Economistas no CES: "A dívida não é pagável"

01 de julho 2011 - 3:15

A segunda parte do seminário "O que Fazer com esta Dívida?", organizado pelo Centro de Estudos Sociais em Lisboa, juntou economistas favoráveis à auditoria da dívida portuguesa para uma discussão sobre as condições para a sua renegociação.

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Seminário "O que Fazer com esta Dívida?" juntou painel de economistas

Na mesa do debate intervieram José Reis (Fac. Economia da Univ. Coimbra), Manuela Silva (ISEG), Eugénia Pires (SOAS, Univ. Londres), e os ex-deputados José Gusmão, do Bloco de Esquerda e Octávio Teixeira, do PCP. A renegociação da dívida e a suspensão do pagamento foram alguns dos temas presentes na discussão, bem como a necessidade de mobilizar a esquerda social e política para uma iniciativa pela auditoria à dívida.



"A dívida não é pagável e isso é hoje consensual. Precisa de ser reestruturada", afirmou José Reis logo no arranque. Uma ideia que regressaria nas restantes intervenções, também centradas nos critérios para a renegociação, que segundo o economista e investigador do Centro de Estudos Sociais tornou-se uma ideia consensual, fruto duma mudança radical de opinião do dia anterior para o dia seguinte às eleições". José Reis foi no entanto o único dos oradores a defender como "essencial" um referendo sobre esta matéria.



"Esta dívida é impagável e na melhor das hipóteses teremos uma dívida perpétua", defendeu em seguida Octávio Teixeira, dando como exemplo as projecções do próprio FMI: "mesmo com doses cavalares de austeridade, a dívida pública aumentará mais de 30% até 2016". Sobre o caminho da renegociação, o dirigente comunista diz que "o 'não pagamos' não é solução nas actuais condições políticas. Precisamos de reestruturar a dívida, prolongar os prazos do pagamento e reduzir alguns montantes". Octávio Teixeira prevê que "a reestruturação vai acabar por nos ser imposta em 2013 ou talvez antes, tendo em conta o que aconteceu na Grécia. Por isso é melhor reestruturar agora, enquanto ainda temos voto na matéria", sustentou.



Por seu lado, José Gusmão também defendeu que "o 'não pagamos' não é uma boa estratégia, embora só se possa concretizar a renegociação se o Estado estiver disposto a admitir o 'default'". Para o dirigente bloquista, é preciso também "abrir o debate na sociedade portuguesa sobre os limites que devem ser impostos aos direitos dos credores, que devem ser pesados em relação a outros direitos que têm um valor constitucional mais elevado". José Gusmão afirmou ainda que "a sustentabilidade social deve ser o critério orientador da renegociação da dívida" e mostrou a evolução da economia em vários países que optaram por esse caminho para concluir que "afinal a renegociação não é nenhuma tragédia".



Em seguida, Manuela Silva centrou a sua intervenção na necessidade de aumentar a literacia dos portugueses neste tema, na medida em que "a dívida do Estado é confundida com a dívida total", sendo na sua opinião necessário "recolocá-la no seu contexto, que é o da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento que reconheça os recursos do país para a satisfação das suas necessidades". Caso contrário, defendeu a economista, "corremos o risco de responsabilizar o Estado Social pela dívida que temos, já que o problema está mal colocado: precisamos de pensar como melhorar a qualidade de vida dos cidadãos". Manuela Silva mostrou-se confiante que no meio académico e na sociedade civil existem hoje "recursos para dar maior transparência e elucidar os cidadãos sobre o que se está a passar".



A intervenção de Eugénia Pires procurou explicar os mecanismos de emissão da dívida, destacando a que é formada pelos avales e garantias. "Quando se fala de auditoria, temos de olhar para aqui", afirmou, antes de explicar com mais detalhe a ruinosa operação de titularização das dívidas fiscais feita pelo governo Durão Barroso com o Citigroup. A economista acusou ainda o Banco Central Europeu de ter estado "mais preocupado em ajudar a banca em vez dos Estados soberanos" e no fim deixou uma questão: "Será possível o 'default' sem a saída do euro?".



O moderador do debate foi José Castro Caldas, que no fim se referiu à discussão sobre economia moral que também está em cima da mesa. "Quem deve é o Estado, mas ele tem compromissos com mais gente para além dos credores: os desempregados, as crianças, os idosos a quem estão a ser retirados direitos. Não há direitos adquiridos quando estes são pobres, mas há os direitos sagrados dos credores", criticou o investigador do CES.



Éric Toussaint, do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, foi o convidado deste seminário e coube-lhe fazer o encerramento da iniciativa, com comentários ao debate entre economistas. Para o activista belga, "se os credores não são confrontados com uma posição de força, não vão negociar nada", pelo que há que preparar esse terreno de intervenção na esquerda política e social. Toussaint referiu-se ainda a outra questão abordada durante este encontro, sobre a suspensão ou não do pagamento da dívida, defendendo o ponto de vista de que se deve "suspender o pagamento antes de começar a auditoria".