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Como as multinacionais da indústria da carne fogem aos impostos

Uma investigação da Lighthouse Reports analisou à lupa os esquemas fiscais de dois gigantes da indústria que controlam um terço da produção de carne de vaca e de galinha, acabando por pagar taxas de IRC efetivo abaixo de 1%.
Uma das unidades da Moy Park no Reino Unido. Foto jAYkROW/Flickr

O projeto jornalístico Lighthouse Reports lançou esta segunda-feira o seu último projeto de investigação denunciando que as maiores empresas europeias de processamento de carne recorrem a esquemas de “planeamento fiscal agressivo”, pagando taxas de IRC efetivas menores de 1%.

A investigação diz respeito à Anglo Beef Processors (ABP), detida pelo bilionário Larry Goodman, e às Pilgrim’s Pride e Moy Park, ambas detidas pela gigante brasileira JBS. 

Para que se tenha noção da dimensão que têm no seu conjunto, estas empresas controlam um terço da produção de carne de vaca e de galinha e um quarto da carne de porco do Reino Unido. São os principais fornecedores dos maiores supermercados e cadeias de fast-food como McDonalds, Nando’s e KFC. 

Como é que os dois grupos conseguem fugir aos impostos?

Uma prática comum utilizada por grupos multinacionais é o que se chama de erosão da base tributária (base erosion). De uma forma geral, estes esquemas baseiam-se na criação de células do grupo, muitas vezes fictícias e que não empregam realmente ninguém, as shell companies (empresas fantasma), para desenvolver atividades económicas específicas ou para serem detentoras de ativos. São colocadas de forma estratégica em jurisdições consoante os benefícios fiscais aí oferecidos de forma a que os lucros tributáveis do grupo sejam reduzidos, utilizando deduções como despesas com taxas de juro, propriedade intelectual, dividendos, etc.

A Lighthouse Reports explica que o esquema utilizado por estes grupos cai dentro deste tipo. Envolvem três partes: são criadas empresas financeiras em países que ofereçam benefícios fiscais de dedução dos custos de financiamento externo, como a Holanda ou o Luxemburgo. Essas recebem empréstimos de uma primeira empresa sediada na Irlanda ou Reino Unido e não pagam juros, tendo acesso a um financiamento substancialmente mais barato. Por sua vez, oferecem financiamento, também intra-grupo, a outra parte do grupo onde se desenvolva a atividade económica real e se geram as receitas, também na Irlanda ou Reino Unido, mas cobrando uma taxa de juro mais elevada (ainda assim, mais favorável do que seria fora do grupo). Os juros que recebem como lucro são deduzidos do total tributável, não sendo pagos. 

No caso do grupo ABP, identificaram a empresa Trojaan Investering sediada na Holanda, sem trabalhadores, e cuja maior parte do rendimento se devia a atividades de financiamento intra-grupo. Registou entre 2013 e 2017 um lucro de 161 milhões de euros, sobre o qual pagou uma taxa de IRC efetiva de 0,93%. 

Para as Pilgrim’s Pride e Moy Park, detidas pela JBS, identificaram a empresa holding Sandstone Holdings no Luxemburgo. Também sem trabalhadores associados, teve lucros de 162 milhões de euros entre 2017 e 2020 e uma taxa de IRC efetiva de 0,19%.

Os mesmos grupos beneficiam de subsídios aos agricultores

Ao mesmo tempo que elaboram esquemas complexos para não serem tributados, beneficiam dos subsídios públicos dados aos agricultores criadores de gado, permitindo que o que efetivamente pagam a estes produtores seja reduzido. Nos últimos anos, houve protestos de agricultores nas fábricas destes grupos pelas condições precárias a que estão sujeitos. 

William Taylor, coordenador do grupo Farmers for Action Northern Ireland, adverte: “Se os processadores continuarem a pagar mal aos produtores, o governo pode muito bem entregar o dinheiro do subsídio diretamente às empresas de paraísos fiscais dos grupos, em vez de lavá-lo através dos agricultores”.

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