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Covid-19: o investimento na ciência é hoje mais necessário do que nunca

Esta sexta-feira decorreu no Facebook do esquerda.net mais uma sessão do ciclo de debates on-line “Ao Encontro”, com o tema “O papel da ciência no combate à pandemia” onde se discutiu a importância que a investigação científica tem tido no desenvolvimento de estratégias e sistemas de comunicação para verificar a evolução da pandemia, mas também na forma como os institutos de investigação se reinventaram para possibilitar a testagem de diagnóstico, bem como os testes serológicos que determinam se a pessoa já esteve ou não em contacto com o vírus o que poderá gerar uma possível imunidade.
Esta edição do ciclo contou com a participação de Ana Isabel Silva, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Vasco Barreto, biólogo e investigador principal do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, e Pedro Pereira Rodrigues, investigador principal da LT3 Ciência de Dados, de Decisão e Tecnologias de Informação do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Ana Isabel Silva começou por referir o papel importante que a ciência está a assumir num momento em que o mundo atravessa esta pandemia, considerando também que, com a imensa informação que nos tem chegado, existem também informações contraditórias e fake news “e mais do que nunca precisamos de esclarecimentos por parte dos nossos cientistas.”
A investigadora ressalva que “em Portugal a ciência sempre foi vista como uma despesa e que o trabalho destes investigadores e de todos os outros nos mostra que é um investimento que é preciso agora mais do que nunca”. Considera também que as pessoas têm uma ideia de que os cientistas desenvolvem um trabalho muito individual, o que nem sempre é verdade e “o que esta pandemia mostrou é que os cientistas trabalham bem em equipa”.
Importância dos testes serológicos e da imunidade de grupo
Vasco Barreto começa por salientar o que os investigadores fizeram para responder a esta emergência, transformando institutos de investigação em laboratórios de testes de diagnóstico, considerando que do ponto de vista logístico era um desafio para o qual não estavam habituados.
“Isto começou de uma forma não organizada, em que cada instituto tentou responder à pressão imediata que havia para aumentar o número de testes”.
Afirma que até agora todos os institutos já fizeram 50000 testes e cada um consegue fazer cerca de 4000 testes por dia.
O investigador refere também que em paralelo alguns institutos começaram também a desenvolver os testes serológicos, aproveitando para fazer a distinção entre os testes de diagnósticos e os testes serológicos.
“A distinção principal é que um teste de diagnósticos diz-nos se a pessoa está ou não infetada, enquanto os testes serológicos dizem-nos apenas se a pessoa tem ou não anticorpos contra o vírus, se tiver anticorpos pode estar infetada ou já esteve infetada”, referindo que são importantes para perceber o número de pessoas que já esteve em contacto com o vírus.
Vasco Barreto afirma-se um otimista e considera que poderemos ter vacina antes do Verão de 2021, mesmo sabendo que normalmente desenvolver uma vacina é um processo longo que pode durar 5 a 10 anos, sendo que, em casos como a HIV nem sequer se consegue desenvolver a vacina.
Considera que existem diferenças muito significativas entre Sars, Mers e a covid-19, porque as duas primeiras ficaram circunscritas e esta afetou as grandes economias e que por isso foram colocados muito mais recursos na procura de uma vacina.
Refere também que “a maior parte das pessoas que é infetada desenvolve anticorpos, que duram pelo menos quarenta dias, a grande questão é a duração da imunidade, porque não temos forma de o saber e nem sequer é possível replicar in vitro um estudo que nos permita saber se à imunidade daqui a 4 ou 5 anos”.
Relativamente à criação da vacina e à sua produção em massa refere que “há formas de acelerar o processo sem queimar etapas”, como “começar a produzir a vacina em massa antes que se saiba se a vacina funciona”.
“Em relação à imunidade de grupo, para a covid-19 será preciso imunizar 60 a 70% da população para garantir a imunidade de grupo, ou através de vacina ou estando em contacto com o vírus”.
Alerta ainda para uma discussão das últimas semanas, citando um estudo de Gabriela Gomes, que indica que a imunidade de grupo poderia ser atingida com uma percentagem muito menor de imunizados. A explicação é que “geralmente a imunização não se faz ao acaso, os indivíduos que circulam mais e que mais poderiam contribuir para a propagação da doença são os primeiros a ser infetados, os primeiros a ganhar imunidade e por isso já não contribuem para a progressão da doença, e daí se falar dos 10 a 15%.”
Questionado pela “geografia do vírus”, considera que depende dos casos e que existem várias explicações possíveis para o vírus se propagar mais nuns países de uma determinada parte do planeta do que outros, são exemplo a radiação ultravioleta, a idade das populações, densidade populacional, não havendo, no entanto, uma explicação única.
A criação de sistemas de informação é essencial para um tratamento de dados mais eficaz
Pedro Pereira Rodrigues indica que desde o início de março quando se percebeu que iria haver uma sobrecarga dos serviços de saúde no centro de investigação onde trabalha “apercebemo-nos que tínhamos competência de análise de dados e desenvolvimento de aplicações em sistemas de informação que podiam ser colocados ao serviço desta nova realidade” referindo que o primeiro problema sentido foi a pressão nas linhas telefónicas das pessoas que pretendiam informação sobre a doença e se poderiam ou não estar infetadas. Considera que a necessidade de um sistema de pré-triagem foi o que mais os motivou para criar sistemas de apoio para essa mesma pré-triagem
O investigador indica que quando começou este processo logo se aperceberam de um problema que existe há décadas, que se pretende com o acesso aos dados, “foi aí que encontramos a primeira barreira, que foi a aparente inexistência de uma colheita sistemática de dados que nos permitisse fazer essa análise”. Afirma que desde o início de março houve reuniões ,“movimentações diárias de vários investigadores para tentar encontrar essas soluções, que acabaram por culminar em apelos nacionais para que fossem disponibilizados os dados referentes aos doentes e aos suspeitos de covid-19 que nos pudessem ajudar a criar os sistemas de apoio”, considerando muito importante que existam sistemas de informações que recolham informação sistemática.
Considera ainda que no início houve dificuldades de aceder aos dados dos pacientes para desenvolver modelos de apoio para o primeiro contacto, o diagnóstico e a prestação de cuidados, afirmando que a DGS e as autoridades regionais divulgaram desde o início “informação epidemiológica sobre os casos”, mas que para passar de uma analise epidemiológica para uma analise clinica são necessários os “micro dados sobre o doente e isso é que não estava a ser disponibilizado”. Considera ainda que “o poder da política na tomada de decisões está em ponderar o que é a evidencia que existe num determinado momento com a perceção do risco de essa evidencia estar errada”.
Questionado sobre algumas atitudes políticas em sentido contrário às evidências científicas afirma que “a investigação estar a questionar permanentemente a evidência do dia anterior, não é o mesmo que aceitar políticos que vão contra tudo que é evidencia científica” referindo-se a Bolsonaro.
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