços, o pleno emprego e garantir a estabilidade do sistema financeiro, através da adoção de medidas destinadas a prevenir e a reduzir o impacte dos pânicos e das crises financeiras. De acordo com esse objetivo, a Fed dispõe de três importantes instrumentos: a gestão das taxas de juro, que afetam os níveis de consumo, de investimento e de inflação; a provisão de liquidez nos mercados financeiros, que permite estabilizá-los em tempos de crise; a supervisão e a regulação das entidades financeiras.

A Fed foi criada pelo Federal Reserve Act de 1913, na sequência do crescimento da instabilidade do sistema financeiro norte-americano em finais do século XIX e inícios do século XX. Até então, o país não dispunha de um sistema centralizado de controlo e regulação do sistema financeiro. Cada Estado era responsável por regular e controlar os bancos que operavam na sua jurisdição. A Fed foi criada para garantir a estabilidade do sistema financeiro dos Estados Unidos através de um mecanismo de emprestador de última instância. Essa faculdade permite que a Fed ajude os bancos que estão em dificuldades.

Do ponto de vista institucional, o sistema da Fed é composto por doze bancos regionais e por um Conselho de Governadores, a nível nacional. Os bancos regionais funcionam como sociedades por ações. Para serem membros do sistema, os bancos devem possuir ações a nível do sistema regional, cuja supervisão é assegurada pela Fed. Essas ações não podem ser vendidas nem comercializadas e proporcionam aos seus proprietários um rendimento anual de 6 %. Permitem aos bancos a participação na eleição dos membros do Conselho de Administração responsável pelas sucursais da Fed a nível regional. Esse Conselho é composto por nove membros: três escolhidos pelos bancos, representando diretamente os seus interesses; três representando os interesses comerciais e industriais da região e sendo também escolhidos pelos bancos; três escolhidos pelo Conselho de Governadores, que opera a nível nacional.

Por seu lado, o Conselho de Governadores tem por missão a supervisão dos doze bancos regionais e a garantia da aplicação adequada da política monetária. É composto por sete membros, nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos e confirmados pelo Senado, para mandatos de catorze anos. Uma das funções principais do Conselho é a realização do Federal Open Market Committee (FOMC), que fixa as taxas de juro e determina a orientação geral da política monetária do país.

A título de comparação, duas diferenças fundamentais distinguem a Fed do seu homólogo europeu, o Banco Central Europeu (BCE). Enquanto a missão da Fed é garantir a estabilidade dos preços e o pleno emprego, o principal objetivo do BCE é manter uma inflação baixa e estável no seio da zona euro. A segunda diferença reside na capacidade de regular e controlar as entidades financeiras. Enquanto a Fed tem capacidade regular e supervisionar todas as entidades do sistema da Fed, o BCE depende dos bancos centrais nacionais, que desempenham as funções de regulação e de controlo. Ultimamente, a Comissão Europeia aprovou o aumento dos poderes do BCE para que, a partir do outono de 2014, este possa supervisionar e regular diretamente os grandes bancos do sistema europeu. Um assunto a seguir.

Artigo de Éric Toussaint, publicado em cadtm.org. Tradução de Maria da Liberdade, revisão de Rui Viana Pereira.


1 GAO, «Federal Reserve System, Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency Assistance», julho 2011, http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf. Este relatório, de uma instituição que é equivalente ao Tribunal de Contas (GAO = United States Government Accountability Office), foi elaborado graças a uma alteração da Lei Dodd-Frank, introduzida pelos senadores Ron Paul, Alan Grayson e Bernie Sanders em 2010. Bernie Sanders, senador independente, tornou-o público http://www.sanders.senate.gov/imo/m...

2 “The CEO of JP Morgan Chase served on the New York Fed’s board of directors at the same time that his bank received more than $390 billion in financial assistance from the Fed. Moreover, JP Morgan Chase served as one of the clearing banks for the Fed’s emergency lending programs.” http://www.sanders.senate.gov/newsr...

3 Ver James Felkerson, “$29,000,000,000,000: A Detailed Look at the Fed’s Bailout by Funding Facility and Recipient”, www.levyinstitute.org/pubs/w...

4 Ver nomeadamente o relatório do GAO mencionado mais acima na página 196, que alude aos empréstimos concedidos ao Dexia no montante de 53 mil milhões de dólares, o que representa apenas uma parte dos empréstimos concedidos ao Dexia pela Fed. http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf

Sobre o/a autor(a)

Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo
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