Coronavírus: governos desarmados diante da crise económica que se aproxima

09 de março 2020 - 22:13

Revelando as contradições acumuladas nos últimos dez anos, o coronavírus vai provavelmente desencadear uma grande crise económica que mergulhará a economia mundial em recessão. Por Gaston Lefranc.

PARTILHAR
Controle sanitário no aeroporto de Bolonha - Foto de Dipartimento Protezione Civile from Italia / Wikicommons
Controle sanitário no aeroporto de Bolonha - Foto de Dipartimento Protezione Civile from Italia / Wikicommons

Os governos e os bancos centrais não conseguiram conter a tempestade que atinge os mercados financeiros, desde 24 de fevereiro. Em 15 dias, o CAC 401 caiu 15%, o Dow Jones 11%. A decisão surpresa da Reserva Federal dos EUA de reduzir as taxas diretoras em 0,5 pontos2 a 3 de março não produziu os efeitos esperados. Portanto, um cartucho foi queimado quase sem efeito. Se a maioria dos economistas evoca um "choque exógeno" temporário, a crise económica que se aproxima tem causas muito mais profundas.

O coronavírus: um choque económico brutal

A epidemia de coronavírus parece estar em declínio na China. O governo chinês tomou medidas dramáticas de contenção e intervenção pública que limitaram a escala da epidemia. Isso inclui a construção de novos hospitais em Wuhan ou o deslocamento massivo de profissionais de saúde para tratar os residentes das áreas mais contaminadas.

Mas a epidemia está a espalhar-se rapidamente noutros países. O Irão, a Itália e a Coreia do Sul agora têm mais casos de coronavírus, em relação ao número de habitantes, do que a China. Na Itália, mais de 3.000 pessoas foram contaminadas com o coronavírus. Todas as escolas estão fechadas até pelo menos 20 de março. E o governo decidiu, a 8 de março, colocar em quarentena 15 milhões de italianos do norte, que não podem deixar a sua região. A atividade económica vai portanto desacelerar, enquanto a Itália atingiu, em fevereiro passado, o 17º mês consecutivo de queda da produção industrial.

Colapso dos preços do petróleo

Os preços do petróleo caíram 35% entre o início do ano e 6 de março. Esta segunda-feira, 9 de março, os preços do petróleo afundaram, perdendo 25% num único dia! Foi o colapso mais brutal desde a Guerra do Golfo de 1991. Duas razões principais para isto: a China é o primeiro importador mundial; os países da OPEP e a Rússia falharam a conclusão de um acordo de enquadramento da Rússia, então a Arábia Saudita decidiu aumentar a produção. Num contexto de queda da procura e de pânico, a queda dos preços do petróleo torna-se incontrolável.

Coronavírus, provável desencadeador de uma crise com raízes mais profundas

O coronavírus é um "choque exógeno" importante nas economias de todo o mundo. Um choque que agravou a queda dos preços do petróleo, que desceram 35% desde o início do ano. A maioria dos economistas diz-nos que que estamos a passar um mau momento e que o crescimento recomeçará com o desaparecimento do vírus. Assim, o remédio seria o seguinte: os bancos centrais deveriam inundar os bancos comerciais com dinheiro, para que estes ajudassem as empresas a superar os seus problemas temporários de liquidez.

Mas os problemas são muito mais graves do que um simples "choque exógeno". Os lucros estagnam ou caem na China e nos EUA. A dívida atinge novos patamares. A França não é poupada: é o país do G7 com o mais alto nível de endividamento das empresas, que passou de 100% do PIB em 1998 para 140% em 2018. A dívida das famílias em França caiu de 22 % do PIB em 1980 para 34% em 2000, atingindo 60% em 2018. E a dívida pública explodiu em 10 anos, passando de 65% do PIB em 2007 para mais de 100% do PIB hoje. E metade desta dívida pública é detida por não residentes, o que intensifica a pressão dos mercados financeiros sobre o país.

Em França, os índices CDS - os seguros que protegem contra o default das obrigações - tendem para os níveis mais altos dos últimos quatro anos. Isto significa que o risco de falência está a aumentar. Ao contrário das palavras tranquilizadoras dos economistas burgueses, muitas empresas têm um problema de solvência, não apenas liquidez.

As taxas de lucro não aumentaram significativamente desde a crise de 2008, as empresas aproveitaram as baixas taxas de juros, devido às políticas dos bancos centrais, para se endividarem, para financiarem principalmente operações financeiras, não investimentos produtivos: recompras de ações nos mercados financeiros, fusões e aquisições, compras de vários títulos financeiros ...

Por sua vez, os bancos e fundos de investimento usaram a moeda distribuída pelos bancos centrais para especular nos mercados financeiros, o que aumentou a desconexão entre o valor das ações e os lucros gerados na economia real.

É neste contexto que a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, em janeiro passado, comparou a situação atual com os "anos loucos" que precederam o crash bolsista de 1929. Revelando as contradições acumuladas nos últimos dez anos, o coronavírus vai provavelmente desencadear uma grande crise económica que mergulhará a economia mundial em recessão. (...)

Extrato de artigo de Gaston Lefranc, publicado em npa2009.org, traduzido para português por Carlos Santos para esquerda.net


Notas:

1 Índice bolsista de França.

2 A principal taxa diretora do banco central é a taxa de juros pela qual os bancos comerciais se refinanciam em liquidez monetária junto do banco central. Por consequência, quanto menor for essa taxa, mais a massa monetária em circulação aumenta, uma vez que os bancos comerciais podem obtê-la a um custo menor.

Termos relacionados: SociedadeCovid-19