Num painel intitulado "Salvar o SNS", que integrou o segundo dia da conferência “Vencer a Crise”, composto por sete oradores, o médico Bruno Maia iniciou a conversa, referindo que “a pandemia da covid-19 colocou-nos perante a emergência de uma resposta coletiva e no centro dessa resposta está o SNS”. Segundo o médico neurologista do Hospital de São José, “é neste momento que vemos hospitais privados a fecharem as portas e seguradoras a recusarem-se a pagar os custos da pandemia que percebemos que sem SNS estaríamos todas muito pior”. Partilhando a moderação do painel com o deputado Moisés Ferreira, passou a palavra ao primeiro orador.
O SNS precisa de contratar e acolher profissionais especializados
Henrique Barros, médico epidemiologista, Presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e Presidente do Conselho Nacional de Saúde, começou por salientar a situação de “penúria” em recursos humanos e outros recursos destinados à área da saúde pública, que funciona com um modelo “muito centrado num médico, num enfermeiro e num técnico de saúde ambiental”. “Esta equipa básica de saúde pública há muito que se sabia inequivocamente insuficiente” para “responder aos grandes problemas da saúde pública como área da medicina.
Segundo o especialista, a saúde pública como caminho junta saberes da medicina, nutrição, ambiente, jornalismo, economia, entre outros, e “o SNS tem de ser capaz de ter um lugar para contratar e acolher profissionais especializados” nas diversas áreas. Criticou ainda o reduzido Orçamento para programas de prevenção e a incapacidade de fixar especialistas que estão a emigrar para países onde conseguem ter progressões de carreira.
“Hoje nas decisões não se aplica o conhecimento científico que temos e nas aflições quer-se que a ciência traga conhecimento que obviamente não teve tempo para produzir”. “Não esperem que de um dia para o outro surjam as soluções”, avisou Henrique Barros.
Utilização de telefone e videoconferência para reduzir congestionamento
Referindo-se à pandemia, António Rodrigues, médico de família, especialista em cuidados de saúde primários, salientou que “apesar dos cortes sucessivos e da continuada degradação, o SNS mostrou-se como sendo a única estrutura em termos de saúde, capaz de responder a uma questão com esta magnitude”. O desempenho do Serviço Nacional de Saúde esteve à altura deste enorme desafio.
“Os cuidados primários conseguiram fazer uma boa parte do que era suposto, (…) construíram circuitos afetos – áreas dedicadas ao Covid –, os doentes com qualquer tipo de suspeitas tiveram um circuito absolutamente autónomo e o resto das atividades foram diminuídas em termos presenciais com um reforço por via telefónica”. Este médico defende que "enquanto não houver vacina e imunidade de grupo, vamos ter de manter cuidados no que respeita ao circuito de doentes com este problema, para evitar a contagiosidade de terceiros e reforçar o acompanhamento de doentes que fazíamos até chegar a pandemia”
Para António Rodrigues, o congestionamento dos cuidados primários não são uma inevitabilidade e a solução passa também pela “utilização de telefone e videoconferência”, embora não substitua a consulta presencial. Alertou ainda para a necessidade de criar “sinergias” entre o poder local, a Segurança Social e os cuidados de saúde.
Sistemas universais como o SNS são mais capazes de responder a estas situações
Alexandre Lourenço, Administrador Hospitalar, Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, dá o exemplo do “Hospital de S. João e do Centro Hospitalar de Lisboa Central, que desde o primeiro momento souberam organizar-se para responder a esta pandemia, ao nível dos serviços de urgência, da área laboratorial, serviços de internamento, medicina intensiva e saúde operacional. Demonstrámos que temos capacidade técnica e recursos humanos capazes para responder a esta pandemia”.
O sucesso foi possível porque o confinamento evitou a sobrecarga do SNS e os profissionais de saúde demonstraram estar à altura, mas também porque “houve serviços cirúrgicos e de consulta externa que paralisaram devido ao redireccionamento de recursos. Após 15 anos de elevado desinvestimento no SNS, “os recursos existentes são manifestamente insuficientes”.
É necessário retomar serviços suspensos, “definir uma rede Covid e dotá-la dos recursos necessários”. Ao nível dos Conselhos de Administração dos Hospitais, o especialista aponta para a necessidade de modelos mais participativos e para a maior profissionalização.
“Os recursos humanos na saúde mental são escassos na maior parte do território”
Para responder a situações futuras que tendem a agravar-se com a crise, Ana Matos Pires, Médica Psiquiatra e coordenadora regional de saúde mental da Administração Regional de Saúde do Alentejo, afirma que são necessários mais psiquiatras, psicólogos, enfermeiros especialistas, técnicos superiores de serviço social e terapeutas ocupacionais. É necessário aumentar as equipas comunitárias e implementar “estratégias de intervenção, sobretudo nos casos de ansiedade e depressão nos cuidados de saúde primários”. Aponta ainda para a comparticipação dos antipsicóticos. Medidas que espera ver concretizadas pelo atual Orçamento do Estado.
Internalizar os meios complementares de diagnóstico e terapêutica no SNS
A proposta é defendida por Célia Rodrigues, Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica, justificando que a internalização possibilitaria redução de custos, mas também o aproveitamento da “capacidade instalada em hospitais e centros de saúde que não está a ser rentabilizada”. “O custo para o SNS é sempre menor do que o contratualizado com os privados”, acrescentou.
Defendeu ainda a criação de “um centro de colheitas em cada centro de saúde e encaminhamento para os hospitais para realização das análises”. Célia Rodrigues dá o exemplo dos exames de radiologia, que “podem ser feitos nos Centros de Saúde e relatados por médicos que estejam nos hospitais”. Nos centros de saúde faltam também serviços de cardiopeneumologia, audiologia, ortóptica, terapia da fala, terapia ocupacional e fisioterapia.
O SNS deve promover o envolvimento das pessoas na resposta
Sofia Crisóstomo, farmacêutica e coordenadora da iniciativa “Mais Participação, Melhor Saúde”, é especialista em Assuntos Regulamentares e considera que esta medida é essencial para “responder às expetativas e necessidades das pessoas”, mas isso não aconteceu nesta pandemia.
“Quando conseguimos reunir com a Ministra da Saúde e com os membros do Gabinete do ministério, houve pequenos ajustes, mas que representaram grandes respostas para as pessoas.” Critica que “os telefones de contacto com os serviços diretos não existem” e que a “produção de normas e materiais informativos suportam campanhas de informação sem haver validação do público” para garantir que a linguagem é percetível e que a informação corresponde às necessidades.
É necessário reforço das condições de trabalho
“Se já era urgente antes ter um SNS robusto na resposta às necessidades da população, agora vem por a nu que essa capacidade de resposta é fundamental e que deve ser conseguida através do reforço das condições de trabalho para além dos equipamentos”, afirmou Diana Pereira, enfermeira numa unidade de cuidados intensivos em Lisboa. Para esta dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, é necessário tomar medidas para possibilitar a “progressão nas carreiras, a exclusividade dos profissionais e o avanço de direitos no trabalho por turnos”.
Concretizar a Lei de Bases da Saúde
O painel encerrou com a intervenção do deputado bloquista Moisés Ferreira, que destacou o papel central do SNS e recusou o caminho da austeridade. “A austeridade não serve para responder a situações de emergência de saúde pública, não serve para sair de qualquer crise. Precisamos de investir e deixar de tratar a saúde como uma despesa e valorizar os profissionais, não só aplaudindo e elogiando muito justamente, mas dando-lhes carreiras que sejam dignas e salários que sejam condizentes com aquilo que é a sua importância social”, afirmou.
Moisés Ferreira insistiu na concretização da Lei de Bases da Saúde de João Semedo e António Arnaut, o reforço de meios e serviços prestados e a “maior autonomia das administrações hospitalares”.