Espanha: iniciativa legislativa popular quer acabar com lei de tauromaquia

15 de março 2024 - 10:13

Para anular a decisão da Catalunha de proibir as touradas, os setores da tauromaquia espanhola mobilizaram-se e acabaram por aprovar uma lei que as considerava “património cultural”, impedindo assim autarquias e regiões de as regular ou proibir. Uma nova iniciativa popular pretende reverter isso.

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Uma das imagens da campanha @NoEsMiCultura.

Meio milhão de subscrições em seis meses. Tal é o desafio que têm pela frente a partir desta quarta-feira os dinamizadores da Iniciativa Legislativa Popular que quer acabar com a lei espanhola que impede a proibição ou regulação de espetáculos tauromáquicos.

O movimento #NoEsMiCultura integra variadas associações de defesa do bem-estar animal, ambientalistas e culturais e tinha apresentado ao Congresso um pedido para iniciar o processo legislativo que, a partir da subscrição dos cidadãos, pode obrigar a questão a ser debatida em plenário. No mês passado, a mesa do Congresso aceitou-o.

Os promotores estão confiantes no sucesso da recolha de assinaturas que agora se inicia e, ao seu favor, apresentam estatísticas insuspeitas. As do Ministério da Cultura que mostram que, entre 2018 e 2019, apenas 8% dos inquiridos assistiu a um espetáculo desta natureza e, se forem contados apenas os realizados em praças, o número desce para 6%. As do jornal El Español que indicavam que mais de metade dos espanhóis são favoráveis à proibição ou limitação das touradas. E as da Fundación BBVA, de 2022, nas quais perto de oito em dez espanhóis se posicionavam contra o uso de animais na tauromaquia.

Os números do Ministério da Cultura revelam ainda que, numa década, a quantidade de touradas diminuiu paa quase metade: se em 2009 eram 2.700, em 2019 foram pouco mais de 1.400.

Aïda Gascón, uma das promotoras e diretora da Anima Naturalis em Espanha, explica no El Diário que foi a proibição de corridas de touros na Catalunha em 2010 que levou o setor tauromáquico a mobilizar-se, a conseguir começar uma Iniciativa Legislativa Popular que resultou na declaração da tauromaquia como património cultural em 2013 e que acabou assim por ter efeitos retroativos, anulando a decisão dos catalães. Aliás, o facto de ter sido através de uma ILP que a lei acabou por ser consagrada é mais uma das razões que apresentam para este movimento porque acreditam que “deve ser o mesmo povo que pede a derrogação da lei que os setores tauromáquicos promoveram”.

A ativista explica que o objetivo é revogar esta lei, a 18/2013, que, a coberto de considerar a tauromaquia como património cultural, impede que qualquer estrutura do poder local ou regional limite as touradas. Pretende-se portanto “devolver às Câmaras Municipais e Comunidades Autónomas a capacidade de regular ou proibir a única expressão cultural que causa repúdio na nossa sociedade”.

Os defensores do bem-estar animal sabem que mesmo que consigam as assinaturas e que a revogação acabe por ser aprovada no parlamento espanhol há um longo caminho para acabar com a prática da crueldade animal nas arenas. Em primeiro lugar devido à lentidão do próprio processo. Se obtiverem sucesso só para o ano provavelmente haverá uma primeira votação, que depois implicaria uma análise da especialidade até a uma votação final. O que pode levar até 2026.

Em segundo lugar, porque a tauromaquia tem diferentes graus de adesão consoante as regiões autonómicas e em muitas delas a nova lei pode não ter consequências. Por exemplo, na Galiza e Astúrias não há grande tradição tauromáquica e no País Basco o declínio é notado enquanto que em Madrid, Andaluzia e em Castela e Leão e Castela-Mancha a situação é diferente. Ainda assim, os membros desta plataforma acreditam que até aí contam com apoio social, mas “é possível que a nível político ainda não haja coragem suficiente para dar este passo”.

Durante o processo de recolha de assinaturas, diz Gascón, vão “explicar que estes espetáculos recebem mais dinheiro que praticamente qualquer outro e que não podemos permitr que os maus tratos a animais sejam considerados património cultural do nosso país”.