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Desmond Tutu: “Quando chegar a minha hora, quero ter a escolha da morte assistida”

Na véspera do seu 85º aniversário, o Nobel da Paz sul-africano e Arcebispo emérito da Cidade do Cabo afirma que o direito a morrer com dignidade faz parte da “compaixão que está no centro dos valores cristãos”. Leia aqui o artigo de Desmond Tutu, publicado no Washington Post.
Foto Niklas Maupoix/Bokmässan/Flickr

Ao longo da minha vida, tive a sorte de dedicar o meu tempo a trabalhar pela dignidade para os vivos. Lutei empenhadamente para que as pessoas no meu país e no mundo pudessem ter os seus direitos dados por Deus.

Agora que chego aos 85 anos, esta sexta-feira, com a minha vida mais perto do fim que do início, quero ajudar a dar às pessoas dignidade na morte. Tal como defendi com firmeza a compaixão e a justiça na vida, acredito que as pessoas com doenças terminais devem ser tratadas com a mesma compaixão e justiça quando chega o momento das suas mortes. Quem está a morrer tem o direito de escolher como e quando vai deixar a Mãe Terra. Eu acredito que, ao lado dos maravilhosos cuidados paliativos existentes, as suas escolhas devem incluir uma morte assistida digna.

Assistimos a evoluções promissoras nos últimos tempos na Califórnia e no Canadá, onde a lei permite agora a morte assistida para doentes terminais, mas ainda existem no mundo muitos milhares de pessoas que estão a morrer e a quem é negado o seu direito à morte com dignidade. Há dois anos, anunciei a mudança da minha oposição durante a vida inteira à morte assistida, num artigo no Guardian. Mas fui mais ambíguo sobre a questão de pretender pessoalmente essa escolha, ao escrever: “Diria que não me importava”. Hoje, eu próprio me encontro, por assim dizer, mais perto da zona das partidas do que das chegadas e os meus pensamentos voltam-se para a forma como quero ser tratado quando chegar o momento. Mais do que nunca, sinto-me agora obrigado a dar a minha voz a esta causa.

Eu acredito na santidade da vida. Sei que todos vamos morrer e que a morte faz parte da vida. Os doentes terminais têm controlo sobre a sua vida, então porque é que lhes devem recusar o controlo sobre as suas mortes? Porque é que, em vez disso, tantos são obrigados a suportar uma dor e sofrimento terríveis contra a sua vontade?

Eu preparei-me para a minha morte e deixei claro que não desejo ser mantido vivo a todo o custo. Espero ser tratado com compaixão e autorizado a transitar para a próxima fase do caminho da vida da forma que escolhi.

Independentemente do que possa escolher para si, porque deve negar aos outros o direito de fazer esta escolha? Para os que sofrem insuportavelmente e estão a chegar ao fim das suas vidas, o simples facto de saberem que uma morte assistida está ao seu alcance pode dar um alívio incomensurável.

Saúdo todo aquele que tem a coragem de dizer, enquanto cristão, que devemos dar a quem está a morrer o direito a partir deste mundo com dignidade. O meu amigo Lord Carey, que foi arcebisto da Cantuária, tem defendido com veemência uma lei da morte assistida no Reino Unido. A sua iniciativa têm a minha bênção e apoio – tal como iniciativas semelhantes no meu país natal, a África do Sul, nos Estados Unidos e em todo o mundo.

Ao recusar a quem está à beira da morte o direito a morrer com dignidade, não estamos a mostrar a compaixão que está no centro dos valores cristãos. Rezo para que os políticos, legisladores e líderes religiosos tenham a coragem de apoiar as escolhas que os doentes terminais fazem ao partir da Mã Terra. Agora é o tempo para agir.


Artigo publicado no Washington Post a 6/10/2016. Traduzido por Luís Branco para os esquerda.net

 

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