Lutas

Começou a greve dos estivadores na costa leste dos EUA

02 de outubro 2024 - 14:13

Paralisação afeta portos que representam mais de metade da capacidade portuária do país. Biden já disse que não vai parar a greve e apelou aos patrões que têm lucros recorde desde a pandemia para que façam uma “proposta justa” de aumentos salariais.

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Greve dos estivadores em Nova Iorque
Greve dos estivadores em Nova Iorque. Foto publicada na conta X do mayor Eric Adams

A luta dos estivadores da International Longshoremen’s Association (ILA), que representa cerca de 45 mil trabalhadores nos portos da costa leste dos EUA, cumpriu a ameaça de iniciar a greve no início de outubro caso não houvesse acordo com as empresas, operadores de terminais e associações portuárias representadas pela United States Maritime Alliance (USMX). Nova Iorque, Baltimore, Norfolk, Savannah e Houston são alguns dos maiores portos afetados.

“Estamos preparados para lutar o tempo que for necessário, para permanecer em greve durante o tempo que for preciso, para obter os salários e as proteções contra a automatização que os nossos membros da ILA merecem”, disse o presidente da ILA, Harold Daggett, numa declaração na terça-feira de manhã, acrescentando que “a USMX é responsável por esta greve agora” e “tem de satisfazer as nossas exigências”.

As reivindicações passam por aumentos salariais que neutralizem o efeito da inflação, com cinco dólares/hora de aumento anual nos seis anos de vigência do contrato, quando nos últimos seis anos o salário aumentou apenas um dólar por hora a cada ano. O salário de entrada é de 20 dólares/hora e o máximo é de 38 dólares/hora. A ameaça para o emprego que representa a instalação das novas tecnologias nos portos é outra preocupação dos estivadores e querem ver garantias inscritas de forma explícita no futuro contrato coletivo de que tal não virá a ocorrer.

Embora as conversações para um novo acordo coletivo tenham começado há dois anos, as negociações duram desde maio, mas a falta de acordo depressa as fez entrar num impasse que fez expirar o acordo coletivo vigente no último dia de setembro. A associação patronal diz que as partes não reúnem desde junho e que apresentou propostas que representam um grande aumento salarial. O sindicato responde que o que os patrões não dizem é que há trabalhadores a ganhar 20 dólares - quando nalguns estados o salário mínimo já é de 15 dólares por hora - para operar equipamentos de gestão de contentores que custam milhares de milhões. E que até chegarem ao topo da tabela salarial têm de trabalhar seis anos, independentemente das horas trabalhadas ou do desempenho. Por outro lado, sublinha que dois terços dos seus membros estão em regime de disponibilidade permanente, sem garantia de trabalho quando não há navios por operar, e que o seu acesso a suplementos e benefícios depende das horas trabalhadas no ano anterior, deixando-os vulneráveis a períodos com falta de trabalho. Por fim, desconfia da boa vontade dos patrões para negociar, quando estes esperaram até ao último dia antes da greve anunciada para apresentarem uma proposta.

Biden defende aumentos e apela aos patrões que apresentem "proposta justa"

Os patrões, apoiado por um conjunto de 177 associações comerciais, tentaram pressionar o presidente Joe Biden a invocar a Lei Taff-Harley, que lhe permitiria impor um período de 80 dias em que os trabalhadores ficam impedidos de fazer greve enquanto decorrem negociações para um acordo laboral. O apelo foi prontamente secundado por vários congressistas do Partido Republicano. No domingo, Biden respondeu aos jornalistas: “Isto é negociação coletiva. Eu não acredito na [lei] Taft-Harley”. E na terça-feira a Casa Branca emitiu um comunicado apelando à USMX que apresente uma proposta justa, tendo em conta que os transportadores viram aumentar os lucros desde a pandemia “nalguns casos acima de 800%” comparado com o período anterior e que esses lucros foram distribuídos pelos acionistas e administradores. “É de elementar justiça que os trabalhadores, que se colocaram numa situação de risco durante a pandemia para manter os portos abertos, vejam também um aumento significativo nos seus salários”, defende Biden, apontando também a importância dos estivadores para fazerem chegar os recursos necessários à população afetada pelo furacão Helene, que esta semana fez mais de cem mortos nos EUA. Biden avisa ainda que vai estar atento à especulação nos preços que beneficie as transportadoras marítimas, em especial as representadas na direção da USMX.

Esta é a primeira greve desde 1977 nos portos da costa leste, que representam 51% da atividade portuária do país. Na costa oeste, os trabalhadores são representados por outro sindicato, que fechou um acordo coletivo no ano passado. Quando a última greve ocorreu, o comércio representava 16% da economia do país, um valor que hoje é de 27%.

Líder sindical dos estivadores alerta para o impacto da paralisação na economia do país

“As pessoas hoje não sabem o que é uma greve”, avisou o líder da ILA no início de setembro, quando dava a sua previsão do impacto de uma paralisação prolongada. “Na primeira semana, vai estar em todos os noticiários - boom, boom, boom. Na segunda semana, os tipos que vendem carros não podem vender carros porque os carros não estão a chegar dos navios. São despedidos. Na terceira semana, os centros comerciais começam a fechar. Não conseguem obter os produtos da China. Não podem vender roupa. Não podem fazer nada. Tudo nos Estados Unidos vem num navio. Eles vão à falência. Os trabalhadores da construção civil são despedidos porque os materiais não estão a chegar. O aço não está a chegar. A madeira não está a chegar. Perdem os seus empregos. Toda a gente passa a odiar os estivadores, porque agora se apercebem da importância dos nossos empregos”, concluía Harold Dagget.

A opinião unânime é que estão criadas as condições para a maior perturbação na circulação de mercadorias e nas cadeias de abastecimento desde a pandemia, embora falte essa unanimidade aos analistas que tentam calcular o custo diário da paralisação, estimando valores que vão desde os mil e os cinco mil milhões de dólares. As grandes cadeias comerciais dos EUA, como a Walmart e a CostCo, dizem ter antecipado boa parte das encomendas de produtos para a época natalícia, diversificando também os portos de origem das suas importações. E os últimos dias antes da greve foram de enorme azáfama nos portos, com os clientes a tentarem retirar todos os contentores que pudessem antes do início da paralisação.