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Eleições na Croácia: direita venceu, esquerda apareceu

As legislativas croatas de 5 de julho saldaram-se por uma vitória clara da conservadora HDZ, do primeiro-ministro Andrej Plenković. Um dos factos mais relevantes foi o bom resultado da coligação Verde-Esquerda (Z-LK). Por Jorge Martins.
Andrej Plenković, líder do partido conservador Comunidade Democrática Croata (HDZ), vencedor das eleições para o parlamento croata de 5 de julho de 2020

As eleições legislativas realizadas no passado dia 5, na Croácia, saldaram-se por uma vitória clara da conservadora Comunidade Democrática Croata (HDZ), do primeiro-ministro Andrej Plenković. Contudo, um dos factos mais relevantes foi o bom resultado do coligação Verde-Esquerda (Z-LK), algo pouco vulgar na Europa de leste.

A eleição, inicialmente prevista para o outono, foi antecipada para julho, por receio de que, nessa altura, houvesse um recrudescimento do número de casos de covid-19. Assim, os dois maiores partidos do país chegaram a acordo para que o Parlamento fosse então dissolvido em 18 de maio, de forma a que novas eleições pudessem realizar-se até 17 de julho, ou seja, no prazo constitucional de 60 dias.

Um semipresidencialismo mitigado

A Croácia possui um regime semipresidencial. Durante a presidência de Franjo Tuđman, o nacionalista e autoritário “pai” da independência do país, a componente presidencialista foi reforçada. Contudo, a partir da sua morte, em 1999, uma revisão da Constituição transferiu muitos dos seus poderes para o órgão legislativo.

O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto, numa eleição a duas voltas. Se nenhum candidato obtiver 50% dos votos válidos à 1ª volta, um 2º turno será disputado entre os dois mais votados, tal como sucede entre nós. Também o seu mandato é de cinco anos, apenas podendo ser reeleito uma vez.

O chefe de Estado dispõe dos habituais poderes simbólicos e cerimoniais e coopera com o governo na definição da política externa, da defesa e da segurança nacional.

Pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, a pedido do governo, se uma moção de confiança for transformada em censura e aprovada pela maioria dos parlamentares em efetividade de funções, ou se o Orçamento de Estado não for aprovado no prazo de 120 dias. É obrigado a dissolvê-lo se, após a aprovação de uma moção de censura ao executivo (aprovada, também, por maioria absoluta dos deputados eleitos), não for possível empossar um novo gabinete no prazo de 30 dias, ou se não for possível formar um governo 120 dias após as legislativas.

O Governo é presidido pelo primeiro-ministro, escolhido pelo PR tendo em conta os resultados eleitorais. Para ser empossado, necessita de ver o seu programa aprovado no Parlamento por maioria absoluta dos seus membros em efetividade de funções, através da aprovação de uma moção de confiança, o que impede a formação de executivos minoritários.

Apesar de serem escolhidos pelo chefe do governo, os ministros necessitam, igualmente, de aprovação parlamentar. Por isso, não apenas o governo no seu todo, mas também os seus membros, individualmente, podem ser alvo de uma moção de censura nos mesmos termos, que, a ser aprovada, obriga à sua demissão. Estas podem ser propostas por 1/5 dos deputados ou na sequência de um voto de confiança solicitado pelo primeiro-ministro.

O Parlamento (Sabor) é unicameral, sendo constituído por 151 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de quatro anos, na sua maioria através de um sistema de representação proporcional.

Um sistema eleitoral atípico

O sistema eleitoral tem alguns pontos de contacto com o da vizinha Eslovénia. Assim, o país é dividido em 10 circunscrições eleitorais, todas com um número de eleitores semelhante (admite-se um desvio de 5% face à média nacional). Em cada uma delas, são atribuídos, através do método de Hondt, 14 mandatos. Temos, então, eleitos os 140 parlamentares representantes dos croatas residentes no território nacional. Como se pode ver, os círculos eleitorais não possuem qualquer ponto de contacto com a divisão administrativa.

Em cada um deles, existe uma cláusula-barreira de 5% dos votos válidos. Contudo, esta é, claramente, redundante, já que a aplicação do método de Hondt em círculos cuja magnitude (número de lugares a prover) é 14 coloca o limiar mínimo para a eleição de um deputado, em geral, entre 5,5 e 6%. Ou seja, as clausulas-barreiras virtuais são superiores à legal, pelo que esta última só muito excecionalmente terá aplicação prática.

Por seu turno, existe uma 11ª circunscrição, reservada aos cidadãos da diáspora, que elege três deputados, de acordo com a mesma fórmula eleitoral.

Um aspeto importante é a instituição do voto preferencial, com os eleitores a votarem no candidato que queiram ver eleito da lista da sua preferência. Os lugares a que que esta tenha direito são preenchidos pelos seus nomes mais votados na respetiva circunscrição.

Finalmente, há oito lugares reservados às minorias étnicas e nacionais reconhecidas pelo Estado croata, que fazem parte de uma 12ª circunscrição. Todos são eleitos por escrutínio maioritário, em colégios eleitorais separados.

Análise dos resultados eleitorais

O sistema partidário croata caracteriza-se por duas grandes tendências: a primeira é a bipolarização, que tem como polos o conservador HDZ, no centro-direita, e o social-democrata SDP, no centro-esquerda; a segunda é a fragmentação, algo que se observa em praticamente todas as correntes ideológicas e tem por base a profunda personalização da política que é apanágio desta região da Europa. Por isso, é frequente as duas maiores forças partidárias “pescarem” algumas dessas formações de menor dimensão e/ou de cariz regional ou local para construir coligações que maximizem as suas hipóteses eleitorais. Outro aspeto importante é a frequência com que surgem diferentes alianças, que rapidamente se desfazem, quase sempre mais devido a divergências pessoais que políticas.

Vamos, agora, analisar os resultados eleitorais das principais forças políticas concorrentes.

Comunidade Democrática Croata (HDZ)

O partido conservador Comunidade Democrática Croata (HDZ) foi o grande vencedor das eleições, obtendo 37,3 % dos votos e 66 lugares parlamentares, um avanço face a 2016, quando a Coligação Patriótica (DK), por si liderada, se ficou pelos 33,4% e 59 eleitos. Desta vez, optou por concorrer sozinho em sete círculos eleitorais, apenas se aliando, em duas circunscrições, ao atualmente liberal-conservador Partido Social-Liberal Croata (HSLS) e, numa outra, ao Partido Democrata-cristão Croata (HDS).

Estamos em presença do partido que pilotou o processo de independência do país, em 1991. Liderado por Franjo Tuđman, assumiu uma posição nacionalista intransigente, de hostilidade à minoria sérvia, que, a par com a dos líderes homólogos da Sérvia e da Bósnia, em muito contribuiu para a escalada da guerra na região. A postura autoritária do presidente, que levou o partido a controlar a maior parte do aparelho de Estado, as ligações quase umbilicais à conservadora Igreja Católica e os laços fortes com a numerosa e reacionária diáspora croata no exterior (em especial, na Alemanha, no Canadá e na Austrália), que contribuiu para o seu financiamento, tornaram-no a força política dominante do país.

Após a morte do seu fundador, o HDZ foi derrotado nas legislativas de 2000. O seu novo presidente, Ivo Sanader, moderou as posições do partido, tornando-o numa formação liberal-conservadora e pró-UE. Apesar da forte oposição da sua ala mais reacionária, essa nova imagem permitiu o seu regresso ao poder em 2003.  Preocupado com o cumprimento dos critérios de Copenhaga, necessários para aderir à UE, Sanader fez aprovar leis que reforçaram os direitos das minorias, permitindo, inclusive, o regresso de alguns refugiados sérvios.

A crise económica de 2009 e acusações de corrupção pelas quais seria condenado cinco anos mais tarde levaram à saída do primeiro-ministro e à sua substituição por Jadranka Kosor, mas o partido não evitou a derrota nas legislativas de 2011.

No ano seguinte, o direitista Tomislav Karamarko foi eleito presidente do HDZ e ensaiou um regresso ao tuđmanismo. À frente de uma coligação que ia do centro-direita à direita nacionalista, obteve uma vitória apertada em 2015, mas a coligação governamental com o Most (Ponte), outra formação de centro-direita, colapsou em meados do ano seguinte e, com ela, a liderança do partido.

Já com o moderado Andrej Plenković, antigo diplomata e eurodeputado, à frente, o HDZ regressou à sua posição de centro-direita pró-UE e voltou a vencer as legislativas de 2016. Formou um novo governo de coligação com o Most, mas este voltou a rompê-la em 2017, após um escândalo que envolveu uma das maiores companhias agroalimentares do país e o ministro das finanças, que teria, alegadamente, sonegado informação sobre irregularidades por esta cometida aos seus parceiros de governo. Porém, Plenković conseguiu o apoio de um partido até aí oposicionista e formou um novo executivo, que se manteve até ao fim da legislatura.

Após anos de estagnação, a economia croata recuperou ligeiramente nos últimos dois anos, em especial devido ao crescimento do turismo. Esse fator, bem como o facto de ter lidado relativamente bem com a crise pandémica, terão garantido o triunfo a Plenković.

Contudo, este foi acusado de oportunismo ao dissolver o Parlamento antes de os efeitos da crise económica resultantes da pandemia, em especial pelo seu impacto muito negativo na atividade turística, se fazerem sentir de forma mais aguda. A dissolução parlamentar provocou grande controvérsia em Zagreb, pois impediu a aprovação de medidas de reconstrução e apoio social às vítimas do terramoto que atingiu a capital no final de março e provocou a destruição de vários edifícios, a morte de um adolescente e dezenas de pessoas feridas.

O HDZ tem maior apoio nas áreas rurais, onde é maior a influência da Igreja Católica, e nas regiões do Nordeste e do Sul, em especial nas fronteiriças com a Sérvia e a Bósnia, mais atingidas pela guerra e habitadas por muitas pessoas que ocuparam propriedades antes pertencentes aos sérvios da Krajina, expulsos na sequência da operação Tempestade, que pôs fim à guerra. Algumas delas foram expulsas da região sérvia da Vojvodina, em retaliação, ou são provenientes do estrangeiro, sendo, em geral, muito nacionalistas. Ao invés, tem menor apoio nas zonas urbanas e nas áreas onde é maior o peso das minorias nacionais. Dado o seu bom resultado, o partido venceu em oito dos 10 círculos do território nacional e no reservado à diáspora.

Neste último, os seus resultados foram, como habitualmente, esmagadores, obtendo 63,0% dos votos, o que lhe permitiu eleger os três deputados a ela reservados, retirando, por uma margem muito estreita, o lugar até agora detido por Želiko Glasnović, da Lista Independente (NL).

No país, os seus melhores desempenhos ocorreram nas seguintes circunscrições: V (47,8%), correspondente à Eslavónia meridional, com epicentro em Vukovar, onde ocorreu uma das mais sangrentas batalhas da guerra; IX (47,5%), na parte central e ocidental da costa adriática da Dalmácia, com o seu principal centro em Zadar e onde se situa Knin, pequena cidade que foi, entre 1992 e 1995, a capital dos sérvios da Krajina; a IV (44,0%), que abrange a regiões da Baranja e a parte norte da Eslavónia, tendo a sua sede em Osijek, e a X (40,9%), na zona oriental da costa dálmata, onde se localizam as importantes e turísticas cidades de Split e Dubrovnik.

Por sua vez, os seus resultados mais fracos ocorreram nas seguintes: VIII (22,5%), localizada no Sudoeste do país, que integra a península da Ístria e uma pequena porção da Dalmácia ocidental, onde se localiza a cidade de Rijeka, e que pertenceu à Itália até à 2ª guerra mundial, nelas residindo uma importante minoria italiana e outras provenientes da ex-Jugoslávia; I (28,3%), correspondente ao centro e oeste da capital, Zagreb, e III (29,5%), que abrange a zona setentrional da sua área metropolitana e a região de Međimurje, no Noroeste, onde reside parte significativa da minoria húngara.

Coligação Restart (RK)

A Coligação Restart (RK) foi a grande derrotada destas eleições, quedando-se pelos 24,9% dos votos e a eleição de 41 parlamentares. Há quatro anos, a chamada Coligação Popular (NK), semelhante à atual, obtivera 33,2% e 56 lugares.

Formada em torno da principal força de oposição do centro-esquerda, o Partido Social-Democrata da Croácia (SDP), cujo líder, Davor Bernardić, era o seu candidato à chefia do governo, incluía várias formações dessa área política, do centro e regionalistas: o centrista e agrário Partido Camponês Croata (HSS); a social-liberal Aliança Cívica Liberal (Glas); o Partido dos Pensionistas Croatas (HSU); o populista Partido do Povo e do Ativismo Cívico (SNAGA); as regionalistas Assembleia Democrática Istriana (IDS), social-liberal, a Aliança de Primorje-Gorski Kotar, liberal, e a Aliança Democrática de Međimurje (MDS), a que se junta, ainda, a Lista Independente de Damir Bajs (DBNL). Por seu turno, o liberal Partido Popular-Reformistas (HS-R) entrou na coligação apenas na circunscrição VI, com o seu líder a concorrer em separado na III.

O SDP é a formação resultante da social-democratização do ramo croata do antigo partido único, a Liga dos Comunistas Jugoslavos, operada em 1990, numa evolução semelhante à de outros partidos homólogos da Europa Central e Oriental. Atualmente, integra o grupo dos socialistas europeus e é abertamente pró-UE.

Foi o principal partido de oposição ao regime de Tuđman, mas só conseguiu alcançar o poder após a sua morte, ocorrida em 1999, vencendo as legislativas do ano seguinte, sob a liderança de Ivica Račan e em coligação com os social-liberais e duas formações regionalistas.

Porém, perdeu as eleições de 2003 e só voltou a governar entre 2011 e 2015, após a vitória de uma coligação semelhante, denominada de Kukuriku, liderada por Zoran Milanović (o atual presidente da República, eleito nas presidenciais de 2019), e que integrava o HSS, o HSU e a IDS.

Desde 2015, já sofreu três derrotas eleitorais, todas elas em coligações: em 2015, a Croácia a Crescer (HR), formada pelo HNS, os Trabalhistas Croatas- Partido Trabalhista (HL-SR), da esquerda, o Partido Autêntico dos Camponeses Croatas (AHSS) e uma formação regional; em 2016, a Coligação Popular (NK), com o HSS, o HSU e os liberais do Partido Popular Croata (HNS-LD) e, agora, a Coligação Restart (RK), cujas forças integrantes foram acima referidas.

Em contraponto ao HDZ, tem maior apoio nas áreas urbanas, mais laicas, e nas zonas habitadas por maior número de pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas. Nestas eleições, venceu em duas das 10 circunscrições do território nacional, não por acaso as mais multiétnicas, nas quais obteve, de longe, os seus melhores resultados: a VIII (44,5%), que inclui a Ístria, onde sempre foi forte, mesmo nos tempos de Tuđman, e a III (37,7%), que que tem como principal cidade Varaždin e inclui a região de Međimurje, que já referimos.

Em todas as outras ficou abaixo da sua média nacional, embora tenha ficado muito próxima em três situadas na Croácia Central e que abrangem zonas periféricas da capital: a II (24,6%), cuja cidade mais importante é Koprivnica, que abrange também a área a nordeste da capital; a VII (24,5%), que integra a zona meridional da área metropolitana de Zagreb e cujo principal centro é Karlovac, na região mais central do país, que faz a transição entre o Norte continental e o Sul adriático, e a VI (24,2%), onde pontifica Velika Gorica, que corresponde à área situada a sueste da capital e sua extensão para leste.

Os seus piores desempenhos ocorreram naquelas onde o HDZ possui maior implantação: a IX (17,2%), na Dalmácia central; a V (19,2%), na Eslavónia meridional, a IV, na Baranja e na Eslavónia setentrional, e a X, na Dalmácia oriental (20,5% em ambas). Por seu turno, também averbou um mau resultado na I (22,3%), correspondente ao núcleo urbano da capital, mas, aí, a “culpa” foi do crescimento da esquerda.

Na sequência dos resultados, Davor Bernardić apresentou, logo na noite eleitoral, a sua demissão da liderança do SDP.

Movimento Patriótico (DPMŠ) e aliados

Em terceiro lugar, com 10,9% dos sufrágios e a eleição de 16 deputados, ficou a coligação agregada em torno do Movimento Patriótico de Miroslav Škoro (DPMŠ). Este, um cantor de música tradicional croata, apresentador televisivo e antigo deputado do HDZ, foi candidato presidencial nas eleições de 2019. Com um programa populista, obteve uns surpreendentes 24,3% dos votos e quase passou à 2ª volta.

Em fevereiro deste ano, criou o DPMŠ, com o propósito de concorrer às legislativas. A seguir, coligou-se com outras forças políticas da direita reacionária, nacionalista e da extrema-direita. Entre os seus aliados contam-se: o nacional-conservador e eurocético Croatas Soberanistas (HS), o social-conservador Partido Conservador Croata (HKS), o Movimento para uma Croácia de Sucesso (Hrast), da direita católica reacionária, o ultranacionalista Bloco pela Croácia (BLOK), o Partido dos Pensionistas (SU) e a ecologista conservadora Lista Verde (ZL).

A coligação apresentou um programa assente nas seguintes vertentes: populismo, nacionalismo, conservadorismo social, liberalismo económico, assistencialismo e ecologia ruralista. Entre as medidas advogadas destacam-se a redução do número de ministros e a luta contra a corrupção, a promoção dos valores croatas na educação e o aumento das despesas militares, a oposição ao aborto, à eutanásia e aos direitos das pessoas LGBTQI, a redução da carga fiscal das empresas, a concessão de um subsídio às mães e o apoio às áreas rurais e a uma produção agrícola sustentável.

Apesar do bom resultado obtido, ele ficou aquém das expectativas, pois Škoro contava capitalizar nas legislativas os votos que obteve nas presidenciais e ficou bem longe desse objetivo.

Observando as circunscrições, o padrão territorial da sua votação é relativamente próximo do HDZ, concentrando maiores apoios nas áreas rurais mais conservadoras e nas regiões onde o sentimento nacionalista é mais forte. Porém, também mostra um suporte significativo na periferia de algumas cidades.

Os seus melhores resultados ocorreram na Eslavónia e Baranja, no Nordeste do país, nas circunscrições V (19,8%) e IV (16,6%), mas também teve um bom desempenho na II (13,5%), que abrange a zona nordeste da área metropolitana de Zagreb e da Croácia Central. Na primeira, destaque para Vukovar, onde obteve um terço dos votos (33,3%), pouco atrás do HDZ.

Sem surpresas, os piores registaram-se nas duas regiões mais multiétnicas: VIII (4,7%), que contém à Ístria e a zona de Rijeka, e III (6,2%), no extremo Noroeste, que inclui a região de Međimurje. Ficou, ainda, abaixo da média nacional na I (9,0%), correspondente à zona central e ocidental da capital.

Ponte das Listas Independentes (Most)

Seguiu-se o partido da Ponte das Listas Independentes, vulgarmente conhecido por Ponte (Most), que conseguiu 7,4% dos votos e 8 eleitos, uma descida face às últimas eleições em que atingira 9,8% e elegera 13 parlamentares.

O Most é uma formação de centro-direita, liberal-conservadora e com elementos populistas. Abertamente defensora do ordoliberalismo económico, advoga a redução do papel do Estado na economia, o equilíbrio das finanças públicas, a reforma regressiva da administração pública e a diminuição da carga fiscal, a par com a redução do número de condados (atualmente 20, mais a capital), das remunerações dos políticos e o reforço da luta contra a corrupção.

Foi fundada, em 2012, como uma força política de cariz regionalista, pelo médico Božo Petrov, então presidente do município de Metković, uma pequena cidade da Dalmácia oriental, próximo de Dubrovnik e da fronteira bósnia, ainda hoje à frente do partido.

Após ter agregando outras plataformas semelhantes existentes no resto do país, apresentou-se às legislativas de 2015 como partido nacional. Foi a grande sensação desse ato eleitoral, obtendo 13,5% dos votos e elegendo 19 parlamentares. Tendo ficado na posição de “king maker”, após uma eleição em que as alianças lideradas por HDZ e SDP ficaram muito próximas, o Most acabou por optar pela Coligação Patriótica, liderada pelo HDZ, e entrou para o governo, chefiado pelo independente Tihomir Orešković, um empresário residente no Canadá desde tenra idade. Porém, rapidamente começaram os desentendimentos, que levaram à queda do executivo. A própria formação viu-se a braços com várias dissidências.

Nas legislativas do ano seguinte, a sua votação sofreu uma quebra, mas continuou a ser imprescindível para formar um governo, acabando por assinar um novo acordo com o HDZ e integrar o executivo de Andrej Plenković. Porém, em abril de 2017, após acusar o ministro das finanças de esconder as ilegalidades cometidas por uma grande empresa do ramo agroalimentar, rompeu a coligação e passou à oposição.

Antes destas eleições, foi convidado por Miroslav Škoro para integrar a sua aliança, mas as negociações fracassaram.

Tendo tido origem na costa dálmata, de onde é natural o seu líder e fundador, o Most tem aí os seus bastiões. Porém, ao contrário do HDZ, tem maior apoio nas áreas urbanas, em especial na capital, e menos no Nordeste, mais nacionalista e tradicionalista. Mas, tal como aquele, também não colhe grandes simpatias nas regiões mais multiétnicas.

Assim, as suas melhores votações registaram-se nas circunscrições da Dalmácia: X (12,1%), de onde é natural Petrov, e IX (10,0%). Na diáspora, onde concorreu, atingiu os 11,0%. Também teve um desempenho superior à média na capital, em especial na I (8,1%) e na II (7,9%), a nordeste daquela.

Já os mais fracos ocorreram na III (2,8%), que inclui a Međimurje, na IV (4,8%) e V (5,8%), que contém as nacionalistas Baranja e na Eslavónia, e na VIII (igualmente 5,8%), correspondente à Ístria e a Rijeka.

Coligação Verde-Esquerda (Z-LK)

A coligação Verde-Esquerda (Z-LK), que integrou várias formações políticas ecologistas, do centro-esquerda e da esquerda, foi uma das sensações deste ato eleitoral, obtendo 7,0% dos votos e 7 lugares no Parlamento, um resultado acima das melhores previsões.

As suas origens encontram-se nas eleições autárquicas de 2017, quando várias delas se juntaram para concorrer ao município da capital, numa coligação denominada Bloco de Esquerda (isso mesmo!...), que candidatou o ativista ambiental Tomislav Tomašević, da plataforma Zagreb é Nossa, à respetiva presidência. Os resultados foram encorajadores, tendo a aliança obtido 7,6% dos sufrágios e 4 eleitos na assembleia municipal.

Decidiram continuar o projeto e constituíram esta coligação, da qual fazem parte as seguintes forças: a plataforma política da esquerda radical e verde Podemos! (Možemo!), a esquerdista Frente dos Trabalhadores (RF), a social-democrata de esquerda e ambientalista Nova Esquerda (NL), o ecologista Desenvolvimento Sustentável da Croácia (ORaH) e as plataformas locais Zagreb é Nossa! (Zagreb je NAŠ) e Pela Cidade! (Za Grad!) Um excelente desempenho, que constituiu uma verdadeira “pedrada no charco”, num país onde a esquerda tem muita dificuldade em afirmar-se.

O seu programa assenta na prossecução de um desenvolvimento humano sustentável. Defende uma economia ao serviço das pessoas e do ambiente, que contribua para uma maior igualdade social e sustentabilidade ambiental; o reforço dos serviços públicos; medidas que reduzem a pobreza, a precariedade laboral e aumentem os direitos dos trabalhadores e dos sindicatos; o combate às alterações climáticas; a procura da independência alimentar e energética; a promoção da igualdade de género e a defesa dos direitos das pessoas LGBTQI e das minorias em geral; a aposta na educação, na ciência, na cultura e na inovação; uma maior descentralização regional e municipal, e o apoio aos “media” independentes.

O seu relativo êxito eleitoral resulta do descontentamento crescente, quer com as políticas conservadoras do HDZ, que governou o país em 22 dos 29 anos de independência, sem o conseguir retirar dos lugares da cauda da UE, e a desilusão com a falta de perspetiva social e ecológica do SDP, convertido ao neoliberalismo, que pouco mudou quando foi governo e pouco mudará quando regressar ao poder. A isso se juntam os casos de corrupção que, por vezes, envolvem governantes e empresas. Por isso, muitos procuraram uma alternativa, ou à direita (que levou ao voto em Škoro) ou à esquerda (nesta coligação).

A maioria dos seus votos foram obtidos em Zagreb, na circunscrição I (21,1%), que abrange o centro e o oeste da cidade, onde ficou muito próximo da coligação Restart (22,3%) e não muito longe do HDZ (28,3%). A campanha autárquica de 2017 e o trabalho posterior deram frutos, a que acresce a revolta de muitos habitantes da capital pela falta de sensibilidade do governo, que convocou as eleições sem dar tempo à aprovação parlamentar das medidas de apoio à reconstrução dos edifícios danificados pelo terramoto de março. Também o apoio de conhecidas figuras da cultura alternativa, em especial do mundo da música, lhe garantiu uma forte adesão entre os mais jovens, o que explica em muito o seu grande resultado na cidade.

Também registou um bom desempenho nas VII (10,5%) e VI (9,5%), que abrangem, ainda, as partes sul e sueste da zona metropolitana da capital, e na istriana VIII (8,5%).

Ao invés, os seus resultados mais fracos ocorreram nas regiões mais rurais e nacionalistas da Eslavónia e Baranja, correspondentes às V (1,5%) e IV (2,2%), e da Dalmácia central, incluída na IX (2,4%). Na diáspora, em geral muito conservadora, não foi além de 1,8%.

Inteligência + Foco (Pametno + Fokus + SSIP)

A aliança entre o social-liberal Inteligência (Pametno), o novo e ultraliberal Foco (Fokus) e a formação populista anticorrupção Partido com Primeira e Última Letra (SSIP) (!...), antes START (Partido da Anticorrupção, Desenvolvimento e Transparência), encabeçada pela líder deste último, Dalija Orešković, conseguiu 4,0% dos votos e elegeu 3 parlamentares.

A sua principal formação, o Pametno, foi fundado em 2013, em Split, pela cientista informática Marijana Puljak, uma popular vereadora, como movimento de cidadãos, sob a designação “Uma cidade inteligente para pessoas inteligentes”. Em 2015, transformou-se em partido e concorreu apenas na circunscrição X, mas sem êxito. Nas legislativas antecipadas do ano seguinte, apresentou-se como partido nacional, em coligação com uma plataforma de Zagreb, mas não obteve representação parlamentar, algo que agora conseguiu.

É partidário de uma economia social de mercado, de uma aposta forte na educação, na ciência e na inovação tecnológica, da defesa da democracia e dos direitos humanos de todas as pessoas, do laicismo e do secularismo, da transparência no uso dos recursos públicos e da proteção do ambiente.

Por sua vez, o Foco, recém-formado, é ultraliberal, sendo favorável à redução dos impostos e do número de funcionários públicos, a par com medidas de defesa do ambiente. Já o SSIP, cuja líder presidiu, entre 2013 e 2018, à comissão responsável pela deteção e combate aos conflitos de interesses, tem, fundamentalmente, uma agenda anticorrupção.

Os seus melhores resultados ocorrem nas áreas urbanas, o que não surpreende, já que o seu apoio provem, em grande parte, das classes médias e dos mais jovens.

 Assim, as suas melhores votações verificaram-se nas circunscrições VII (6,4%), de onde a família de Orešković (cujo pai foi um célebre “partisan”) é originária; I (6,3%), no centro da capital, e X (5,4%), onde se situa Split.

Já as mais baixas ocorreram, sem surpresas, nas áreas mais conservadoras e nacionalistas do Nordeste, abrangidas pelas V (1,6%) e IV (2,1%), e da Dalmácia central, ou seja, a IX (2,7%). 

Partido Popular Croata – Liberais Democratas (HNS-LD)

Quem sofreu uma derrota expressiva foi o social-liberal Partido Popular Croata-Liberal Democratas (HNS-LD), que se quedou por uns modestos 1,3% e um único eleito, o seu líder, Predrag Štromar. Em 2016, concorrera no seio da Coligação Popular, liderada pelo SDP, e assegurara 9 dos 54 lugares que esta conquistou então.

Após ter participado em várias coligações com forças de centro, centro-esquerda e regionalistas, integrou o primeiro governo dos social-democratas, liderado por Ivica Račan. Nas eleições de 2011, 2015 e 2016, integrou as coligações criadas pelo SDP. Após o triunfo nas primeiras, participou no executivo de Zoran Milanović, tendo-se remetido à oposição após as derrotas nas outras duas.

Contudo, em 2017, após a rutura da coligação governamental entre o HDZ e o Most, consumada com o abandono do governo por parte deste último, o então líder do HNS-LD, Ivan Vrdoljak, fez um acordo com o primeiro-ministro Andrej Plenković para apoiar um novo gabinete do HDZ. Na sequência do acordo, Pedrag Štromar tornou-se ministro da Construção e do Planeamento Físico, mas quatro parlamentares, o seu único eurodeputado e numerosos aderentes abandonaram o partido e formaram a Aliança Cívica-Liberal (Glas). Antes das eleições, Štromar assumiu a liderança do HNS-LD e encabeçou a sua candidatura às legislativas.

Foi o único deputado eleito, obtendo 5,8% dos votos na circunscrição III, no Noroeste do país, onde se situa Varaždin, a sua cidade natal. No restante território nacional, apenas na IV (4,6%) teve uma votação com algum significado. Em todas as outras ficou abaixo de 1%.

O partido foi, assim, penalizado pela sua abrupta mudança de campo, que não foi compreendida pelos seus eleitores. Na verdade, sendo uma formação política liberal e laica, está ideologicamente distante do conservadorismo económico e social do HDZ, pelo que essa opção foi vista por muitos como uma traição, motivada apenas pela ganância de chegar ao poder.

Partido Popular – Reformistas (HS-R)

A última força política a obter representação parlamentar foi o liberal Partido Popular-Reformistas (NS-R), de Radimir Čačić, que obteve 1,0% dos votos e que, tal como o anterior, apenas conseguiu eleger o seu líder.

Fundado em 2014 por Čačić, após este ter sido afastado da liderança do NHS-LD, concorreu às legislativas do ano seguinte numa coligação de centro-esquerda, intitulada Croácia de Sucesso, tendo o seu líder sido o único eleito. Nas antecipadas de 2016, integrou uma aliança de vários partidos centristas e aquele foi um dos dois representantes que aquela elegeu.

Agora, voltou a concorrer aliado, na maioria das circunscrições, ao conservador agrário Partido Camponês Croata Braće Radić e ao Partido Croata dos Reformados (SHU). Porém, na VI, concorreu integrado na lista da Coligação Restart, apesar de o partido ter sempre dado apoio parlamentar aos governos do HDZ, o que resulta de tensões internas no seu seio.

Essa esquizofrenia política não o favoreceu e, tal como o NHS-LD, apenas elegeu, com dificuldade, o seu líder, também na circunscrição III, onde obteve 5,5% dos votos. Isto apesar de Čačić, igualmente natural de Varaždin, ser o atual presidente do respetivo condado. Apenas na II (3,2%) obteve um resultado visível, mas, aí, integrou uma coligação mais alargada. No resto do território nacional e na diáspora não chegou a 0,5%.

Derrotados notáveis

Entre os grandes derrotados está a coligação Chega de Roubo (DP), constituída em torno do partido Parede Humana (Živi zid), uma formação populista antissistema, semelhante ao Movimento 5 Estrelas italiano. Depois de ter obtido 6,2% e eleito 8 deputados em 2016, quedou-se agora por uns modestos 2,3%. Apesar de ter tido bem mais votos que o NHS-LD e o NS-R, a sua votação foi mais dispersa e não logrou obter representação parlamentar. O abandono do seu fundador, Ivan Pernar, para fundar um partido com o seu nome (SIP), foi fatal para o ŽZ. Da coligação derrotada fizeram parte, além destas duas formações, três pequenas forças políticas: Mudar a Croácia (PH), Ação Jovem (AM), Partido dos Camponeses Croatas Stijepan Radić ((HSS-SR), o partido étnico-regionalista HSSČKŠ e uma lista independente.

Outro derrotado foi o Bandić Milan 365 – Trabalho e Solidariedade (BM365-SR), partido populista de centro, na prática unipessoal, liderado pelo presidente do município de Zagreb, Milan Bandić. Depois de ter obtido 4,1% e dois lugares em 2016, não foi além de uns residuais 0,6% e deixou de estar representado no Parlamento. O apoio que deu ao governo do HDZ e, principalmente, a forma desastrosa como geriu o pós-terramoto na capital ter-lhe-ão sido fatais.

As minorias nacionais e étnicas

Os restantes oito lugares são reservados às minorias étnicas. Aos sérvios, que representam cerca de 4,5% da população (eram mais de 12% em 1991, antes da “limpeza étnica” de 1995, o capítulo final da guerra que dilacerou o país após a independência), são reservados três lugares. Dos restantes cinco, um vai para os húngaros, um para os italianos, um para checos e eslovacos, um para os albaneses e nacionais de outras repúblicas da ex-Jugoslávia e, por fim, um para os roma (ciganos), vlachs (descendentes dos romanos) e restantes nacionalidades reconhecidas como minorias.

No caso dos sérvios, o moderado Partido Democrático Sérvio Independente (SSDS), de orientação social-democrata e pró-UE, conservou os seus três eleitos sem grandes problemas.

Entre os húngaros, o candidato da União Democrática dos Húngaros da Croácia (HMDK) foi eleito sem oposição, o mesmo sucedendo com o independente que representa os italianos.

Nos checos e eslovacos, o candidato independente dos primeiros manteve o seu lugar sem dificuldade, obtendo uma maioria esmagadora sobre o dos segundos.

Entre os restantes povos da ex-Jugoslávia e albaneses, foi reeleita a candidata da União dos Albaneses.

Por fim, nas restantes minorias, o candidato incumbente, pertencente à Kali Sara, organização dos “roma” da Croácia, venceu por larga margem.

Como se pode ver, muito poucas novidades. Na sua maioria, estes deputados tendem a apoiar o governo de turno, em troca de algumas vantagens para as respetivas comunidades.

A participação eleitoral

Habitualmente baixa, a participação eleitoral foi ainda mais fraca, tendo-se quedado pelos 46,5%, quando, em 2016, atingira 52,6%. A situação de pandemia explicará, em parte, o aumento da abstenção, mas a má qualidade das últimas governações e a desilusão com a falta de uma verdadeira alternativa terá contribuído para afastar os eleitores das urnas.

O futuro

Face a estes resultados, o HDZ assegurou uma maioria parlamentar suficiente para fazer aprovar um novo governo de Andrej Plenković. Mesmo que não consiga suporte de outras forças políticas mais representativas, tem já garantido o apoio dos deputados únicos e líderes do HNS-LD e do HS-R e dos oito representantes das minorias étnicas, o que lhe assegura 76 dos 151 votos parlamentares, o mínimo necessário para ser investido.

Contudo, se o partido governamental não conseguir agregar mais alguma formação, o país poderá ver-se a braços com uma crise política a curto prazo, uma vez que, nesta região da Europa, a política é bastante volátil e as mudanças de aliados e as cisões nas diferentes forças partidárias estão sempre “ao virar da esquina”.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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