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Chipre Confidencial: o paraíso financeiro dos oligarcas russos

Investigação jornalística analisou milhões de documentos de sociedades offshore cipriotas que confirmam a movimentação de dinheiro sujo para figuras próximas de Putin e outros autocratas sob sanções internacionais.
Imagem Chipe Confidencial
Image Ben King / ICIJ

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) coordenou uma investigação com o com o Paper Trail Media e mais 67 parceiros ao longo de oito meses. Em análise estiveram 3,6 milhões de documentos de empresas de serviços financeiros cipriotas, disponibilizados a 270 jornalistas de 54 países, relativos a operações financeiras, mensagens de correio eletrónico e outros documentos entre meados dos anos 1990 até abril de 2022.

Desde há muito que o sistema financeiro do Chipre é considerado um destino preferencial do dinheiro dos oligarcas russos, mas também do crime organizado daquele país. As autoridades cipriotas dizem que as reformas dos últimos anos dotaram o país de uma estrutura regulatória de topo internacional no combate ao branqueamento.

Mas a entrada de centenas de milhares de milhões de euros com origem russa tem corroído a política ao mais alto nível, diz Neil Weinberg, do ICIJ, na apresentação da investigação publicada em Portugal no Expresso. O ex-presidente conservador Nicos Anastasiades, que ocupou o cargo desde 2013 até este ano, constituiu enquanto advogado uma gabinete de prestação de serviços offshore a clientes russos e os seus sócios serviam como funcionários de empresas-veículo sob suspeita de lavagem de dinheiro para o círculo próximo de Vladimir Putin. Quando a investigação veio a público em 2019, o então presidente disse que não estava diretamente envolvido na empresa desde 1997 que transferiu as suas ações para as filhas antes de assumir a Presidência em 2013.

Entre as descobertas da nova investigação do ICIJ, está a da ligação de 25 russos abrangidos pelas sanções ocidentais e ucranianas após a anexação da Crimeia em 2014 e outros 71 clientes russos abrangidos pelas sanções de 2022 após a invasão da Ucrânia. Destes 96 indivíduos sob sanções, 44 têm o estatuto de pessoas politicamente expostas, ou seja, políticos, funcionários e seus familiares ligados a empresas ou à administração pública que merecem maior escrutínio dado o risco de envolvimento em atos de corrupção. Dos 104 bilionários russos identificados pela revista Forbes este ano, dois terços aparecem nos documentos do Chipre Confidencial, juntamente com os seus familiares. Além de terem estes clientes, as empresas investigadas trabalharam também com sociedades controladas por pessoas e empresas russas e registadas nas Ilhas Virgens Britânicas, em Jersey, na Ilha de Man, no Liechtenstein, em Hong Kong e noutros locais.

Consultora PwC ajudou oligarcas a esconder dinheiro das sanções

Como acontece com frequência nas investigações sobre o mundo da alta finança internacional, mais uma vez aparece o nome de uma das grandes consultoras financeiras mundiais, a PwC, cujos 1.100 funcionários cipriotas estiveram ao serviço dos aliados de Putin durante a invasão da Ucrânia. Por exemplo, ajudando o oligarca Alexey Mordashov a transferir um investimento de 1,4 mil milhões de dólares, que deixou de estar em seu nome no dia seguinte a figurar na lista de sanções ocidentais. A PwC trabalhou com pelo menos 12 dos 25 russos já afetados pelas sanções pós-anexação da Crimeia. Em comunicado, um porta-voz da consultora afirma que "as normas internas da PwC são revistas e atualizadas para refletir as lições aprendidas e a evolução das circunstâncias". Mas os sócios da consultora no Chipre que saíram da PwC formaram outras empresas para continuar a prestar os mesmos serviços a vários oligarcas russos, ajudando-os a pôr o dinheiro a salvo das sanções. Uma dessas empresas é a Abacus Ltd, investigada no Reino Unido pela sua ligação ao bilionário russo Petri Aven, que aparece no relatório Mueller sobre a interferência russa nas presidenciais de 2016 nos EUA, suspeito de se ter oferecido como um intermediário entre Putin e a equipa de transição presidencial de Donald Trump.

Também o ramo cipriota da consultora Deloitte e mencionado na investigação, pelo seu apoio ao registo e administração das sociedades registadas no Chipre e controladas pelo bilionário Roman Abramovich, o antigo dono do clube de futebol londrino Chelsea e o exemplo mais conhecido de oligarcas próximos de Putin acolhidos de braços abertos pelas elites ocidentais. A revelação das operações financeiras com ligação a este clube, omitidas nas suas contas e em violação das regras financeiras da liga inglesa de futebol, dará agora origem a uma investigação e prováveis penalizações para o Chelsea, do qual Abramovich já não e proprietário.

Além dos oligarcas russos, a investigação Chipre Confidencial mostra também como as empresas de serviços financeiros cipriotas permitiram à petrolífera estatal síria adquirir - através de um intermediário registado no Chipre - equipamento de perfuração a uma empresa texana entre 2014 e 2019, apesar dos EUA acusarem o presidente do país, Bashar al-Assad, de genocídio e incluído a empresa na lista de sanções. Outra figura a levantar o interesse dos media é a do veterano jornalista alemão Hubert Seipel, conhecido pelas reportagens sobre o poder russo e pela proximidade com Putin, com quem chegou a caçar veados na Sibéria. Agora foi apanhado nos documentos que mostram como em 2018 e 2019 recebeu um "patrocínio" de 700 mil dólares de uma empresa cipriota ligada ao oligarca Alexey Mordashov. O jornalista reconhece ter recebido o dinheiro como "apoio" aos seus livros sobre a Rússia e defende que o seu trabalho foi imparcial e que nunca foram encontrados erros factuais em nenhum dos seus livros.

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