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Documentos comprovam papel da nº 2 da CIA em sessões de tortura

Gina Haspel, nomeada por Trump para vice-diretora da CIA, participou em sessões de tortura na prisão secreta que dirigia na Tailândia após o 11 de setembro. Mais tarde deu ordens para destruir provas dos interrogatórios.
Foto Justin Norman/Flickr

Segundo o site Propublica, novos telegramas da CIA obtidos pela American Civil Liberties Union, a par do testemunho de Abu Zubaydah, o palestiniano suspeito de ser o nº 3 da al-Qaeda e alvo de interrogatórios com recurso a tortura na prisão secreta da Tailândia, revelam que o papel de Gina Haspel enquanto responsável da prisão secreta da CIA na Tailândia incluiu a participação em sessões de tortura, incluindo espancamentos e afogamento (waterboarding).

Os agentes nunca conseguiram obter nenhuma informação de Zubaydah, que sempre afirmou apoiar a jihad e condenar a morte de inocentes como nos atentados de 11 de setembro. O detido foi capturado no Paquistão e levado numa viagem que passou por vários países, incluindo Marrocos e o Brasil, até chegar à prisão secreta da CIA na Tailândia. Ali foi colocado algemado dentro de uma caixa de 216cm de comprimento por 76cm de largura e 51cm de altura, onde passou quatro horas. Como não tinha respostas Às perguntas sobre futuros alvos nos EUA, os agentes espancaram-no e começaram a bater com a sua cabeça contra uma parede. Depois disso, foi colocado numa caixa ainda mais pequena, de 53cm de largura e 76cm de comprimento e altura. “Senti que ia explodir ao dobrar as pernas e as costas, ao ser impossível estivá-las nem que por breves momentos. A dor era tão forte que me fez gritar inconscientemente”, contou Zubaydah, que ainda está preso em Guantanamo, aos seus advogados. Em seguida o interrogatório prosseguiu com recurso a técnica de afogamento, sem qualquer resultado.

Na altura, a responsável pela prisão acusou o detido de estar a fingir sintomas de esgotamento psicológico e as torturas prosseguiram durante vários dias, mesmo quando já era evidente que o suspeito não possuía nenhuma informação nem tinha qualquer papel na organização de bin Laden, como a CIA julgava.

Mais tarde, quando casos semelhantes fizeram os olhos do mundo voltarem-se para as práticas de tortura da CIA durante a administração Bush, Gina Haspel, então promovida na hierarquia da agência, deu ordens para que as provas de tortura desse interrogatório – as gravações estavam em 92 cassetes vídeo –, guardadas no cofre da CIA na embaixada norte-americana na Tailândia, fossem destruídas. Nessa altura já era evidente que Zubaydah não fazia parte da al-Qaeda nem tinha qualquer informação sobre possíveis atentados nos EUA.

Os documentos da agência de espionagem agora revelados referem-se à nova vice-diretora da CIA como “chefe de base”. Ela assinava os telegramas enviados da prisão secreta para a sede da CIA sobre a evolução do interrogatório a Zubaydah. Ela era uma das duas pessoas presentes com o poder de parar os interrogatórios, mas nunca o fez, chegando até a parabenizar o detido pela qualidade da sua interpretação. “Bom trabalho! Gosto da forma como te babas; acrescenta realismo. Estou quase a acreditar. Nunca pensei que um homem crescido conseguisse fazer isso”, terá afirmado Gina Haspel, segundo o relato publicado em livro por um dos interrogadores.

Ainda segundo os relatos publicados por agentes da CIA, Gina Haspel deu ordens para que o corpo de  Zubaydah fosse cremado caso não resistisse às torturas que lhe infligia. Caso sobrevivesse, pediu garantias de que o prisioneiro fosse mantido em regime de isolamento para o resto da vida. Até agora, essas garantias foram cumpridas, apesar das ações judiciais interpostas em 2008 para libertar Zubaydah da prisão de Guantanamo.

Antes de ser capturado em 2002, o palestiniano estava na lista de procurados da CIA por gerir um campo de treino no Afeganistão, criado pela própria CIA durante a ocupação soviética. Embora o campo não estivesse ao serviço da al-Qaeda, os agentes suspeitavam que Zubaydah tivesse fornecido passaportes falsos e dinheiros a operacionais da organização de bin Laden.

A operação de captura teve lugar no Paquistão e Zubaydah sofreu ferimentos graves ao ser baleado. Segundo o Propublica, os médicos norte-americanos salvaram-lhe a vida e quando a situação clínica estabilizou foi drogado e levado numa viagem à volta do mundo, com escalas em vários países. O primeiro interrogador do FBI afirmou que Zubaydah, quando ainda estava hospitalizado, foi cooperante, fornecendo informações valiosas acerca da estrutura da al-Qaeda, que levaram à detenção de Jose Padilla por suspeita de preparação de atentados nos Estados Unidos.

Prisioneiro ainda está em Guantanamo, CIA deu ordens para o seu isolamento perpétuo

Quando os jornalistas começaram a fazer perguntas sobre a prisão secreta da CIA na Tailândia, as instalações fora encerradas e Gina Haspel deu instruções aos agentes para queimarem tudo o que pudessem. Zubaydah foi novamente drogado e transferido para outra prisão secreta da CIA, desta vez na Polónia. Em 2014, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Varsóvia a pagar 100 mil euros de indemnização a Zubaydah, que afirmou na altura ir entregar o dinheiro a vítimas de tortura.

Curiosamente, a ordem dada para a destruição das cassetes serviu para atrair ainda mais atenção sobre o programa de interrogatórios com tortura, que deu origem ao relatório do Senado sobre a tortura da CIA, expondo os casos de Zubaydah e tantos outros. Detido em Guantanamo desde 2006, Zubaydah foi um dos prisioneiros a exercer o direito concedido pelo Supremo Tribunal em 2008 a contestar a detenção num tribunal federal. Mas o seu caso tem sido arrastado ao longo dos anos por inação dos juízes, não permitindo que o prisioneiro conte a sua versão dos factos em tribunal, tal como a CIA prometera em 2002.

 

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