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É preciso reforçar pressão pública para travar construção do Vila Galé em terras indígenas
O Expresso publica este sábado um artigo no qual assinala que o projeto de construção de um resort de luxo do grupo português Vila Galé no litoral da Bahia, onde vivem cerca de seis mil indígenas da comunidade tupinambá de Olivença, está suspenso até que todas as dúvidas sejam esclarecidas sobre a posse da terra e a demarcação das terras indígenas.
Conforme sublinha o deputado José Soeiro numa publicação na sua página de Facebook, não, há no entanto, “nenhuma garantia nem nenhuma decisão publicamente anunciada de cancelamento do projeto”.
O dirigente do Bloco destaca ainda que “só houve este pequeno recuo - temporário? - por causa da pressão pública feita até ao momento”. Nesse sentido, José Soeiro conclui que “este é o momento de reforçar ainda mais a pressão pública para que esta ocupação - e os crimes humanos, culturais, ambientais e sociais que ela comportaria - sejam definitivamente cancelados”.
“E isso faz-se, aqui em Portugal, frente a duas instâncias: aos hotéis Vila Galé e ao Governo português”, remata.
O esquerda.net reproduz, na íntegra, o esclarecimento do deputado José Soeiro:
"AINDA O CASO VILA GALÉ E A OCUPAÇÃO DE TERRITÓRIOS INDÍGENAS QUE AINDA NÃO FOI CANCELADA
1. O caso é conhecido e não me alongarei. Há um território indígena dos Tupinambás de Olivença que está identificado e cujo processo de demarcação se iniciou em 2009. O estudo que fundamenta essa demarcação foi feito por uma antropóloga portuguesa e foi validado pela Fundação Nacional do Índio. Essa demarcação, aprovada pela Funai, foi objeto de 5 contestações. Todas elas foram condenadas ao fracasso. Inclusive, num dos casos, o processo foi até ao Supremo Tribunal Federal. A conclusão foi sempre a mesma, e esse Tribunal reiterou-a: aquela área de demarcação está corretamente identificada, trata-se de um território indígena dos Tupinambás e não há nenhuma dúvida sobre o estudo e sobre a decisão da Funai.
2. Ora, não basta a decisão da Funai para concluir o processo de demarcação. É preciso que o Ministro da Justiça e o Presidente da República assinem a demarcação e a proclamem oficialmente. Coisa que nunca fizeram. Uma parte da elite local e dos fazendeiros empenha-se em adiar e protelar essa assinatura e em convidar grupos económicos a planear projetos para um território onde não pode haver construção de hotéis nem de resorts. A zona é apetecível, o dinheiro compra muita coisa e neste caso do grupo Vila Gale até houve uma diligência ilegal e escandalosa da Empresa de Turismo do Brasil junto da Funai, pedindo que esta recuasse numa decisão que já tem vários anos e que aliás não é possível de ser alterada pela Funai, porque o processo já saiu daquela instituição e está pendente num nível político que a ultrapassa.
3. Tudo isto estava a passar despercebido à opinião pública até que as lideranças indígenas se começaram a movimentar, dirigindo-se à embaixada portuguesa (que teve uma posição lamentável, ao que consta) e também, numa visita feita a Portugal, aos meios de comunicação e aos partidos políticos portugueses. O crime de ocupação ilegítima que se estava a preparar por parte das elites locais da Bahia e do grupo Vila Galé passou a ser de conhecimento público - e denunciado. Eu próprio escrevi um artigo nesse sentido, e não fui o único. Esse projeto do grupo português é, insisto, de uma violência ambiental e social incalculável e tem de ser combatido por todos os meios.
4. A divulgação pública de todo este processo começou a dar “má imagem” ao grupo Vila Galé. Na sequência do meu artigo, fui contactado pelo grupo que queria ter uma conversa sobre o que eu havia escrito. Consultadas lideranças indígenas com quem estou em contacto, aceitei conversar na condição de essa conversa ser pública, de se realizar no Parlamento e de ela acontecer na presença da antropóloga Susana Viegas, que foi quem iniciou, em Portugal, o processo de contestação e a luta pela anulação deste projeto do grupo económico português. Assim sucedeu.
5. A reunião foi curiosa porque revelou duas coisas. Por um lado, um grande desconhecimento por parte do grupo português de elementos fundamentais de todo o processo, designadamente dos trâmites da demarcação e das suas exigências legais, mas também da própria comunidade cujos terrenos o Vila Galé planeou ocupar ilegitimamente. Ou é amadorismo, ou então os seus interlocutores brasileiros, sedentos do “investimento”, ocultaram mesmo aspetos muito relevantes do que está em causa. Em segundo lugar, a reunião foi interessante pelos compromissos que o grupo diz serem os seus: não querem fazer nenhum projeto “sem uma decisão clara” das autoridades brasileiras e sem um “consenso com a comunidade local”. A ser assim, então o projeto nunca devia ter sequer existido. Por uma razão simples: não poderá haver nenhuma “decisão clara” das autoridades que lhes seja favorável, a não ser esmagando a decisão que já houve da Funai. E não haverá nunca nenhum “consenso” com a comunidade local, na medida em que os Tupinambás já disseram que jamais aceitariam aquela ocupação e que lutariam contra ela caso ela viesse a ser tentada. Ou seja, se os princípios enunciados pelo grupo Vila Galé são mesmo para levar a sério, então o melhor é o grupo anunciar já o cancelamento definitivo do projeto.
6. Mas ainda não o fez. Hoje, no Expresso, anuncia-se a “suspensão do projeto” e dá-se conta de um ofício do Ministério da Justiça que confirma que aqueles territórios estão em processo de demarcação, o que tornaria qualquer compra ou tomada de posse de terrenos naquela área por parte da Vila Galé um ato de má-fé, que a lei brasileira condena. Mas, note-se, não há nenhuma garantia nem nenhuma decisão publicamente anunciada de cancelamento do projeto. E mais: só houve este pequeno recuo - temporário? - por causa da pressão pública feita até ao momento. Pela minha parte, a conclusão que retiro do que aconteceu até aqui é simples: este é o momento de reforçar ainda mais a pressão pública para que esta ocupação - e os crimes humanos, culturais, ambientais e sociais que ela comportaria - sejam definitivamente cancelados. E isso faz-se, aqui em Portugal, frente a duas instâncias: aos hotéis Vila Galé e ao Governo português".
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