Em seguida, a transcrição da declaração de Catarina Martins na íntegra.
Queria começar, em nome do Bloco de Esquerda, por saudar os resultados eleitorais do PS, da CDU e do MPT nestas eleições europeias. Como sabem, as eleições europeias ficaram marcadas, em Portugal e na Europa, por um nível de abstenção recorde que nos deve preocupar e sobre o qual devemos refletir. Por toda a Europa, cidadãos e cidadãs mostram, ao não participarem no ato eleitoral, como se sentem distantes das escolhas da Europa, das instituições europeias e da forma como têm sido representados.
A União Europeia, com a abstenção que existiu nestas eleições, perde representatividade, perde legitimidade democrática. As políticas de diretório, que não admitem alternativa ao neoliberalismo, impedem o desenvolvimento, afastam a União Europeia da democracia, da construção cidadã, de um futuro que possa dizer alguma coisa aos povos da Europa. Não por acaso, as políticas neoliberais que têm feito o recuo do Estado social na Europa, o recuo dos direitos do trabalho e têm transformado o desemprego numa marca permanente para as gerações mais jovens, e uma marca que exclui também os desempregados de longa duração de uma cidadania plena, não por acaso, esta política que destrói vidas tem também, como outro lado da moeda, talvez o mesmo lado da moeda, o crescimento da extrema-direita na Europa, incluindo movimentos fascistas, neonazis, xenófobos e racistas. É uma Europa perigosa esta, em que, não existindo resposta política, o protesto popular tem tão diversos e tão perigoso caminhos, fazendo lembrar as zonas mais escuras, os tempos mais escuros que cá atravessámos.
É uma Europa perigosa esta, em que, não existindo resposta política, o protesto popular tem tão diversos e tão perigoso caminhos, fazendo lembrar as zonas mais escuras, os tempos mais escuros que cá atravessámos.
Em Portugal, como sabem, a abstenção foi maior do que a média da União Europeia: apenas um em cada três eleitores foi às urnas. A grande generalidade da população não quis participar nas eleições europeias, e a sua não-participação tem de ser vista como um sinal claro: descrédito das instituições de representação política e também do descontentamento com as políticas que estão a ser seguidas em Portugal e na Europa. Encolher os ombros face à abstenção, encolher os ombros face ao descrédito e ao descontentamento, será porventura o caminho mais perigoso que poderíamos seguir, e aquele que não nos podemos, de forma alguma, permitir.
Um mau resultado
O Bloco de Esquerda, como sabem, e já dissemos, teve um mau resultado nestas eleições europeias. O nosso objetivo era eleger dois eurodeputados, elegemos apenas uma eurodeputada, Marisa Matias, que fez uma campanha mobilizada e mobilizadora, mas o Bloco de Esquerda não teve no seu programa a capacidade de agregar as forças e os votos necessários para poder cumprir o objetivo.
O programa de candidatura do Bloco de Esquerda, continuamos a considerar que está certo e que é importante. Mas reconhecemos que não sendo capaz de agregar, de mobilizar as forças, muito terá de ser feito na reflexão dos caminhos da esquerda.
O Bloco de Esquerda apresentou-se a estas eleições com um programa de aliança das esquerdas na Europa com três pontos essenciais: a rejeição da austeridade enquanto política na Europa, a colocação do pleno emprego no centro das políticas, e a reestruturação das dívidas soberanas dos países da periferia do euro.
Esta aliança entre as esquerdas na Europa teve bons resultados nalguns países. Este programa foi capaz, nalguns países, de mobilizar em torno de um programa de esquerda, e congratulamo-nos com esses bons resultados, nomeadamente com o resultado do Syriza na Grécia, mas não só, com o resultado do Sinn Fein, da Izquierda Unida, em vários Estados mostraram que esta aliança de povos contra uma Europa da Finança é uma aliança que pode e deve agregar. Não foi assim em Portugal, teremos naturalmente de retirar conclusões sobre isso.
Derrota da direita
Mas, senhoras e senhores deputados, não poderia também deixar de assinalar aqui a derrota da direita e a derrota das políticas de austeridade. PSD e CDS juntos tiveram menos de 30% dos votos. O PSD passa de oito para seis eurodeputados, o CDS de dois para um. Mais do que a derrota da direita, que devemos assinalar, e que mostra que em Portugal não tem já hoje credibilidade o programa de governo e as políticas do governo. É bom assinalar que estes resultados mostram que a austeridade com ajustamento não é já aceite pelo país. Tantos postos de trabalho destruídos, tamanha degradação dos serviços públicos, ataque ao Estado Social, ataque aos salários e às pensões, jovens gerações que sentem que não têm lugar no seu país nem na Europa.
Depois de toda esta destruição, com uma dívida pública que continua a crescer ao ritmo de 40 milhões de euros por dia, a austeridade como ajustamento não é aceitável nem é aceite.
Depois de toda esta destruição, com uma dívida pública que continua a crescer ao ritmo de 40 milhões de euros por dia, a austeridade como ajustamento não é aceitável nem é aceite. Estas eleições dizem-nos também isto. A austeridade é assim, e cada vez fica mais claro para a generalidade da população, é o instrumento do privilégio da Finança pela sangria dos povos. Reestruturaram as pensões, reestruturaram salários, reestruturou-se a Escola pública e o Serviço Nacional de Saúde, reestruturaram setores inteiros da economia para que tudo ficasse na mesma com o setor financeiro, para que se continue a recusar a reestruturação da dívida pública.
Clareza e determinação
O combate à austeridade exige hoje clareza e determinação. Vemos, nos exemplos europeus dos partidos que se diziam contra a austeridade e que não tiveram essa clareza e determinação no corte com as políticas neoliberais e no corte com a ditadura do diretório da Finança, que tudo ficou na mesma ou pior. Veja-se em França, com o governo de François Hollande a impor medidas de austeridade e a assistirmos ao crescimento da extrema-direita, quando a política não responde às necessidades dos povos e a alternância não traz qualquer alternativa. Vemos na Alemanha, com uma aliança de coligação no poder de direita e de sociais-democratas que não traz nenhuma novidade à Europa e que portanto continua a destruir o Estado social, continua a destruir direitos dos trabalhadores e continua, pois, a destruir a ideia da União Europeia. Vemo-lo também na Grécia, em que partidos que queriam alguma mudança, mas que nunca quiseram a mudança toda, estiveram em governos que afundaram mais a crise social, a crise humanitária que vive o povo grego.
Não temos dúvidas que é necessário hoje uma voz clara contra a austeridade. Que é preciso toda a determinação. Aceitar o Tratado Orçamental ou continuar a recusar a reestruturação da dívida pública significa afundar o país.
Não temos dúvidas que é necessário hoje uma voz clara contra a austeridade. Que é preciso toda a determinação. Aceitar o Tratado Orçamental ou continuar a recusar a reestruturação da dívida pública significa afundar o país. Sabemos que, para cumprir o Tratado Orçamental, Portugal precisaria de cortar todos os anos em despesa pública algo como 1,9% do PIB. É como cortar num ano metade da Escola pública, no ano seguinte um terço do Serviço Nacional de Saúde e depois mais metade da Escola pública, até não restar pedra sobre pedra do que constrói a democracia, dos instrumentos da dignidade e da igualdade no nosso país. A rejeição do Tratado Orçamental, a reestruturação da dívida pública continuam a ser objetivos essenciais.
Juntar forças
Mas é preciso naturalmente muito mais. É preciso mobilizar para que haja uma alternativa. É preciso juntar forças, agregar forças, e a esquerda tem de ser essa capacidade para que haja verdadeiramente uma alternativa às políticas neoliberais e às políticas de destruição do nosso país levadas a cabo por este governo e por esta política europeia.
O Bloco de Esquerda, naturalmente, reflete sobre estes resultados e trilhará esse caminho de determinação, de convicção e de necessidade de juntar forças. Refletimos sem nunca deixar de agir. Aqui na Assembleia da República, como no Parlamento Europeu, como na Assembleia Legislativa dos Açores, nas autarquias onde estamos representados, em todos os movimentos e causas em que somos ativistas sabemos da nossa responsabilidade de combate ao neoliberalismo, de combate à austeridade e de estarmos sempre do lado das vítimas desta política.
É aí que estará, como sempre, o Bloco de Esquerda.