Descontentamento na agricultura: o “joker” verde ao serviço do sistema

03 de março 2024 - 19:18

Questionar acordos de comércio livre, controlo dos preços e margens da grande agroindústria, garantir um rendimento agrícola pensado como condição para uma economia ecológica, a propriedade das terras, as lutas em torno da gestão e posse da água, são essenciais para desafiar o status quo. Por Claire Lejeune.

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Protesto de agricultores que exigem "uma outra agricultura". Foto do Contretemps.
Protesto de agricultores que exigem "uma outra agricultura". Foto do Contretemps.

O movimento dos agricultores em França é, ao mesmo tempo, evocativo do movimento dos "Coletes Amarelos" e radicalmente diferente deste na sua estruturação e nos seus resultados. Tal como no caso dos Coletes Amarelos, o movimento é espontâneo, difícil de delimitar, porque o ecossistema agrícola é uma manta de retalhos heterogénea de situações, tipos de agricultura, níveis de rendimento, técnicas utilizadas, com integrações diferenciadas nos mercados regionais, europeus e mundiais e visões antagónicas da própria profissão. Desde as mega-quintas e as giga-explorações, com os seus campos-fábrica saturados de pesticidas, até às explorações agro-ecológicas, é difícil, à primeira vista, encontrar pontos em comum.

No entanto, tal como no caso dos Coletes Amarelos, há de facto pontos de convergência nas palavras de ordem e nas reivindicações. Para além destas disparidades, para a maioria dos agricultores e camponeses que participam na luta, as condições de vida e de trabalho são cada vez mais brutais: elevados níveis de endividamento, baixos níveis de rendimento, exposição na linha da frente às flutuações de preços, bem como ao aleatório do clima e a episódios pandémicos de tipo epizoótico, tudo isto num contexto em que a viragem neoliberal da PAC (Política Agrícola Comum) e a continuação da assinatura de acordos de comércio livre colocam os agricultores "entre o martelo da competitividade e a bigorna do produtivismo" – enquanto as multinacionais agro-alimentares, por seu lado, batem recordes de margens, alimentando a inflação. A taxa de suicídio na profissão de agricultor é impressionante: um agricultor suicida-se a cada dois dias.

Onde há uma grande diferença entre o movimento agrícola e o dos Coletes Amarelos é na sua vulnerabilidade à captura política, devido à sua inclusão numa estrutura “sindical” agrícola [a FNSEA] que, por sua vez, está integrada num modelo de co-gestão com o Estado. De facto, é muito fácil ver quem, no movimento, detém o poder, forja a narrativa mediática dominante, conduz as negociações com o governo e parece mesmo ditar-lhe decisões. Os grandes sindicatos agrícolas, liderados pela FNSEA e pelos Jeunes Agriculteurs, estão no centro das atenções, apesar de as suas sucessivas direções terem defendido sistematicamente, de mãos dadas com os governos, uma agricultura industrializada e orientada para a exportação – precisamente o tipo de agricultura que está na raiz da tormenta.

Conseguiram mais ou menos encobrir as vozes dos sindicatos alternativos (a Confédération Paysanne, em particular), mas também as vozes plurais das bases do movimento, com um "greenblaming" [neologismo utilizado para descrever a tendência para fazer da ecologia o bode expiatório, para apontar a ecologia como responsável pelas crises][1], visando as normas e regulamentações ambientais como fonte de raiva.

Duas nuances do greenblaming: a transição sob condições ou nenhuma transição

O greenblaming assume, na FNSEA, a forma não de uma rejeição frontal e assumida da ecologia, mas de uma exigência mais insidiosa de acomodação e de despriorização da trajetória de transição. Numa situação em que é necessário preservar a competitividade da agricultura francesa e o seu poder de exportação, mas também responder às queixas dos agricultores sobre a dureza das suas condições, agravadas pelas complexidades que acompanham as regulamentações verdes, não há, em última análise, outra escolha: é preciso abrandar, fazer uma pausa, adiar e diminuir os objetivos de redução da utilização de insumos químicos e de preservação dos solos, de retirada de terras da produção, etc.

Esta variedade de greenblaming está intimamente ligada a uma visão “ganhador-ganhador” – tipicamente liberal – da transição ecológica: as políticas verdes são aceitáveis se e só se puderem ser incorporadas nas grandes coordenadas materiais e regulamentares do modelo económico capitalista; a crise climática só é reconhecida e assumida na medida em que possa ser traduzida em oportunidades, em investimentos rentáveis, numa fonte de renovação do ciclo de acumulação. A partir do momento em que as ruturas e as crises metabólicas que estruturam este modelo se manifestam – sob a forma de revoltas como a dos camponeses – e o imperativo de transformação estrutural começa a emergir, as políticas verdes são o primeiro sacrifício a ser feito, e um sacrifício que é feito rápida e visivelmente, sem demasiados arrependimentos.

No entanto, este greenblaming assume uma forma mais definitiva e ideológica com a Coordination Rurale, um sindicato em ascensão, sendo alguns dos seus membros reputados como próximos da extrema-direita, e que, por seu lado, é aberta e vocalmente anti-ecológico. Nesta vertente, a oposição aos acordos de comércio livre é conjugada com uma rejeição total e brutal da transformação ecológica do modelo agrícola. Estas duas vertentes do greenblaming constituem vozes distintas, mas uniram-se para anular os compromissos ambientais, já de si muito fracos, assumidos pela União Europeia (no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e, nomeadamente, do programa "Farm to Fork") e pela França (nomeadamente no âmbito do plano Ecophyto, agora "suspenso").

A "vitória" das negociações e da batalha travada pela FNSEA e pelos Jovens Agricultores resume-se, em grande parte, a isso: trata-se de disfarçar os retrocessos ecológicos como uma vitória social. Há que constatar: as políticas ecológicas estão a tornar-se a variável de ajustamento para gerir as crises do capitalismo global – no mundo agrícola como noutros domínios. Só que isso não resolve nada, como o prova a persistência do movimento.

Enterrar a crise, manter o status quo: o novo papel do "joker" verde

As discussões e as negociações na cimeira não abordaram – numa primeira fase – a questão do controlo dos preços ou das quantidades (preços mínimos, quotas, stocks para suavizar os preços, etc.), nem a das margens crescentes da agro-indústria. Também não puseram em causa substancialmente os acordos de livre-comércio e a exposição crescente da agricultura francesa a uma dupla competição europeia e global, nem contestaram o imperativo da produção máxima, que estrangula os agricultores e contradiz completamente os objetivos de sustentabilidade. Assim, devemos interrogar-nos mais uma vez: porque é que o capitalismo sai sempre relativamente ileso dos movimentos sociais contemporâneos, e da crise agrícola em particular, quando estes revelam cada vez mais claramente as contradições deste sistema?

A construção narrativa e política da crise como um dilema entre o "social" e o "ecológico" é aqui uma parte importante da explicação. Consiste em isolar e opor o "social", por um lado, e as políticas adotadas em nome da transição ecológica, por outro, sublinhando os constrangimentos e custos sociais destas últimas. Cria uma situação na qual os apoiantes do status quo podem, de forma convincente, fazer com que a resolução da crise pareça exigir um compromisso entre as retribuições "sociais" e a transição verde. Com este artifício, podem apresentar os retrocessos e as concessões ecológicas como vitórias sociais – sem tocar nos fundamentos do sistema produtivista ou na arquitetura material do capitalismo, e sem responder às reivindicações sociais substanciais que, no entanto, são omnipresentes no movimento dos agricultores.

Este dilema, tal como é apresentado pelos porta-vozes do greenblaming, é uma invenção baseada na invisibilização e na naturalização da principal variável a visar: os múltiplos constrangimentos e contradições gerados pela inscrição do mundo agrícola nos fluxos do capitalismo globalizado; o ataque aberto do capitalismo aos meios de subsistência, aos trabalhadores e à natureza no seu conjunto.

Propusemos aqui visualizar esta situação como a de um "trilema" amputado num dilema: o "dilema" entre o social e o ecológico só aparece como tal na condição de que o terceiro e principal determinante, a saber, o quadro competitivo do capitalismo global, seja deixado fora do campo de negociação. A partir do momento em que este é incluído, a relação entre o social e o ecológico deixa de assumir a forma de uma oposição e passa a ser uma potencial continuidade integrada – conseguida através da alteração das coordenadas capitalistas de produção e reprodução ecossocial.

A criação de um trade-off [« troca », ou concessão de uma coisa por outra] entre a defesa "social" dos agricultores e uma bifurcação agro-ecológica desvia a atenção da acumulação de pressões ligadas ao imperativo da competitividade no seio do capitalismo: a essência deste tour de force é concentrar a atenção no novo constrangimento gerado pelas regulamentações ambientais e torná-lo o coração dos males do mundo agrícola. Nesta base, a FNSEA, os Jovens Agricultores e Matignon [residência oficial do primeiro-ministro francês] rasgaram o fraco plano Ecophyto, obtiveram o congelamento das taxas de GNR [Gasoil Non Routier, o gasóleo não rodoviário que inclui o gasóleo de uso agrícola ou em trabalhos públicos] e alguns subsídios: segundo eles, a crise está em vias de "resolução".

A abertura mais que tempestuosa do Salão da Agricultura, com a visita turbulenta do Presidente da República, é um sinal claro de que isso está longe de acontecer: a crise está profundamente enraizada e o movimento persistirá sem uma resposta estrutural. É de salientar a vitória ideológica que representa a adoção pelo Eliseu [residência oficial do presidente francês] da proposta de preços mínimos, apresentada pela Confédération Paysanne e que foi objeto de um projeto de lei da France Insoumise em novembro de 2023 (rejeitado por apenas seis votos). Denunciada como demagógica e "bolchevique" pelo Ministro da Agricultura, Marc Fesneau, reapareceu agora na boca do Presidente.

Por detrás da exibição, como no caso do relançamento pelo Governo do conceito de "planificação ecológica", resta saber se e como será posta em prática: segundo o Eliseu, não se trataria de garantias de preço, mas de desenvolver "indicadores de produção em cada fileira", ou seja, de ajudar o mercado a definir o "preço certo", em vez de o garantir com base em critérios extra-mercado (sociais e ecológicos).

Assim, parece que os movimentos populares do Capitaloceno não se prestam bem às conciliações empresariais. Tornam mais difícil a captura política da gestão das crises e sublinham o carácter "ingerível" das crises contemporâneas no seio do status quo neoliberal, cujos defensores têm agora duas respostas possíveis: (1) abrir brechas mais ou menos profundas no seu software (falando de planeamento ecológico ou de preços mínimos); (2) reprimir – como foi o caso dos Coletes Amarelos, dos movimentos ambientalistas, e como será talvez o caso amanhã para os agricultores, se o movimento persistir.

Materializar o ecossocial contra o dilema "social/ecológico

No plano concetual, é preciso assim resistir à tendência de colocar o social de um lado e a ecologia do outro em duas caixas negras, o que os tornaria duas esferas totalmente distintas da realidade e da existência – e, portanto, potencialmente contraditórias ou antagónicas. Isto é possível graças a uma abordagem materialista, partindo das condições substanciais de existência e de interdependência, regressando a uma teoria das necessidades, e permitindo afirmar a continuidade integrada do ecossocial, quer na versão monista à la Jason Moore[2], quer com a manutenção do dualismo ontológico, como nos trabalhos de John Bellamy Foster e Paul Burkett[3] ou Kohei Saito[4].

Herdámos uma construção intelectual, prática e jurídica do "social" carregada pelo dualismo cartesiano moderno e pelo produtivismo[5]: a construção das funções sociais do Estado assentou em paradigmas (crescimento, produtivismo, consumismo) que o Antropo-Capitaloceno nos obriga a rever.

Na raiz do dilema: o impossível capitalismo verde [6]

De um ponto de vista mais diretamente político, é preciso ter em conta o risco de essencializar e uniformizar as conceções da bifurcação ecológica. Existe atualmente, indubitavelmente, uma forma de assunção política da responsabilidade pelas questões ecológicas e climáticas, que se inscreve no quadro do capitalismo e procurando, com diferentes graus de sinceridade e sucesso, torná-lo mais verde, promovendo trajetórias de descarbonização.

Neste contexto, há uma tendência para designar "transição ecológica" como correspondendo a uma série de medidas e dispositivos implementados dentro ou a partir do quadro económico pré-existente, o que congela a ecologia num modelo único, reduzindo-a a ela e, em última análise, a despolitiza [7]. Quando este modelo de transição cria tensões, suscita convulsões e reivindicações, a conclusão é que a "transição" é difícil, se não impossível.

É então útil recordar que a ecologia não é um monólito, não é unívoca nem evidente. É um vasto campo de batalha onde colidem mil possibilidades antagónicas em termos de escolha do modelo económico, das técnicas utilizadas, das infraestruturas, dos instrumentos, das instituições, das constituições, das hierarquias sociais, das (re)distribuições do poder e da propriedade, das geografias e dos imaginários. Está sujeita a múltiplas apropriações e adaptações que não podem ser reduzidas umas às outras. Por outras palavras: a definição de um objetivo "net zero" [não libertar mais gases com efeito de estufa na atmosfera do que os reservatórios naturais e artificiais são capazes de absorver] até 2050 não diz absolutamente nada sobre o caminho percorrido para o alcançar, nem sobre o mundo que irá moldar.

O greenblaming no seio do movimento agrícola instala-se, portanto, em parte, em reação a um certo tipo de política e de regulamentação ambiental, conduzida pela União Europeia, e cujos pormenores devem ser aprofundados para compreender como o "dilema" socioecológico é construído e acaba por impedir qualquer transformação substancial. A PAC (Política Agrícola Comum), política central da integração europeia desde 1962, foi originalmente uma política de intervenção e de acompanhamento público à modernização (numa versão claramente produtivista), organizando quotas, constituindo stocks para suavizar os preços e manter a estabilidade dos rendimentos dos agricultores e garantindo os preços.

No entanto, em 1992, a PAC sofreu uma viragem neoliberal, nomeadamente com a inclusão da "dissociação" dos pagamentos das ajudas: foi então introduzido um prémio uniforme por hectare, independente da produção, o que levou as explorações agrícolas a aumentar as suas propriedades e, consequentemente, a endividarem-se. Pouco a pouco, as proteções e garantias foram suprimidas, em nome da concorrência leal e da capacidade de auto-ajustamento dos mercados; os agricultores foram encontraram-se muito diretamente expostos às variações de preços e às restrições impostas pelos transformadores e distribuidores.

Paralelamente, foi assinado um grande número de acordos de comércio livre (cerca de quarenta estão em vigor em todos os continentes e muitos outros estão em fase de negociação ou de entrada em vigor, como o CETA), submetendo os agricultores dos sectores em causa a uma concorrência não apenas europeia mas mundial, que beneficia quase exclusivamente os grandes produtores exportadores (nomeadamente os grandes produtores de cereais).

É neste contexto que se impõem as políticas de regulação ambiental, com a integração do clima e da biodiversidade nas políticas europeias. Com efeito, ao martelo do produtivismo e à bigorna da concorrência mundial, juntam-se as restrições regulamentares, perfeitamente justificadas e necessárias do ponto de vista do imperativo ecológico, mas que podem ser entendidas como parte do problema quando são introduzidas num contexto de concorrência e de corrida à produção sem controlo dos preços, sem segurança dos rendimentos, sem visibilidade para o futuro.

As políticas verdes não caem do céu, nem aterram num campo virgem: são construídas de acordo com racionalidades políticas herdadas – no caso da Europa, a do ordoliberalismo [doutrina neoliberal desenvolvida por economistas e juristas alemães a partir dos anos 30, que inspirou fortemente as políticas alemãs e europeias após a Segunda Guerra Mundial] – e são introduzidas nas ranhuras de circuitos produtivos e reprodutivos plenamente integrados no movimento do capitalismo global, nos seus constrangimentos e contradições.

Os riscos de uma transição por "mitigação do risco" do capital privado

Para além da atual "ecologização" do sector agrícola, a nova série de políticas climáticas – quer se trate do Inflation Reduction Act [vasto plano de ajuda à indústria e à economia norte-americana implementado pela presidência Biden] ou do Pacto Verde europeu – segue uma dinâmica semelhante e cria igualmente o risco de uma “troca (trade-off) entre ecologia e o social. Apesar do carácter inédito dos montantes atribuídos e dos instrumentos de regulação utilizados, a mesma invisibilização e naturalização do terceiro polo do trilema – o do modelo económico – está em ação. Ela poderia prefigurar a escalada de uma oposição entre o social e a transição.

No essencial, e de maneira aliás muito explícita, o objetivo destas novas políticas é preservar o quadro de crescimento, o da globalização (assistimos mesmo à emergência de uma nova etapa da globalização, a partir da construção de cadeias de abastecimento de minerais críticos) e o equilíbrio de forças caraterísticas do capitalismo.

No caso europeu, trata-se de conciliar a estabilização climática e a estabilização orçamental através de um regresso às políticas de austeridade. O trabalho de Daniela Gabor[8] permite identificar precisamente como a lógica continua a ser principalmente a de “reduzir o risco” dos mercados, em vez de questionar a sua lógica fundamental. Trata-se essencialmente de “escoltar” o capital privado para os mercados, ativos e investimentos verdes, aliviando o seu movimento de qualquer risco, sem no entanto impor em contrapartida uma disciplina ao ritmo da transformação, nem aos impactos redistributivos que ela implica.

A dimensão "justa" da transição é fortemente afirmada no enquadramento e na retórica do Pacto Verde Europeu (a expressão consagrada e repetida é a de uma transição que "não deixa ninguém para trás"), mas só tenta corrigir os efeitos distributivos potencialmente prejudiciais das políticas verdes a posteriori. Para além disso, o montante do Fundo para uma Transição Justa foi drasticamente reduzido durante as negociações.

A potencial precariedade social das vias de transição que estes planos verdes geram, e a sua inclusão nas coordenadas do capitalismo sem um contra-movimento substancial (que poderia ser assegurado, por exemplo, por um planeamento ecológico e um protecionismo solidário organizado pelo Estado), são um prenúncio de novas crises e de convulsões sociais mais amplas. Dado o atual estado do campo político e o crescente domínio da extrema-direita, é também de esperar a sua instrumentalização numa narrativa "anti-ecológica" e (falsamente) "social".

*

A formulação e a direção da narrativa em torno das crises do Capitaloceno constituem, portanto, uma questão estratégica crucial. De momento, a configuração da narrativa destas crises e as "soluções" propostas para regular e/ou reprimir os seus sintomas continuam a alimentar a ideia de que haveria um compromisso necessário entre a manutenção de condições sociais mínimas e a bifurcação ecológica, tudo dentro de um quadro capitalista naturalizado, pouco questionado e, em última análise, afastado do campo da negociação. É importante dotarmo-nos dos meios para evitar a armadilha do dilema “social versus ecológico” e (re)introduzir o antagonismo com os componentes do capitalismo.

Isto disputa-se primeiro dentro do próprio movimento, apoiando – contra a captura política pela FNSEA – as vozes que se recusam a ficar presas neste compromisso e fazem da mudança do modelo económico agrícola a condição de uma verdadeira saída da crise. Isto passa também pela continuação do projeto intelectual, já em grande parte em curso, de afirmar o caráter inseparável da justiça social e da bifurcação ecológica – e a sua condição: implementar como variável de ajustamento não as condições sociais, não o planeta e os seres vivos, mas as coordenadas materiais do capitalismo.

O questionamento dos acordos de comércio livre (não só os que estão atualmente a ser negociados mas também os que estão em vigor), a questão do controlo dos preços e das margens dos grandes agro-industriais, a da garantia de um rendimento agrícola pensado como condição para uma economia ecológica justa a transição, a da propriedade das terras agrícolas (bem como a sua transmissão), as lutas em torno da gestão e posse da água, são todos temas através dos quais esta cólera agrícola poderá encontrar caixas de ressonância.


Claire Lejeune é investigadora em teoria política, trabalha sobre o planeamento ecológico e os seus antecedentes concetuais e é ativista de La France Insoumise e co-organizadora do departamento de investigação do Institut La Boétie sobre planeamento ecológico.Texto publicado originalmente na revista Contretemps. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.


Notas:

[1] Cf. la note « Greenblaming, la construction de l’épouvantail écologique » do coletivo Construire l’écologie, janvier 2024.

[2] Moore, Jason W., Capitalism in the Web of Life: Ecology and the Accumulation of Capital, Londres & New York, Verso, 2015.

[3] Foster, John Bellamy, & Burkett, Paul, Marx and the Earth: An Anti-critique, Leiden, Brill, 2016.

[4] Saito, Kohei, Marx in the Anthropocene: Towards the Idea of Degrowth Communism, Cambridge Mass., Cambridge University Press, 2023.

[5] Dermine, Elise, & Dumont, Daniel,  « Le droit social et le productivisme. Droit de la croissance ou droit de l’autonomie? Une cartographie du rapport de forces », in Bailleux, Antoine (dir), Le droit en transition. Les clés juridiques d’une prospérité sans croissance, Bruxelles, Presses Universitaires de Saint-Louis-Bruxelles, 2020, p. 207-244 [en ligne].

[6] Tanuro, Daniel, L’impossible capitalisme vert, Paris, La Découverte, 2015.

[7] Swyngedouw, Erik,  “The non-political politics of climate change”, ACME: An International Journal for Critical Geographies, vol. 12, n° 1, 2013, p. 1-8.

[8] Gabor, Daniela, « The (European) Derisking State », Center for Open Science, 2023.