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“Crise migratória revela falência trágica do projeto europeu”
O Esquerda.net transcreve, na íntegra, a intervenção de Catarina Martins durante o debate com a participação do primeiro-ministro preparatório do Conselho Europeu:
“A crise migratória, ou crise dos refugiados, está a revelar uma falência trágica do projeto europeu.
O acordo com a Turquia é o mais recente e mais assustador passo deste percurso. A União Europeia prepara-se para pagar à Turquia para que esta fique com os refugiados e aceite de volta pessoas que buscam proteção internacional na Europa. E porquê à Turquia?
Porque a Turquia não é um país da União Europeia. A tragédia pode acontecer, desde que seja fora das nossas fronteiras.
A Europa convive bem com o atropelo dos mais básicos direitos humanos. Só pede que seja longe da nossa vista e para lá dos muros europeus. E, para isso, está disposta a pagar.
A Europa convive bem com o atropelo dos mais básicos direitos humanos. Só pede que seja longe da nossa vista e para lá dos muros europeus. E, para isso, está disposta a pagar.
Como bem escreveu um eurodeputado do PSD no Parlamento Europeu, num artigo desta semana, “Esse é o modelo falhado de Guantanamo: enviar as pessoas para um território onde não haja os constrangimentos que existem no nosso.”
As palavras de Carlos Coelho são certeiras e são também o eco de um consenso amplo, de que apenas o CDS se exclui, contra o acordo da vergonha. Um acordo que o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, o ACNUR, dirigido até há pouco por António Guterres, já classificou como ilegal e que todas as organizações humanitárias acusam de constituir um verdadeiro atentado, com traços de xenofobia, contra a proteção dos direitos humanos de cada um dos seres humanos, de cada cidadã e cidadão que compõe esta multidão em fuga.
A posição de Portugal neste Conselho Europeu não pode ser a da resignação com a derrota da decência e dos direitos humanos. Este é o tempo de não ficar calado face à catástrofe, de não ser cúmplice do silêncio nem com das soluções que a extrema-direita preconiza.
A posição de Portugal neste Conselho Europeu não pode ser a da resignação com a derrota da decência e dos direitos humanos. Este é o tempo de não ficar calado face à catástrofe, de não ser cúmplice do silêncio nem com das soluções que a extrema-direita preconiza.
Recusamos o acordo com a Turquia porque o apoio aos refugiados exige essa recusa. Acolhê-los, assumir as responsabilidades solidárias com a Grécia e com a Itália, reabrir as rotas das Balcãs e recusar a Europa dos muros. Ser terra firme para quem se lançou no mar para fugir da guerra.
E ir às causas. Ser duro contra o terror e a guerra. Deixar de comprar petróleo e vender armas aos territórios ocupados pelo Daesh, proteger populações dos bombardeamentos, recusar a subserviência à Arábia Saudita e o aprofundamento das ligações entre UE e NATO - que nunca soube criar soluções, mas apenas problemas - numa securitização bélica, e por isso perversa, da fronteira mediterrânica da Europa.
Finalmente, sobre economia e semestre europeu.
Há uma afirmação de hoje, deste parlamento, com a aprovação do Orçamento do Estado, que deve levar ao Conselho Europeu: aqui está uma maioria para recuperar Portugal e que recusará qualquer passo a trás.
Mas temos duros desafios pela frente.
Não há emprego sem investimento. Não há investimento sem reestruturação das dívidas. Esta evidência não é hoje sequer restrita ao campo da esquerda ou da crítica às instituições europeias. Não há instituição internacional, economista de referência, e mesmo governo, que, pelo menos à porta fechada, não reconheça essa necessidade.
Se este Conselho Europeu levasse a sério o “Emprego e crescimento”, tinha como assunto a reestruturação das dívidas. Assim, mais uma vez, “emprego” ou “crescimento” são palavras meramente ornamentais.
Se este Conselho Europeu levasse a sério o “Emprego e crescimento”, tinha como assunto a reestruturação das dívidas. Assim, mais uma vez, “emprego” ou “crescimento” são palavras meramente ornamentais.
Pior: a União Europeia está em processo de concentrações na banca. Não apenas nega, aos Estados da periferia do euro, como Portugal, o direito a manter sistemas financeiros nacionais, como impõe a capitalização de grandes bancos europeus com mais dívida pública desses mesmos países. Veja-se Portugal, que entregou 3 mil milhões de euros ao Santander, através do Banif, ou os planos que se preparam para o Novo Banco.
O que está em curso é um novo ataque aos países periféricos do euro em nome da recomposição da banca europeia, à custa de recursos públicos e soberania democrática. Pagamos para não ter banca. Este é o momento de dizer não.
Só há emprego com investimento e democracia. O que exige a reestruturação da dívida, por um lado, e a resolução do sistema financeiro e o seu controlo público, por outro. Pode parecer que este é um caminho difícil. Mas é a alternativa à implosão. Não nos enganemos: Uma União Europeia que abdica da democracia, despreza a soberania dos povos e condena gerações ao desemprego, repete os piores erros da história da Europa - trágicos como foram. A União Europeia é hoje um projeto em agonia”.
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