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Croácia: candidato do centro-esquerda vence presidenciais

O antigo primeiro-ministro Zoran Milinković, do oposicionista Partido Social Democrata (SDP), foi eleito este domingo presidente da Croácia, ao derrotar na 2ª volta a presidente cessante, do principal partido do governo.
Zoran Milanović
Zoran Milanović na noite eleitoral de domingo. Foto publicada no site do SDP.

O antigo primeiro-ministro Zoran Milanović, do oposicionista Partido Social Democrata (SDP), de centro-esquerda, foi eleito, este domingo, presidente da Croácia, ao derrotar, na 2ª volta das eleições presidenciais, a presidente cessante, Kolinda Grabar-Kitarović, da conservadora Comunidade Democrática Croata (HDZ), o principal partido do governo.

Na 1ª volta, realizada duas semanas antes, o vencedor fora já o mais votado, mas não atingira os 30% dos votos, sendo a sua margem sobre a derrotada e o terceiro candidato relativamente escassa.

De acordo com a Constituição croata, para ser eleito logo no 1º turno, um candidato tem de obter mais de 50% de todos os votos entrados nas urnas, brancos e nulos incluídos. Na ronda decisiva, basta uma maioria simples.

Para além do seu partido, Milanović assegurou o apoio de mais 12 forças políticas do centro, centro-esquerda, esquerda, verdes e regionalistas e prometeu, na sua campanha, lutar por uma Croácia mais aberta à Europa e ao mundo. Na 1ª volta, venceu em Zagreb e na sua área metropolitana, no Noroeste e no Oeste.

Já Kolinda Grabar-Kitarović, formalmente independente (o presidente tem de se desvincular, obrigatoriamente, do partido a que pertence, caso seja aderente de algum), mas, na prática, pertencente ao HDZ, teve o apoio de mais três pequenos partidos de centro-direita e da direita radical. A sua campanha assumiu um caráter mais nacionalista e soberanista, com ênfase na defesa da identidade croata. No 1º turno, venceu no Centro e Sul do país.

Quem esteve prestes a causar uma surpresa na 1ª volta foi Miroslav Škoro, um independente apoiado por sete formações, algumas delas ex-parceiros de coligação do HDZ, na sua maioria da direita radical, embora nelas se incluíssem uma força de centro-direita e uma ecologista conservadora. O candidato é um conhecido cantor popular e obteve o voto, não apenas de setores nacionalistas, mas também de eleitores descontentes com os dois principais partidos e conseguiu grande apoio entre os jovens. Venceu em várias províncias do Norte e Nordeste.

O descontentamento do eleitorado levou à profusão de candidatos independentes, com agendas populistas, em especial contra a corrupção e por um governo pequeno, com destaque para o eurodeputado independente Mislav Kolakušić, que foi quarto no 1º turno, e de Dalija Orešković, que se candidatou, igualmente, como independente, mas é líder do pequeno partido anticorrupção START, sexta posicionada.

Já a candidatura de Dario Junčan tinha características satíricas. Para satirizar o presidente do município de Zageb, Milan Bandić, líder do partido de centro-direita BM 365, aliado do executivo conservador, e que esteve acusado de corrupção, mudou o seu nome para … Milan Bandić. E conseguiu ficar na quinta posição, quase com 5% dos votos, tendo chegado quase aos 9% na capital.

Também de carácter populista foi a candidatura de Ivan Pernar, fundador do Živi Zid (Parede Humana), formação inspirada no M5S italiano, mas que abandonou, formando um partido com o seu nome, que combina elementos da esquerda (defesa das nacionalizações, da laicidade do Estado e dos direitos LGBTI), dos verdes (preconiza políticas ambientalistas), mas também da direita liberal (opõe-se aos impostos sobre a propriedade) e populista (é anti-imigração e defende a construção de um muro nas fronteiras mais expostas). Advoga, ainda, a saída da UE e da NATO.

Mais ideológicas eram as da candidata da esquerda Katarina Peović, da Frente do Trabalho (RF), apoiada pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (SRP), do social-liberal Dejan Kovač, de Anto Đapić, do partido da extrema-direita DESNO e do etno-regionalista Nedjeljko Babić, pretenso defensor dos interesses das populações do Noroeste do país. Os seus resultados foram modestos ou, no caso dos dois últimos, residuais.

Eis os resultados da 1ª volta:
Zoran Milanović (centro-esquerda) 29,6%
Kolinda Grabar-Kitarović (centro-direita) 26,6%
Miroslav Škoro (direita) 24,5%
Mislav Kolakušić (independente) 5,9%
Dario Junčan (satírico) 4,6%
Dalija Orešković (independente) 2,9%
Ivan Pernar (populista) 2,3%
Katarina Peović (esquerda) 1,1%
Dejan Kovač (centro) 0,9%
Anto Đapić (extrema-direita) 0,2%
Nedjeljko Babić (etno-regionalista) 0,2%
Votos brancos e nulos 1,2%

A participação eleitoral ficou-se por uns escassos 51,2% dos eleitores.

Se o voto fosse puramente ideológico, Kolinda Grabar-Kitarović seria favorita na 2ª volta, pois contaria, no mínimo, com os votos de Škoro e Đapić, bem como alguns de outros candidatos.

Porém, a polarização era mais de outra ordem: contra ou a favor do governo, liderado pelo HDZ. Essa circunstância acabou por favorecer a candidatura de Milanović, líder do principal partido oposicionista, já que existe um forte descontentamento com o executivo, quer pelo fraco desempenho da economia, quer pelo aumento da corrupção.

Apesar de, na 2ª volta, a presidente cessante tivesse “puxado pela corda” nacionalista e soberanista, de forma a cativar a quase totalidade dos votantes de Škoro, falhou o seu propósito. Na verdade, muito do voto no candidato da direita populista foi mais um voto de protesto que ideológico. Por isso, apesar de ter ido buscar a maioria dos seus eleitores, alguns destes optaram por Milanović, outros pelo voto branco ou nulo e alguns pela abstenção.

Aliás, apesar de a participação eleitoral ter aumentado na ronda decisiva, foi nas áreas ganhas por Škoro que esse aumento foi mais baixo

Já a maioria do eleitorado dos restantes candidatos eliminados no 1º turno terá apoiado o candidato vencedor.

Do ponto de vista territorial, verifica-se uma divisão entre o ocidente e o leste do país.

Tal como na 1ª volta, Milanović venceu na região de Zagreb e nas províncias do Noroeste (em especial na de Međimurje, onde existem pequenas minorias húngaras e austríacas, e chegou quase aos 75%) e do Oeste (com destaque para a Ístria, a península onde vive a maior parte da minoria italiana, onde ultrapassou os 80%). Venceu, também, na maioria das zonas urbanas e nas áreas mais laicas.

Por sua vez, a presidente cessante triunfou no Nordeste (regiões da Eslavónia e da Baranja), onde Škoro vencera na 1ª volta, e no Sul (na costa dalmata), regiões mais católicas e conservadoras, onde o nacionalismo é mais forte, que constituem habituais bastiões do HDZ.

No total, Zoran Milanović obteve 50,4% dos votos expressos, contra 45,2% de Kolinda Grabar-Kitarović. Os votos brancos e nulos totalizaram 4,4%. Por seu turno, a participação eleitoral foi de 55,0%.

Apesar de o semipresidencialismo croata ter um forte componente parlamentarista e o presidente só poder dissolver o Parlamento em caso de rejeição de uma moção de confiança ou a aprovação de uma moção de censura ao executivo, bem como a não aprovação do orçamento no prazo de 120 dias após a sua apresentação, a verdade é que o PR tem alguns poderes em matéria de política externa e de defesa, que podem conflituar com o governo.

Por outro lado, sendo de Andrej Plenković, líder do HDZ, minoritário, dependente do apoio parlamentar de várias forças políticas, num Parlamento bastante fragmentado, a probabilidade de vir a acontecer uma crise política é forte. Se assim acontecer, Milanović pode aproveitar para dissolver a assembleia parlamentar e convocar novas eleições, que podem favorecer o regresso do seu partido ao poder. Por isso, a coabitação não se afigura fácil.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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