Cuidados de saúde de Ovar empurrados para a nova ULS de Aveiro

10 de setembro 2023 - 11:17
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Após perda de valências do hospital de Ovar e contra a vontade da população, a nova organização do SNS empurra sem critérios compreensíveis a referenciação hospitalar dos seus cidadãos para o Hospital de Aveiro Infante D. Pedro. Por José Lopes.

Hospital Dr. Francisco Zagalo – Ovar
Hospital Dr. Francisco Zagalo – Ovar. Foto Min. Saúde.

A nova organização dos cuidados de Saúde foi propagandeada pelo governo de maioria absoluta (PS), como “a grande reforma do SNS para 2024”. Um projeto-lei que se propõe “mudar a forma como o SNS se organiza”, através de 31 novos modelos de Unidades Locais de Saúde (ULS), que deverão entrar em funcionamento a partir de 1 de janeiro de 2024, para “responder ao aumento das necessidades em saúde e bem-estar da população, associados ao envelhecimento, à carga de doenças, e às suas crescentes exigências e expetativas”. Uma argumentação pouco coerente com a ULS desenhada para a Região de Aveiro no que diz respeito a Ovar.

As implicações desta nova organização do SNS, no caso concreto da população do concelho de Ovar, com um longo historial de perda de valências na área da saúde, empurram sem critérios compreensíveis a referenciação hospitalar dos seus cidadãos para o Hospital de Aveiro Infante D. Pedro, no âmbito da ULS da Região de Aveiro. 

Perante tal imposição, volta a repetir-se o lema “Aveiro Não!”, apesar da sua ambiguidade, uma vez que não põe em causa a lógica política das ULS e seus critérios de gestão empresariais na saúde, que não deixam verdadeira alternativa a hospitais como o Hospital de Ovar Dr. Francisco Zagalo,. Este nunca veio a integrar qualquer Centro Hospitalar, ainda que vivendo uma espécie de agonia de subsistência, com investimentos desarticulados de uma coerente estratégia de serviço público no SNS, que assim acaba ingloriamente condenado a ficar dependente de uma ULS sem proximidade com a população de Ovar.  

Volta assim a ganhar forma a contestação e resistência das populações a esta medida inserida na nova organização dos serviços de Saúde, apresentada recentemente pelo Ministério da Saúde, que em Ovar dá origem à mobilização para mais uma manifestação no dia 30 de setembro deste ano. Mobilização fundamental para poder travar, no parlamento e na rua, esta ameaça que vem pairando sobre os serviços de Saúde. As preocupações já algum tempo se vinham fazendo sentir, ainda que com diferentes expectativas dos próprios autarcas, que foram deixando caminho aberto para o governo prosseguir objetivos que vinha ensaiando e medindo o pulso da população. Esta precisa de construir a unidade na luta contra a sua inclusão na nova ULS da Região de Aveiro, para a qual, afrontosamente se vê encurralada, contrariando as promessas contraditórias de uma espécie de “exceção” para Ovar, que foram contribuindo para adormecer e desmobilizar, perante o mal menor que representaria a referenciação ao hospital mais próximo, o São Sebastião (Santa Maria da Feira) da ULS de Entre Douro e Vouga.

A recente decisão governamental relativamente à integração dos Serviços de Saúde de Ovar no designado novo modelo de ULS da Região de Aveiro, já há um ano tinha voltado a despertar a atenção da população e dos autarcas do concelho de Ovar, aparentemente ultrapassados pelos acontecimentos. Mas é também o culminar de uma intenção da política do governo para a Saúde que se vem protelando no tempo, acabando igualmente com qualquer pretensão de uma proposta alternativa que passaria por uma ULS em Ovar, o que chegou a reunir um consenso mais alargado entre as várias forças partidárias representadas nos órgãos autárquicos.

O presente processo da referenciação para Aveiro, que a população de Ovar não quer dar como encerrado, voltou a animar um debate que tem vindo episodicamente a questionar as anteriores propostas de ULS, vindo também a reavivar as reivindicações de reforço do Hospital de Ovar, reconhecidamente fragilizado, nomeadamente a reabertura do Serviço de Urgências Básicas (SUB) entre outras valências, bem como a reabertura dos Polos de Saúde que estiveram demasiado tempo encerrados pós Covid. 

No entanto, o reclamado SUB no Hospital de Ovar, que perante a degradação dos serviços de saúde ganhou simpatia e adesão junto da população, quando há um ano já era contestada a referenciação para Aveiro. A resposta do diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, foi de rejeição de qualquer tentativa de se desviar do caminho para Aveiro, deixando transparecer uma premeditada estratégia devidamente concertada para atingir o objetivo, que acabou por culminar na atual organização dos cuidados de saúde, que determina a passagem de Ovar para a ULS da Região de Aveiro, recentemente apresentada pelo ministério da Saúde e pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que ironicamente e inconsequentemente o PS de Ovar agora pede demissão.

Aprovado á margem dos próprios profissionais da Saúde, o novo modelo de organização para o SNS em que as ULS propostas assumem uma gestão conjunta de hospitais e centros de saúde, com a novidade do financiamento em função dos doentes, não deixará certamente de ter determinado a nova ULS da Região de Aveiro, a não abdicar dos potenciais recursos financeiros que podem representar uma população com mais de 50 mil habitantes (Ovar), empurrando de forma surrealista, independentemente das possíveis alternativas de melhoria de acessibilidades a cuidados de saúde, a população de Ovar para Sul: Aveiro num primeiro nível e Coimbra num segundo nível, para exames específicos. Quando há ULS, a exemplo de Entre Douro e Vouga ou a de Vila Nova de Gaia/Espinho ali ao lado do território do concelho de Ovar.

Ovar vem perdendo valências a “troco” de alternativas efémeras

As sucessivas políticas para organização dos serviços de Saúde, sempre em nome da racionalização dos serviços públicos, implicam a rentabilização de meios e centralização de serviços, que resultam das estratégias dos diferentes governos (PS e PSD), que no essencial foram dando continuidade aos caminhos desbravados por uns e outros. Recorrendo à realidade de Ovar, têm sido várias as valências hospitalares que foram sendo encerradas, sempre em nome da oferta de melhores serviços para as populações. Argumentos sustentados pela oferta proporcionada pelo então recém construído Hospital de São Sebastião na Feira (abertura, janeiro de 1999), que viria a “secar” os hospitais dos concelhos envolventes, na linha dos objetivos dos vários governos, que nunca revogaram as medidas que contestaram enquanto oposição ao governo da altura, ou na gestão de municípios cujas populações vão sendo sacrificadas na área da Saúde, cuja difícil transferência de competências para os municípios só poderá ter tendência a agravar-se.  

Ainda que as sucessivas medidas de esvaziamento de valências no Hospital de Ovar tenham tido a resposta possível de contestação e resistência por parte da população e dos órgãos autárquicos, as decisões dos vários governos tiveram sempre como uma espécie de “troca”, ou “contrapartida”, a garantia do Hospital de São Sebastião que inevitavelmente se debateu com o congestionamento das suas Urgências. Nova e moderna unidade hospitalar que era preciso rentabilizar, justificando o encerramento da Maternidade (Maio de 1999) e consequentemente os serviços que lhe eram inerentes, como o planeamento familiar, cirurgia ginecológica e exames ecográficos. Seguiu-se a perda da valência da Pediatria (janeiro de 2007) e dos Serviços da Urgência-SAP-SU (Abril de 2007). Política de encerramento de urgências hospitalares que tornaram na altura o distrito de Aveiro o mais fustigado.

Ainda na sequência do fecho das Urgências-SAP-SU a população de Ovar passou a ser servida por uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) com TAE (Outubro de 2007) com base no Hospital de Ovar. Organismo do Ministério da Saúde fundado em agosto de 1981, que reflete hoje tantas outras preocupações nas necessidades de resposta no âmbito da Emergência Médica.

De promessa em promessa com as “vantagens” do São Sebastião como “troca” para as perdas de valências, o governo sem respeito pelo percurso de uma população que ao longo dos anos vêm sendo sacrificada no acesso a serviços de Saúde, agora sem precisar de recorrer a argumentos cínicos, tenta fazer xeque-mate com a integração de Ovar na ULS da Região de Aveiro.

No tabuleiro da luta, é preciso virar o jogo!

José Carlos Lopes, Ovar.