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Despenalização do aborto: 10 anos da vitória do SIM

A 11 de fevereiro de 2007, o "sim" venceu o referendo pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas, a pedido da mulher, por 59,25% dos votos.
Cartaz do Bloco pelo SIM na campanha pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Cartaz do Bloco pelo SIM na campanha pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

"Esta vitória correspondeu ao empenho de movimentos cívicos e de organizações políticas, mas também ao envolvimento de cada cidadão e de cada cidadã, que na sua diversidade souberam dar um contributo sereno e sério a este debate que foi entusiasmando, ao longo das últimas semanas, toda a sociedade". As palavras foram proferidas na noite de 11 de fevereiro de 2007 por Maria José Alves, médica obstetra e ginecologista, que reagiu, em nome dos movimentos pelo SIM, à vitória do referendo pela depenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) a pedido da mulher.

A noite de 11 de fevereiro foi o culminar de décadas de luta pelo acesso das mulheres a poderem decidir sobre o seu corpo e as suas vidas. Os movimentos pelo SIM reuniram um largo espectro de organizações, grupos, partidos e pessoas que conseguiram mobilizar a sociedade numa campanha dinâmica e interventiva. O referendo realizou-se quase nove anos depois do referendo de 1998 e nele participaram mais um milhão de cidadãs e cidadãos, que, com 59,25% dos votos, exprimiram uma clara vontade de mudança da sociedade.

"Finalmente estão criadas as bases para que todas as mulheres tenham um acesso igual ao acompanhamento médico. Finalmente as mulheres irão ser tratadas com o respeito e a dignidade que merecem e finalmente Portugal junta-se aos restantes países do mundo ocidental no respeito e na efetivação dos direitos humanos. A partir de hoje, abriu-se um caminho para um Portugal mais justo, mais humano e mais solidário" concluiu Maria José Alves.

"Nos próximos dias, poderemos entrar finalmente no século XXI e na Europa"

Francisco Louçã, então coordenador do Bloco, reagiu na mesma noite, afirmando que "a democracia vinculou o parlamento e vinculou a decisão política nacional à despenalização do aborto e ao combate ao aborto clandestino. São vitoriosos os homens e as mulheres que, todos diferentes, se juntaram num SIM para mudar a lei. São também vencedores todos os católicos que, em grande maioria, votaram pelo sim em liberdade de consciência e no exercício da sua responsabilidade democrática".

"Nos próximos dias, a lei deverá ser regulamentada para impedir que a objeção de consciência obstaculize o Serviço Nacional de Saúde. Nos próximos dias, nós poderemos entrar finalmente no século XXI e na Europa em que queremos estar", acrescentou.

Da prisão à depenalização

Até 2007, a IVG era um crime punível com até três anos de prisão. Entre 1998 e 2007, foram investigados 223 crimes de aborto. Num país em que uma em cada sete mulheres afirmava já ter abortado, a hipocrisia de se dizer que a lei não era cumprida era insustentável. Desde a sua legalização, o número de IVGs tem vindo a diminuir e a contraceção a aumentar, segundo dados da Direção Geral da Saúde. A esmagadora maioria das mulheres que recorre à IVG fá-lo uma única vez e em condições de segurança, o que se traduziu na erradicação da mortalidade materna relacionada com o aborto.

De 2008 a 2014, o número de IVGs diminuiu 10% e Portugal está abaixo da média europeia da totalidade de IVGs realizadas. Segundo o semanário Expresso, de 2001 a 2007, registaram-se 14 mortes maternas relacionadas com o aborto. De 2008 a 2012 houve uma morte materna relacionada com o aborto legal e nenhuma morte materna fora do quadro legal. Desde 2012, não se registou nenhuma morte materna relacionada com o aborto.

Portugal tem dos limites de idade mais baixos de idade gestacional para interromper a gravidez. Em Espanha, França, Bélgica e Alemanha, a IVG poderá ter lugar até às 14 semanas; em Portugal só é permitida até às 10 semanas.

"Nunca está tudo conquistado”

No final da última legislatura, o governo do PSD e do CDS introduziram taxas moderadoras nas IVGs. Em plena crise económica e sabendo que o aborto tem maior incidência entre desempregadas e trabalhadoras não qualificadas, esta medida humilhante perseguia as mulheres mais pobres. Aquando da formação do novo governo, a maioria parlamentar revogou a medida anterior e repôs a justiça no acesso a um procedimento médico que tem de estar disponível a qualquer mulher.

Num almoço de celebração dos 10 anos da vitória do referendo, Catarina Martins afirmou que “em Portugal avançámos muito mas nunca está tudo conquistado”. “A anterior maioria tentou voltar atrás e obrigar as mulheres a procedimentos que as humilhavam no momento de decidirem a interrupção voluntária da gravidez”. “Foi importante uma nova maioria para que a dignidade das mulheres fosse respeitada”, salientou Catarina Martins.

“Numa Europa em que vemos o retrocesso dos direitos das mulheres, seja na Polónia, com a tentativa de uma lei verdadeiramente penalizadora em relação às mulheres, seja na Rússia, onde se permite a violência doméstica contra as mulheres, no momento em que vemos tantos retrocessos, é preciso lutar por aqueles direitos que falta conquistar tanto em Portugal como no mundo”, concluiu Catarina.

Em baixo podes ver os vídeos das declarações de Maria José Alves e de Francisco Louçã. Ao longo desta notícia podes ver vários vídeos curtos que foram feitos para a campanha pelo SIM.

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